O Judaísmo recebeu a ideia da Ressurreição do Zoroastrismo persa?

joanadarc

joanadarc

Não se sabe. E as evidências parecem contradizer essa hipótese.

 

O Desenvolvimento Interno

 

O tema da origem da doutrina da ressurreição no Judaísmo ainda é disputado, mas os dados dos estudos atuais não nos permitem deduzir a origem persa. Jon Douglas Levenson, estudioso da Bíblia hebraica americano e Professor de Estudos Judaicos na Harvard Divinity School, em seu livro Resurrection and the Restoration of Israel (2006) apresentou uma ampla defesa do desenvolvimento interno da ressurreição dentro da tradição judaica a partir de noções bíblicas e socioculturais, descrevendo “o lugar da ressurreição dentro do universo moral e teológico dos antigos rabinos e mostrando por que ela era indispensável para sua visão da revelação divina e da redenção e renovação humanas” [p. 14].

 

Duas Possibilidades

 

Ainda que Levenson pareça seguro do desenvolvimento interno, ambas as teses podem ter se complementado historicamente, como ressalta C. D. Elledge, professor de Novo Testamento, Ph.D no Seminário Teológico de Princeton, com pesquisa na área de Judaísmo Primitivo, de Arqueologia bíblica e Manuscritos do Mar Morto (2017, p. 7). Ou seja, segundo sua hipótese, a origem interna defendida por Levenson se justifica pela ampla diversidade de teses de ressurreição na época, amparadas na confiança dos defensores em textos bíblicos ou apócrifos da Tradição rabínica, o que não descartava possíveis articulações harmoniosas com visões de povos vizinhos que possuíssem intendimentos similares:

 

CASEY DERYL ELLEDGE

Embora surjam evidências mais recentes, certos problemas mais antigos persistem. Talvez o mais significativo deles diga respeito ao debate em curso sobre como abordar a questão das origens [da doutrina da ressurreição]. A velha questão da história das religiões do “desenvolvimento interno israelita” versus “influência estrangeira” continua a lançar a sua sombra sobre as abordagens mais recentes. Embora Jon Levenson articule a sua própria defesa do desenvolvimento interno, outras abordagens continuam a funcionar dentro dos parâmetros de um modelo em que o pensamento judaico pós-exílico interpretava tradições anteriores na confluência de interações judaicas com contemporâneos cananeus, persas, egípcios, babilónicos e gregos. Ainda que este debate seja tipicamente travado sobre os escritos mais recentes da Bíblia Hebraica, a literatura judaica das eras helenística e romana também pode contribuir com informações adicionais para esta discussão em curso. A diversidade de concepções variadas de ressurreição nesta época encoraja a tentativa de traçar as suas origens até uma única linha de desenvolvimento. No meio da diversidade, pode-se identificar uma forte confiança intertextual em tradições bíblicas anteriores – bem como a articulação ocasional da esperança da ressurreição na linguagem mitológica dos seus vizinhos regionais. Neste sentido, as formas pelas quais o Judaísmo primitivo expressava a ressurreição parecem proibir uma abordagem dicotômica deste velho problema. Em vez disso, colocam a questão mais ampla de como expressões específicas de ressurreição podem ter emergido de uma matriz tanto de tradições judaicas-israelitas como de outras tradições antigas.

 

Ressurection of the dead in Early Judaism

 

Veja que Elledge descreve a ideia no meio do Judaísmo primitivo como contando com forte confiança intertextual em tradições bíblicas, ao mesmo tempo em que argumenta que o reforço das crenças vizinhas tenha desempenhado algum papel: “bem como a articulação ocasional da esperança da ressurreição na linguagem mitológica dos seus vizinhos regionais”. No cap. 7 de sua obra Resurrection of the Dead in Early Judaism, 200 BCE – CE 200 [Trad. “Ressurreição dos mortos no judaísmo primitivo, 200 a.C. – 200 d.C.” – Oxford University Press, 2017], ele destaca a antiguidade da ideia e a falta de embasamento daqueles que concluíam que a ressurreição fosse uma noção moderna que surgiu como resposta aos martírios do período helenístico:

 

É possível que partes da Epístola Enóquica (1 En. 92-105), com sua própria versão de uma ressurreição espiritualizada, também possam ser ligeiramente anteriores a Daniel 7-12. Dado este importante reconhecimento, não é apenas necessário corrigir uma perspectiva mais antiga que via o florescimento da ressurreição como uma resposta direta aos martírios da Reforma Helenística, mas também é vital compreender mais plenamente os pressupostos “Enóquicos” específicos acerca da ressurreição.

