INTRODUÇÃO
A principal acusação contra os católicos é a de substituir Cristo por outros intercessores. Repetidamente, cita-se: “Porque há um só Deus, e UM só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5). Calvino até declara: “Eles também imaginam que os santos e anjos no paraíso são seus patronos e que, portanto, eles têm infinitos meios de comparecer diante de Deus, pois assim lhes parece” (CALVINO, Sermões sobre Gálatas, p. 27) A acusação do reformador é clara: ele acreditava firmemente que compreender os anjos e os santos como intercessores pessoais no céu implica necessariamente em uma forma de criar meios alternativos à mediação de Cristo. Antes disso, havia dito: “Assim, o que quer que os papistas possam reivindicar, a verdade é que eles roubam de Jesus Cristo toda a sua autoridade. ‘Se existe apenas um Mediador’, [eles dizem], “‘o que fazer com os santos, nossos padroeiros, e com as santas, nossas intercessoras?'” (p. 26) De novo está evidente seu ponto: para ele, o fato de existir apenas um Mediador esvazia a possibilidade de intercessão de outros. Mas se fosse assim, por que o próprio Jesus ensinou que os anjos levam as necessidades dos pequeninos a Deus, o que equivale à própria prática de interceder? (cf. Mateus 18:10). Talvez Jesus não concordasse com Calvino que os anjos, ao interceder, ofuscavam e usurpavam a sua mediação.
DIFERENÇA ENTRE ORAR AOS SANTOS E ORAR PELOS MORTOS
Em geral muita objeção é levantada contra a Intercessão dos Santos – oração aos fiéis aperfeiçoados que estão no céu – mas não com os mesmos argumentos usados contra a prática de oração pelos mortos, isto é, preces em favor dos fiéis defuntos que não estão no céu. A objeção que se levanta contra a segunda é a absoluta certeza que alguns protestates parecem ter de que se trata de uma AÇÃO INÚTIL e SUPERSTICIOSA, já que todas as pessoas já partem dessa vida prontas seja para o céu, seja para o inferno. Ou seja, o motivo da reprovação é que, para os críticos, a oração feita pelos fiéis defuntos, mesmo sendo uma oração como outra qualquer, legitimamente DIRECIONADA A DEUS de maneira direta e sem intermediário, se torna reprovável porque reforça a ideia supersticiosa do purgatório, já que é feita em favor de irmãos mortos que não estão necessariamente no céu, mas também não estão necessariamente no inferno (destituídos de esperança de auxílio). Eles, portanto, devem se encontrar em um estado de juízo/purificação intermediário (purgatório), o que não passa de uma invenção supersticiosa (segundo julgam). Sendo assim, o pedido para que Deus tenha misericórdia de suas almas ao aplicar as penas temporais é pecado. O tema da oração pelos mortos é tratado aqui.
A BARREIRA DA MORTE
Tendo delineado a diferença com que as duas categorias de mortos da Igreja são tratadas, agora prossiguemos. Como foi dito, o pedido aos santos é diferente do pedido a Deus em favor dos mortos pelo fato de não se dirigir diretamente a Deus, mas rogar por intercessão a alguém que está na glória com Deus. Para o católico, o vínculo relacional entre as criaturas redimidas é algo que Deus aprova e incentiva, por isso o argumento de que Ele proíbe a ajuda mútua entre seus servos dificilmente cola. O ponto não é que os críticos neguem que Deus ama encorajar o vínculo fraterno e a relação entre seus filhos, mas sim a ênfase na barreira da morte. Para os católicos, desde a ressurreição de Cristo, não somente a parede de separação entre Deus e os homens foi derrubada, mas também entre cada uma das craturas: a morte não impede mais a relação que existe entre os filhos do Altíssimo. Cristo levou cativo o cativeiro e aquele que detinha o poder da morte e da prisão (sheol) já não pode subjugar os que creem. Sua comunhão não se interrompe com a morte.
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Vemos essa ideia presente no Catecismo:
947.«Uma vez que todos os crentes formam um só corpo, o bem duns é comunicado aos outros […]. E assim, deve-se acreditar que existe uma comunhão de bens na Igreja.
[…]
955. «E assim, de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo: mas antes, segundo a constante fé da Igreja, essa união é reforçada pela comunicação dos bens espirituais.
956. A intercessão dos santos. «Os bem-aventurados, estando mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a Igreja na santidade […]. Eles não cessam de interceder a nosso favor, diante do Pai, apresentando os méritos que na terra alcançaram, graças ao Mediador único entre Deus e os homens, Jesus Cristo […].
