Santa Joana d’Arc e os Milagres

Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro

Recentemente, ouvi alguns boatos acerca de supostas visões proféticas de um padre brasileiro. Resolvi ler sobre o tema e descobri duas posições contrárias entre os fiéis católicos com respeito às alegações do sacerdote. Uma delas duvida veementemente de sua credibilidade, assumindo forte suspeita de picaretagem, enquanto a outra reivindica a conhecida legitimidade católica para se crer em “revelação particular” e enfatiza a permanência do sobrenatural na Igreja.

Resolvi escrever. Devemos ter cautela diante das notícias de visões e ocorrências de milagres que chegam até nós, não aceitando todas as coisas sem reservas e sem teste, mas provando tudo com um coração manso e contemplativo. O outro extremo, contudo, longe de ser um antídoto para esse comportamento, é um veneno para a fé, e se manifesta sob o pretexto de se proteger de ser enganado. Ora, ser enganado seria menos nocivo à sua alma do que duvidar de uma obra legítima do Espírito. Pois ao se fechar para o sobrenatural, o desconfiado assume uma postura que não é cristã. Abraçar um espírito cético e uma postura zombeteira diante de qualquer manifestação aparentemente miraculosas não é sábio. O episódio me fez lembrar de algumas pessoas que no decorrer dos séculos disseram ter tido contato com situações inexplicáveis. Temos muitos picaretas na história do mundo, mas sem dúvida também muitas manifestações do poder miraculoso de Deus, seja por meio de pastorinhos ou de santas guerreiras. Por esse motivo decidi escrever sobre alguém que me intriga e ao mesmo tempo inspira. Se há uma lista de personagens que despertam curiosidade na história do mundo, certamente Santa Joana d’Arc tem um lugar reservado nela. Tanto o aspecto sobrenatural de seu chamado quanto a sua convicção de que aquilo que dizia era a verdade e configurava uma missão divina, formaram o contexto mais estranho possível para um exército marchar ao campo de batalha ouvindo as visões de uma adolescente. Todos os eventos seguintes, unidos ao controverso julgamento que a condenou, polêmico e fruto de conspirações políticas, envolvem a personagem numa aura de mistério.

 

A REAÇÃO DAS PESSOAS DIANTE DO SOBRENATURAL

 

Se eventos sobrenaturais são muitas vezes alvo de forte suspeita hoje, trata-se de uma ingenuidade crer que era diferente no passado. Ao contrário do que muitos tentam insinuar, falando dos povos antepassados como se eles fossem estúpidos e destituídos de qualquer senso crítico ou tendência à suspeita, sobretudo se pertinentes à Idade Média, segundo a própria Escritura, que é um livro muito antigo, o milagre quase sempre foi recebido com dúvida, seja qual for o momento histórico em que ele ocorre. Sara, a mulher de Abraão, duvidou da promessa de Deus de que eles teriam um filho sendo já velhos (Gn 18: 12) e chegou a oferecer ao marido a sua própria escrava, porque acreditava ingenuamente que tal ato poderia “apressar” ou “ajudar” a promessa. Quando o Senhor aparece a Moisés na sarça ardente, ele hesita em cumprir o chamado de Deus, justamente em razão da incredulidade do povo, que duvidaria do milagre: “Mas eis que me não crerão, nem ouvirão a minha voz, porque dirão: ‘O Senhor não te apareceu'” (Ex 4: 1). Posteriormente, ao se apresentar diante dos filhos de Israel proclamando a sua liberdade com sinais e prodígios, o povo vê Moisés operando os milagres, mas ainda assim murmura e duvida. Algo semelhante ocorre quando o Anjo aparece a Zacarias, que servia no Templo, e lhe diz que a sua esposa daria à luz. Ele responde incrédulo e duvidando da palavra do Anjo: “Como saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher avançada em idade. (Lucas 1:18) Por isso ele ficou mudo. Maria diz a José que está grávida do Espírito Santo e este não acredita nela. É evidente que a Escritura não mostra o detalhe da conversa entre eles, mas somos informados de que de alguma forma José descobriu sobre a gravidez de sua noiva, pois ele intenta deixá-la secretamente. E  provavelmente, segundo a lógica, fora ela mesma quem lhe revelou: “Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente” (Mateus 1:19).  José só acreditou que o Anjo realmente tinha aparecido a Maria quando o próprio Anjo apareceu também a ele em sonho. Então percebemos que milagres nunca foram bem recebidos pelas pessoas, e, no caso de Santa Joana, foi igualmente difícil.

