O Papa Francisco apoia a causa LGBTQIA+?

Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro

Eu vi por acaso uma postagem falando da crítica do Papa Francisco à Ideologia de Gênero. E o que me surpreendeu foi o número de pessoas xingando o Papa Francisco e dizendo que ele tinha agora, no fim da vida, mudado de ideia. Fiquei pensando então: Será que o Santo Padre mentiu quando disse que sempre manteve esse mesmo posicionamento? As pessoas dizem que ele mudou. Contudo, as palavras dele no Documentário Francesco foram:

 

“eu sempre defendi a doutrina, certo?”

 

Qual doutrina? A doutrina Católica, isto é, o ensino da Igreja com respeito ao casamento lícito. Francisco disse defender o Catolicismo. Então fui dar uma checada e percebi que é verdade! Mas curiosamente, as pessoas têm a ideia de que ele defende o oposto, e por isso ficaram surpresas. O próprio cartaz na capa desse artigo mostra um desenho do Papa Francisco fazendo um sinal feio para a Polícia e para o ex-presidente dos EUA, Trump, sendo retratado para estes manifestantes como um símbolo da causa “Black Trans Lives Matter”. A Mídia e os Movimentos que defendem essas causas de fato parecem amar Francisco. Mencionarei o motivo disso na parte que é chamada “A Razão da Surpresa”.  Agora, vamos considerar as falas do Papa com respeito ao matrimônio e à causa LGBTQIA+.

 

Papa Francisco contra o Casamento Gay

 

Quando era Cardeal Bergoglio da Argentina, antes de virar Papa, em 2010, ele disse acerca do casamento Gay quando este era debatido em seu país:

 

“Nas próximas semanas, o povo argentino enfrentará uma situação cujas consequências podem afetar seriamente a família. […] A identidade e a sobrevivência da família – pai, mãe e filhos – está em jogo. […] A  rejeição completa da lei de Deus gravada em nossos corações está em jogo (…) “hoje o país, nesta situação particular, precisa da assistência especial do Espírito Santo para levar a luz da verdade às trevas do erro, precisa deste advogado para nos defender de sermos encantados por muitas falácias que são tentados a todo custo para justificar este projeto de lei e para confundir e enganar as pessoas de boa vontade”.”

– Cardeal Bergoglio (Futuro Papa Francisco) 

 

E disse mais:

 

“Não sejamos ingênuos: esta não é simplesmente uma luta política, mas é uma tentativa de destruir o plano de Deus. Não é apenas um projeto de lei (um mero instrumento), mas um ‘movimento’ do pai da mentira que busca confundir e enganar os filhos de Deus.”

             […]

“Invoco ao Senhor que envie o seu Espírito sobre os senadores que irão votar, para que não atuem por erro ou por conveniência, mas de acordo com o que a lei natural e a lei de Deus lhes mostram”.

 

E vejam o que a matéria diz mais acerca daquele que seria conhecido como Francisco mais tarde: “Um cardeal jesuíta tornou-se o mais recente líder da Igreja a pronunciar-se veementemente contra a pressão do governo no sentido do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e apelou aos contemplativos do seu país para que rezassem fervorosamente para impedir tais leis”. Isso explica o motivo do medo dos argentinos progressistas quando Bergoglio se tornou Papa.

 

Também em 2010, em entrevista para um livro disse:

 

“casamentos do mesmo sexo” são “uma regressão antropológica e são contra os valores.”

– Papa Francisco

 

De fato, o padre MATTHEW P. SCHNEIDER chegou a enumerar um apanhado de falas do Papa Francisco nas quais ele expõe a doutrina moral da Igreja com respeito ao matrimônio de forma clara e categórica no decorrer de sua vida sacerdotal:

 

    • Em Novembro de 2014, ele afirmou que APENAS os casamentos [heterossexuais] constituem uma família, em uma conferência chamada “Humanum: A Complementaridade do Homem e da Mulher”: “as crianças têm o direito de crescer em uma família com um pai e uma mãe capazes de criar um ambiente propício ao seu crescimento e desenvolvimento emocional.” 

    • Ele também disse: “a família é um FATO antropológico, e consequentemente, um fato social, cultural, etc.

    • E no início de 2016disse ao Tribunal da lei canônica: “não se pode existir confusão alguma entre a família como desejada por Deus, e qualquer outro tipo de união.”

    • Na sua declaração conjunta com o Patriarca Cirilo da Igreja Ortodoxa Russa (fevereiro de 2016), o Papa afirma: “a família funda-se no matrimônio, ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher.Ainda em 2016, ele reafirmou durante um voo: “quando falamos do casamento como a união do homem e da mulher como Deus o fez, como uma imagem de Deus e do homem e da mulher, a imagem de Deus não é o homem, é o homem unido à mulher; eles se tornam uma só carne quando se unem em casamento: esta é a verdade.”