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“CRISTO É O ÚNICO INTERCESSOR/MEDIADOR”
Voltemos à objeção inicial: Não são só os anjos que constituem um problema para quem opõe intercessão a Cristo, mas todo cristão burla esse princípio do mediador único se a lógica for aplicada. O crente é orientado a pedir a um amigo para orar por ele muitas vezes (ou é requerido para tal). Quando você faz isso, você se torna automaticamente um intercessor. Então você tem que decidir: todo cristão é um intercessor ou só Cristo é intercessor. O bom de ser católico é que podemos crer nos dois, pois entendemos que somos participantes de Cristo, isto é, do seu Corpo. Logo, todo cristão é chamado a ser advogado do seu próximo quando estiver em oração por ele, pois fazemos parte do ministério de Cristo, isto é, da sua obra salvífica, atuando a partir da mediação única de Jesus. Ele é o cabeça e nós seu corpo. Todos precisamos uns dos outros. E todos estamos ligados pelo corpo. A diferença entre os protestantes e os católicos é que os católicos acreditam que a morte não interrompe essa comunhão espiritual. Quando consideramos a agência dos santos orando no céu, entendemos que é a mesma coisa, porém com efeitos maiores e mais potentes, já que o pedido por intercessão que se faz a algum amigo intercessor da terra é feito a alguém com muitas fragilidades e pecados, enquanto que o amigo santo que já partiu para a glória com Deus se encontra em um estado aperfeiçoado (sendo agora um intercessor livre de pecados).

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Além disso, no paraíso, ele também goza de um pleno relacionamento com Deus, uma vez que participa de sua natureza (cf. 2 Pedro 1:4). É um ato de fé, portanto, já que se confessa que os filhos de Deus recebem verdadeiramente a vida eterna, para a qual nós também corremos, buscando alcançar a coroa da vitória. Assim, se acalenta a esperança e se confirma a fé, pois se crê com firmeza que homens e mulheres justos falecidos no Senhor ainda vivem, e apesar de todos os obstáculos, eles triunfaram sobre a morte, pois Deus cumpriu sua promessa. Os católicos sustentam que a existência de uma pessoa não se restringe ao corpo material, portanto, a atividade desse ser em favor do Bem universal também não. Alguns, opondo-se à ideia, levantam argumentos como o sono da alma, porém tal doutrina não é a posição historicamente aceita pela Igreja de Cristo desde sua origem, e isso em razão de muitos erros bíblicos presentes nela. Leia mais sobre aqui.
“TEM QUE IR DIRETO A DEUS”
Um dos argumentos contrários é que não se trata de uma oração legítima porque não se vai “direto a Deus”. Já ouvi muito isso. De fato, o pedido aos santos soa indireto, mas se tal proibição é real, então de novo: por que Deus nos incentiva a orar por outras pessoas e a nos tornarmos, em razão disso, seus intercessores pessoais? Se esse ato torna o relacionamento indireto, e se relacionar com Deus indiretamente é pecado, então pedir a um cristão amigo para orar por nós é igualmente pecaminoso. Mas não deve ser tão odiável assim, uma vez que Deus o incentiva. E essa oração também pode ser um pedido direto conjunto, pois nada o impede. É por isso que as acusações contra a prática não fazem tanto sentido, já que na maioria das vezes os católicos pedem que os santos orem por coisas que eles mesmos já pediram a Deus (ou que eles pedem junto com o santo). Ou seja, a acusação de que sua devoção a Deus é reduzida, ou que eles negligenciam sua oração a Deus quase sempre não se sustenta. Em toda missa se faz a oração do Pai Nosso e outras orações que o sacerdote dirige a Deus, deixando os santos como agentes secundários em sua intercessão por nós. O católico quase nunca se veria numa situação em que ele negligenciaria Deus se ele fosse a uma missa regularmente. Além do mais, veja que a crença de que eles (os santos) receberão a oração é consequência direta da crença de que estão vivos graças ao poder de Deus. Então trata-se de um louvor de glória a Deus. Os santos devem seu fluir, vida e dons a Deus, que é o destinatário final de suas e nossas orações. Então mesmo se o pedido for tão somente ao santo, de modo que ele leve nossa causa a Deus, é Deus quem receberá a glória de um jeito ou de outro, pois é honrado pela consciência do católico que roga aos santos por uma graça vinda do Santo, que é Senhor dos vivos e dos mortos, tendo poder sobre todas as coisas.
