Por que os cristãos se reúnem no Domingo?

Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro

A Igreja de Cristo entende desde o princípio que para se obter a salvação, a observância dos mandamentos é indispensável (Mateus 19:16-17), unida à fé que promove mudança e é movida pela graça. Todavia, diante disso, alguns podem perguntar: Então por que os católicos não guardam o sábado, mas se reúnem aos domingos? Porque, para os católicos, a norma que ordena a guarda do sábado como dia específico é cerimonial, isto é, um instituto que os teólogos chamam de uma lei de aspecto temporal que aponta para princípios morais eternos. Como diria a Escritura, é uma “sombra dos bens futuros” (Hb 10: 13 e Cl 2:16-17). Os cristãos entendem que a Vitória de Cristo inaugurou uma Nova Economia, um renascer da humanidaade e da própria criação, já que o império da morte já não existe mais. Isso não anula ou muda a lei moral, mas o que é transitório se reveste de nova roupagem. Há um paralelo com Gênesis: o primeiro dia da Criação e o primeiro dia da Nova Criação, o qual é inaugurado com a ressurreição de Cristo, como vemos no Catecismo.

 

No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão, Paulo, que havia de viajar no dia seguinte, conversava com os discípulos e prolongou a palestra até a meia-noite. Havia muitas lâmpadas no quarto, onde nos achávamos reunidos. Acontece que um moço, chamado Êutico, que estava sentado numa janela, foi tomado de profundo sono, enquanto Paulo ia prolongando seu discurso. Vencido pelo sono, caiu do terceiro andar abaixo, e foi levantado morto. Paulo desceu, debruçou-se sobre ele, tomou-o nos braços e disse: “Não vos pertur­beis, porque a sua alma está nele”.

Atos 20: 7-10

 

Aqui, o Apóstolo Paulo faz referência à Eucaristia ou ao Banquete do Senhor. Este “Partir do Pão” não constituía uma mera refeição ou um lanchinho. Tratava-se do ajuntamento cristão em torno da mesa eucarística. Eles se reuniram para a Ceia do Cordeiro, e enquanto Paulo pregava, ele se prolongou tanto em seu discurso que um jovem adormeceu e caiu do terceiro andar, onde a Igreja estava reunida para ouvi-lo. O mártir Justino romano, teólogo da Igreja que defendeu a doutrina cristã entre o ano 100 e 165, era na qual muitas pessoas que tinham convivido com os apóstolos e recebido sua instrução ainda viviam, disse o seguinte sobre o dia de reunião dos cristãos:

 

JUSTINO MÁRTIR

Reunimo-nos todos no dia do Sol, porque foi o primeiro dia [após o Sábado judaico, mas também o primeiro dia] em que Deus, tirando das trevas a matéria, criou o mundo, mas também porque Jesus Cristo, nosso Salvador, nesse mesmo dia ressuscitou dos mortos.

São Justino, Apologia, 1, 67: CA 1, 188 (PG 6, 429-432).

 

Semelhantemente, Santo Inácio de Antioquia confirma o domingo como Dia do Senhor, sendo ele um Bispo que viveu entre o ano 68 e 107, ainda mais próximo dos apóstolos e do Senhor Jesus que São Justino, pois aprendeu dos primeiros face a face, tendo sido ordenado sacerdote da Igreja pelo próprio apóstolo João evangelista, o discípulo a quem Jesus amava:

 

INÁCIO DE ANTIOQUIA

Os que viveram segundo a antiga ordem das coisas alcançaram uma nova esperança, não guardando já o sábado mas o Dia do Senhor, em que a nossa vida foi abençoada por Ele e pela sua morte.

Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Mgnesios, 9, 11: SC 10bis, 88 (Fusk 1, 236-238).

 

Veja que ele chama o Domingo de “O Dia do Senhor”, exatamente como o seu mestre e antecessor São João, o apóstolo, que o instruiu na doutrina da Verdade e o preparou para se tornar um pastor de ovelhas na Igreja de Deus. No livro Apocalipse, o discípulo Amado chama o “Dia do Senhor” aquele no qual ele foi arrebatado nos sentidos e teve a sua primeira visão na Ilha de Patmos. Ele diz:

 

Eu fui arrebatado no espírito no Dia do Senhor,

e ouvi detrás de mim uma grande voz como que de trombeta. 

Apocalipse 1: 10

 

Parece pouco provável que o Dia do Senhor, ao qual João se referiu em Apocalipse, fosse um dia diferente daquele que seu sucessor, discípulo de confiança, mencionou em sua epístola antes de partir para seu martírio. Afinal, São João confiou a Inácio a Igreja de Deus, onde ele próprio pastoreava e o treinou para repassar seus ensinamentos adiante. Ainda que os cristãos entendam o caráter cerimonial do mandamento do sábado, eles entendem que há uma lei moral para a qual esse mandamento aponta, que é a necessidade de reunião para cultuar. Logo, a manutenção de um dia semanal para o Senhor ainda é uma prescrição para cumprimento desse anseio dentro do coração do homem. Por isso o Catecismo diz: 2176. “A celebração do domingo é o cumprimento da prescrição moral, naturalmente inscrita no coração do homem, de «prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular, sob o signo da sua bondade universal para com os homens”.

 

O domingo distingue-se expressamente do sábado, ao qual sucede cronologicamente, em cada semana, e cuja prescrição ritual substitui, para os cristãos. O domingo realiza plenamente, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judaico e anuncia o descanso eterno do homem, em Deus. Porque o culto da Lei preparava para o mistério de Cristo e o que nela se praticava era figura de algum aspecto relativo a Cristo.

 

Foto de Gabriella Clare Marino na Unsplash

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Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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