    • Em 2018, Francisco disse a um grupo que trabalha com famílias na Itália: “A família, que vós promoveis de vários modos, está no centro do projeto de Deus, como mostra toda a história da salvação. […] a complementaridade e o amor entre o homem e a mulher tornam-nos cooperadores do Criador, que lhes confia a tarefa de gerar para a vida criaturas novas, cuidando do seu crescimento e da sua educação.” No mesmo encontro, ele soltou essa afirmação espontânea: “Hoje — dói dizê-lo — fala-se de famílias “diversificadas”: diferentes tipos de família. […] Mas a família humana como imagem de Deus, homem e mulher, é uma só.”

    • Para não restar dúvidas, um importante jornal LGBT resumiu: “a definição de família do Papa exclui casais do mesmo sexo.”

Distorceram a Fala do Papa, Pe Matthew P. Schneider, Novembro de 2020.

 

 

A Razão da Surpresa

 

Se o Papa Francisco foi tão claro desde o começo com respeito ao homossexualismo e ao matrimônio cristão, qual o motivo de as pessoas ficarem surpresas com sua fala condenando a Ideologia de Gênero e sugerirem que ele mudou de ideia somente agora? Isso ocorre por três razões:

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  1. O Papa Francisco é aberto aos direitos civis dos homossexuais, como por exemplo, a união estável civil. 
  2.  O Papa Francisco enfatiza uma noção bem aproximada do mundo jurídico brasileiro chamada “princípio da individualidade da pena”, o que justifica seu tratamento misericordioso e com certa caridade e sensibilidade da situação dos homossexuais. 
  3. O Papa Francisco permitiu que homossexuais em uniões ilegítimas pudessem ser abençoados pela Igreja (pessoas e não as uniões em si). 

 

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Sobre o último caso, Fiducia Supplicans, você pode ler aqui. E considerando a primeira e a segunda razões, falo a seguir. Primeiro, sua consciência dos direitos civis dos homossexuais se dá porque Francisco faz distinção entre Casamento (Sacramento) Vs. União Civil (Acordo Jurídico).Veja o que ele diz:

 

Eu sempre defendi a doutrina […] é uma inconsistência falar de casamento homossexual. Mas nós temos que criar uma lei de união civil [ley de convivência civil, no espanhol], para que eles tenham direito a estarem seguros por lei”.

 

Você pode ler mais sobre isso aqui, aqui e aqui.

E quanto ao tratamento menos rígido fornecido aos homossexuais, sua postura ficou clara em 2013, quando o Papa Francisco disse uma afirmação chocante: Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar? O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem, dizendo – esperem um pouco… como diz… Não se devem marginalizar estas pessoas por isso, devem ser integradas na sociedade”. Isso decorre do fato de que ele acredita que Deus julgará cada caso específico considerando TODO aspecto e especificidade da situação, sempre adentrando na particularidade de cada circunstância individual (o que mencionei anteriormente sobre o “princípio da individualidade da pena”). É óbvio que essa alegação acima causou muito alarde, como se ele estivesse modificando a posição moral da Igreja que considera a prática homossexual pecaminosa, todavia, ele não fez isso. Apenas disse que pertence a Deus julgar a causa de cada um, e mencionou a necessidade de acolhimento de todo indivíduo na sociedade, independentemende de sua orientação sexual. Agora vamos considerar o contexto da fala do Papa: claramente disse que não é pecado alguém possuir a tendência homossexual, e se tal pessoa com sinceridade buscar o Senhor, ele jamais a julgaria. Quanto à prática, isto é, o ato em si, citou o pecado de Pedro de negar a Cristo e disse que mesmo tal pecado, que na sua opinião é o pior, pode ser perdoado, apontando para a misericórdia de Deus quando houver genuíno arrependimento e confissão. Também acrescentou que é errado fazer lobby com a causa LGBTQIA+ (politização).

 

LOBBY

Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, a palavra looby foi incorporada à língua inglesa em 1553, com o sentido de “corredor de espera; vestíbulo”. Em 1640, registra-se o termo como “o amplo salão aberto ao público”, que, nas casas legislativas, serve principalmente para “os contatos entre os legisladores e o cidadão”. Em 1859, firmou-se nos Estados Unidos o sentido de lobby como “o grupo de pessoas que freqüentam o lobby das casas legislativas com o propósito de influenciar seus legisladores a aprovar suas propostas”.

(Fonte: Agência Senado)

 

O Papa respondia à correspondente da Globo em Roma, Ilze Scamparini, que perguntou-lhe sobre o monsenhor Ricca, mencionando a chamada “lobby gay” por este ter sido alvo de escândalo envolvendo seu comportamento homossexual em vários lugares, além de ações de natureza escandalosa. Então o Papa começa a responder a pergunta dizendo que a investigação sobre Ricca não forneceu evidências disso. E então, ele parte para outro ponto, falando da separação das esferas e da questão do pecado.  Diz:

 

“No caso de Mons. Ricca; eu fiz aquilo que o Direito Canônico manda fazer, ou seja, a investigatio previa. E, a partir desta investigatio, não há nada de quanto o acusam, não encontramos nada sobre isso. Esta é a resposta. Mas eu queria acrescentar mais uma coisa sobre isso: eu vejo que muitas vezes na Igreja, fora deste caso e também neste caso, vão-se procurar, por exemplo, os «pecados da juventude» e isso é publicado. Não se trata de delitos [crimes], atenção; os delitos [crimes] são coisa diferente: o abuso de menores é um delito [crime]. Não se trata disso, mas de pecados.”