 

RAZÕES PARA CRER

 

Diante disso, alguns questionam: o que todos esses exemplos bíblicos citados ou mesmo o de Joana d’Arc têm a nos dizer sobre milagres? Ou sobre a história do padre vidente? Bom, eles nos falam que devemos entender duas coisas: 1) o miagre tem confirmação; e 2) o milagre tem efeitos decisivos e característicos. Acredito que o segundo ponto é o mais importante, mas o primeiro nos mostra que Deus se preocupa conosco, e que Ele está disposto a nos dar discernimento. Isso significa que se uma pessoa é verdadeiramente devota, e em sinceridade ama a verdade, é certo que Deus a revelará a ela. Por isso, São José foi devidamente alertado pelo Anjo de que ele estava prestes a cometer uma injustiça com a Virgem Maria, isso porque ele era justo, e foi misericordioso com ela. Por isso Deus confirmou-lhe o milagre. Quanto ao segundo caso, os efeitos são importantes porque os milagres legítimos sempre falam mais sobre salvação do que qualquer outra coisa. Eles têm resultados que promovem mudanças positivas a longo prazo, justamente porque estimulam a virtude e a conversão de pessoas. Eles são, portanto, decisivos quando ocorrem, pois rompem com algum padrão, tal como um objeto que cai em uma bacia cheia de água: ele produz ondulações ao seu redor, e literalmente movimenta as águas paradas. É claro, pois eles também nos tornam cientes de que Deus não nos deixou e de que Ele nos ama e continua a nos surpreender em um mundo desesperançoso e sombrio. Os milagres apontam para o grande mistério da vida, aquela parte de nossa existência e experiência humanas que a ciência ainda não explicou. Esse sinal para nós é sempre frutífero, mas, além disso, ele confirma a fé da Igreja. Por isso eu disse que eles são característicos. Veja: ele não promove uma curiosidade excessiva acerca de coisas ocultas e sombrias, mas promove piedade. Com todo o bem que ele nos concede, é bastante compreensível o motivo de algumas pessoas buscarem tanto algum milagre. E há muitas, inclusive, que se tornam presas fáceis para vigaristas. O fato é que no fundo, todos nós vivemos aguardando aquela rápida fagulha do extraordinário no meio do nosso pequeno ordinário, que nos incentive a prosseguir nossa jornada com esperança, sabendo que há mais do que apenas a morte a nos aguardar quando tudo estiver terminado. Por isso o milagre constitui um dom que alguns levam a vida inteira para testemunhar. Como Simeão, naquele dia no Templo (Lucas 2: 29-31).

 

O VERDADEIRO CRITÉRIO

 

Por esses dois motivos podemos dizer que um milagre é legítimo? Não exatamente, pois esses dois traços são apenas uma pequena dica. Eles apenas o ajudam a discernir, mas não são definitivos. Em geral, cremos nos milagres descritos na Bíbia porque eles estão na Bíblia, e cremos nos milagres que não estão descritos na Bíblia por causa da autoridade da Igreja Católica, que na verdade é a mesma que fundamentou a fé na Bíblia. Mas de fato, há milagres não confirmados pela Igreja, e essa pequena dica pode ajudá-lo a discernir. É apenas uma mão na roda… O que ocorre, no entanto, é que foram os próprios acontecimentos em sequência que testificaram em defesa dos milagres citados, de modo que a história, por exemplo, da jovem Joana d’Arc, modificou substancialmente a história de inúmeras outras pessoas. É o tipo de efeito-dominó que vemos naquela passagem do evangelho quando uma samaritana anuncia Jesus aos seus vizinhos. O relato declara que os vizinhos saem para testemunhar o que a mulher disse, e após algum tempo, eles  afirmam: “Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo” (João 4:42). Ou seja, quando até pessoas céticas podem perceber um milagre, ou mesmo quando a história de países inteiros é impactada pelos acontecimentos desencadeados pelo milagre (como por exemplo, pelas visões de Joana d’Arc), podemos perceber nisso uma enorme evidência, pois como ocorreu aos samaritanos, a certa altura, os franceses não mais seguiam a jovem porque ela disse ter visto Santa Margarida ou São Miguel ou Santa Catarina, mas porque os sinais posteriores foram maiores que os primeiros, sendo o resultado das visões de Santa Joana mais impressionantes do que as próprias visões em si. É assim pelo menos com os milagres em que alguém apareceu com uma mensagem urgente do céu. Eu nem preciso falar dos que foram citados da bíblia: Abraão deu origem a nações inteiras, Moisés libertou os hebreus do Egito e Jesus foi o Messias proclamado aos gentios até os confins do mundo. 

 

 

Foto de Benjamin Massello na Unsplash

 

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Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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