Ibid, p. 130.

 

 

 

Não é preciso esperar por 2 Macabeus (c.100 a.C.) para identificar uma concepção física, corporal e terrena de renovação humana no judaísmo primitivo. À luz dos Vigilantes, 2 Macabeus 7 parece ter feito uma apresentação mais filosófica e apologética aos ideais de ressurreição física que já existiam no Judaísmo ao longo do século anterior. Uma vez que esta compreensão material existe nos Vigilantes já no final do terceiro século AEC, parece sensato evitar o tratamento da ressurreição física como um desenvolvimento posterior que só ocorreu após os anteriores tipos celestes e espirituais de esperança de ressurreição. Tanto a compreensão física da ressurreição quanto outras de natureza mais espiritual ou celestial parecem ter coexistido por algum tempo ao longo do segundo século AEC.

Ibid, p. 147.

 

O ateu Bart Ehrman nega que a Ressurreição no Judaísmo tenha tido origem no Zoroastrismo persa também

 

O historiador Bart Ehrman (2020) nega que sejam concretas as afirmações daqueles que alegam que os judeus tenham herdado a sua doutrina da ressurreição dos mortos do Zoroastrismo em sua obra Heaven and Hell: A History of the Afterlife:

 

 Mais recentemente, os estudiosos questionaram a ideia de que a doutrina judaica [da ressurreição] tenha derivado da religião persa em razão de certos problemas envolvendo a datação. Alguns especialistas minaram a tese inteira ao acabou ao apontar para o fato de que, na verdade, não temos nenhum texto do Zoroastrismo que apoie a ideia da ressurreição antes de ela ter surgido nos escritos do Judaísmo primitivo. Não está claro quem influenciou quem […]Ainda mais significativo é o fato de que o momento em que isso se deu não faz sentido: Judá emergiu do domínio persa no quarto século a.C., quando Alexandre, o Grande (356–323 a.C.) varreu o Mediterrâneo oriental e derrotou o Império Persa. Mas a ideia de ressurreição corporal não aparece em textos judaicos a não ser em um período distante bem mais de um século depois disso. Embora outras influências externas possam ter exercido algum nível de influência, é possível que a ideia de uma futura ressurreição particular possa ter surgido principalmente como um desenvolvimento interno em resposta às situações sociais e políticas preocupantes que confrontavam os fiéis judeus (EHRMAN 2020, p. 100)

 

 

Não há, portanto, motivo para se afirmar categoricamente a origem persa da doutrina dentro do Judaísmo, sobretudo diante de tantos problemas com respeito a datação, a recorrência de apelo à autoridade do registro bíblico, cultural religioso, além de outros pontos importantes. Nada disso, no entanto, excluindo a possibilidade de uma articulação harmoniosa com as imagens escatológicas de tradições de outros povos, algo que não indica apropriação, posto que segundo os estudos mais recentes, a tese do desenvolmento interno possui forte fundamentação.

 

Foto de Vidar Nordli-Mathisen na Unsplash

 

 

Picture of joanadarc

joanadarc

Sta Joana d’Arc nasceu através de um compromisso e do desejo de publicar obras notáveis de autores nacionais e estrangeiros, tanto de cunho filosófico e teológico, quanto de matéria infantil, fantástica e ficcional. Além de fazer renascer o espírito de tradições e valores antigos à sociedade como um todo, a publicação de obras que revelem a riqueza de nossa história é a melhor maneira de servir a humanidade.

Picture of joanadarc

joanadarc

Sta Joana d’Arc nasceu através de um compromisso e do desejo de publicar obras notáveis de autores nacionais e estrangeiros, tanto de cunho filosófico e teológico, quanto de matéria infantil, fantástica e ficcional. Além de fazer renascer o espírito de tradições e valores antigos à sociedade como um todo, a publicação de obras que revelem a riqueza de nossa história é a melhor maneira de servir a humanidade.

Compartilhe:

Mais postagens deste autor