 

O que ele estaria querendo dizer é que se de fato Monsenhor Ricca apresentou tal comportamento, essa questão seria tratada como pecado e não como um crime. Se esse homem de confiança do Papa, encarregado de uma função importante no Vaticano, fosse gay, essa sua indiscrição deveria ser tratada na Igreja com uma disciplina de caráter espiritual e religioso, com acompanhamento e aconselhamento e com os procedimentos necessários e cabíveis. Se envolvesse alguma outra postura complementar delituosa, ou seja, no seu trabalho como representante diplomático da Igreja, aí nesse caso seria tratado em outro campo, no campo penal. Todavia, de acordo com Francisco, não houve evidência disso. Após citar que Deus tem misericórdia do pior dos pecadores se este se converter de verdade, confessando seu pecado, ele começou a falar da lobby gay, isto é, da politização da pauta gay, citando a diferença entre alguém que possui tendência homossexual, isto é, sente atração por pessoas do mesmo sexo, e alguém que faz disso uma bandeira e busca impor uma ideologia:

 

Ora, se uma pessoa – leigo, sacerdote ou religiosa – cometeu um pecado e depois se converteu, o Senhor perdoa; e quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos nos confessar e dizemos, com verdade, «eu pequei nisto», o Senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer, porque corremos o risco de que o Senhor também não se esqueça dos nossos [pecados]. Isso é um perigo. Isso é importante: a teologia do pecado. Muitas vezes eu penso em São Pedro: fez um dos piores pecados, que é renegar a Cristo, e com este pecado Cristo o fez Papa. Devemos pensar muito. Mas, voltando à sua pergunta mais concreta: neste caso, eu fiz a investigatio prévia e nada encontramos. Esta era a primeira pergunta. Depois, você falava da lobby gay. Bem! Escreve-se muito sobre a lobby gay. Eu ainda não encontrei ninguém com o bilhete de identidade no Vaticano dizendo ser gay. Dizem que há. Eu acho que, quando alguém se encontra com uma pessoa assim, deve distinguir entre o fato de que uma pessoa seja gay e o fato de formar uma lobby, porque as lobby nem todas são boas. Isso é mau. Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?  […] O problema não é ter essa tendência, não; devemos ser irmãos, porque este é apenas um; mas se há mais outro, outro. O problema é fazer lobby dessa tendência: lobby de gananciosos, lobby de políticos, lobby dos maçons, tantas lobby. A meu ver, este é o problema mais grave.

 

Isso demonstra o que mencionei acima. De fato, o Papa reiterou o ensinamento da Igreja no decorrer dos anos, dentro e fora do seu pontificado, de que a prática homossexual é pecado e que “o casamento é entre um homem e uma mulher”, mas ainda assim ele demonstra flexibilidade e misericórdia diante de pessoas que possuem essa tendência ou mesmo que caem nesse pecado eventualmente (podendo achar misericórdia ao confessá-lo). Ele diz que o julgamento delas pertence a Deus, que tratará daquela pessoa de maneira individual. Isso soa menos severo e a mídia se aproveita disso para tentar impor sua própria propaganda e agenda. Por isso as críticas de conservadores contra Francisco nesse tema. Alguns dizem que ele é leniente e permissivo. Toda crítica é válida, mas para sermos honestos, não podemos negar que o Papa reiteradas vezes afirmou claramente ser pecado a prática homossexual e defendeu que o casamento só é legítimo se ocorrer entre um homem e uma mulher. Nós podemos perceber a sua abordagem pastoral indulgente e menos rigorosa tanto em uma entrevista  para a America Magazine, em que diz: “quando Deus olha para uma pessoa gay, ele endossa a existência desta pessoa com amor, ou rejeita e condena esta pessoa?’ Devemos sempre considerar a pessoa em si. Aqui entramos no mistério do ser humano…”, quanto na Encíclica Amoris Laetitia 250, na qual mais uma vez ele reforça a postura de misericórdia, caridade e sensibilidade:

 

A Igreja conforma o seu comportamento ao do Senhor Jesus que, num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as pessoas sem exceção. Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar «qualquer sinal de discriminação injusta»e particularmente toda a forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida.

 

Embora, de novo, no mesmo documento, reafirme a doutrina católica em seguida (n°251, abril de 2016), dizendo que: “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família.

 

Foto de Obi – @pixel8propix na Unsplash

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Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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