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Sobre a questão da relação indireta, se v
ocê prestar atenção, isso ocorre também com amigos da igreja quando são chamados a interceder uns pelos outros. Em muitos casos, e isso é verificável, pedimos a pessoas que possuem alguma autoridade espiritual, em razão de seus méritos naquela comunidade. Isso não soa familiar? Você nunca viu algum pastor dizer após o culto: “venham aqui para frente, para eu orar por vocês”. E eles assim o fazem – se tornando seus intercessores – por terem recebido seus dons de Deus (Tg 1: 17). E pode inclusive acontecer de a oração ser um ato solitário apenas do intercessor. Eu já vi isso ocorrer quando eu era protestante. A pessoa necessitada pede a fulano que ore por ela, mas ela mesma se encontra tão debilitada que ela apenas baixa a cabeça e se limita a escutar em silêncio a oração do irmão, dizendo um fraco “amém” ao final… Ela recebeu aquela oração, e creu nela, mas ela não orou. Deus não condena ninguém por seguir esse esquema. É claro que é recomendável que seja uma oração comunitária (isto é, com várias pessoas orando pelo mesmo propósito)…. Mas nem sempre o acudido reúne forças, podendo se encontrar fraco espiritualmente e emocionalmente naquele momento, contando com o auxílio do irmão intercessor. Isso reforça que precisamos
uns dos outros e que toda ação santa que operamos é feita em Cristo. Todos nós participamos da salvação uns dos outros. Veja dois registros dessa concepção em o Pastor de Hermas, uma obra bastante antiga, escrita entre 80 e 140 d. C., e em Clemente alexandrino, por volta do ano 200: eles citam os cristãos de pé orando com a assembleia dos anjos e santos:
CLEMENTE DE ALEXANDRIADesta forma, ele [o verdadeiro cristão] sempre se encontra purificado para a oração. Ele também ora na sociedade dos anjos, como sendo já de categoria angelical, nunca estando fora da sagrada proteção deles; e embora ore sozinho, tem o coro dos santos de pé com ele [em oração].– Miscellanies 7: 12, ano 208 d.C_________________________________________________________________
Veja como os dois tratam de pedidos de oração conjunta ou oração comunitária. Em ambos os casos, tais cristãos relataram suas experiências de comunhão com a Igreja no céu, isto é, com os anjos e santos que oram em seu favor. Em nenhum momento eles parecem preocupados com a ideia de idolatria, não vendo isso como uma ofensa à Trindade ou como uma diminuição do poder intercessório de Cristo, já que eles pareciam acreditar – como os católicos -, que é a mediação de Cristo que dá suporte à vida e agência dos santos aperfeiçoados no céu. Acredito que muito da objeção se deve a uma dificuldade na compreensão da prática da intercessão em si.
A INTERCESSÃO NÃO EXISTE POR CAUSA DA AUSÊNCIA, MAS POR CAUSA DA COMUNHÃO
Quando protestante, eu achava que minha capacidade de intercessão se dava como uma delegação divina na ausência de Cristo aqui na terra. Mas a verdade é que cada oração é feita em Cristo, significando que no céu não é diferente, onde Cristo preenche tudo. Ou seja, quando intercedemos, é Cristo quem intercede (não nós na sua ausência), mas nós acoplados Nele e através Dele. Pois fora da mediação única Dele não há intercessão. Isso leva a uma consequência lógica: no outro mundo ainda há intercessão, e deve haver! Pois ela não depende nem decorre da ausência de Cristo, mas da comunhão. Interceder é comunicação, e Deus deseja essa comunicação de dons entre suas criaturas, as quais recebem tudo da mesma fonte sublime: a Trindade. Por isso os anjos intercedem. Que grande dom: um cristão, mesmo se não contar com a assistência dos irmãos na terra, ainda assim não se sente solitário, pois tem o coro de irmãos do céu ao seu lado. Dificilmente alguém poderia advogar que Deus considera a comunhão ago mau. Orar com alguém é recomendado na bíblia, orar por alguém e pedir a intercessão de alguém também é. Então, se a escritura assegura que a oração do justo pode muito em seus efeitos, como Tiago diz (Tg 5: 16), nos encorajando a pedir a pessoas justas que orem em nosso favor, a orar por pessoas necessitadas advogando como justos em favor delas, e além disso, a orar em conjunto com outros justos, então a única barreira é a noção errônea de que a morte é empecilho à vida dos que creem, algo impossível.
CONCLUSÃO
Para a Igreja, oração é reconhecer que precisamos de ajuda. Essa ajuda vem a partir da assistência divina do Espírito Santo, que flui através de suas criaturas. Isto é, mesmo no outro mundo as criaturas ainda são instrumentos do Espírito. Elas não ficam ociosas e se tornam inúteis só pelo fato de Deus ser a fonte de todos dons. Deus ainda deseja atuar por meio de suas criaturas. Pedir a intercessão de um santo não é muito dferente daquele pedido de intercessão que os opositores da prática estimulam em seus fiéis, pois o que difere é que os católicos creem na vida e na consciência dos irmãos que morreram em Cristo, estando eles vivos Nele. Lembre-se: é verdade que você pode optar por se dirigir a Deus de maneira direta e sem auxílio de um justo amigo, que ore por vc e com vc… Isso é perfeitamente agradável ao Senhor. Mas a Bíblia assegura que são muito mais eficazes as orações feitas por pessoas fiéis e justas, nos orientando a vivermos nossa caminhada auxiliando uns aos outros e intercedendo uns pelos outros. Não há indicação bíblica de que isso deixará de acontecer após a morte, isto é, após o espírito deixar o corpo e ir para Deus. Nós ainda podemos cooperar com o Bem no outro mundo, e até mesmo de maneira mais perfeita. Pois estaremos em união plena com o Senhor.
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