[…] possuímos um grande número de referências leves, mas ainda assim importantes, para o século II; temos muitas informações entre os anos 200 e 260, incluindo alguns flashes de luz brilhantes em um fundo escuro. Por volta de 260 até cerca de 310 d.C. – 50 anos durante os quais aconteceu tudo o que era de costume – não aprendemos quase nada. Sabemos bastante sobre o século IV, todavia, não temos nenhuma carta do papa Melquíades, que governava a igreja quando ela emergiu das catacumbas e se tornou imperial, se consolidando, também não temos nenhuma do famoso papa Silvestre, e apenas uma [o que nos faz desejar mais] do papa Júlio. De Libério, temos algumas e somente um punhado da vasta correspondência de Dâmaso, consequentemente, precisamos induzir grandes conclusões a partir de apenas algumas premissas. Contudo, a partir de 385, a série de papas é acompanhada por um conjunto de cartas de importância de primeira linha, mesmo que apenas uma pequena parcela tenha sobrevivido entre um grande número. Alguns foram salvos por Dionísio Exiguus em sua coleção de decretos; mas são apenas uns poucos papas especialmente famosos cujas epístolas foram preservadas em grandes lotes. Leão I, Gelasious, Hormisdas, Gregório, Nicolau o Grande e João IX. A maior coleção é, obviamente, a de São Gregório e estas 850 são apenas um fragmento da massa original. É em consequência disso que vários historiadores estranhamente fizeram com que parecesse que o poder papal tinha se originado a partir de São Gregório ou de São Leão, ambos justamente chamados de ‘os Grandes’, tendo assim ignorado as evidências mais esparsas sobre seus antecessores.
Dom John Chapman, Studies on the early Papacy, p. 10
I. A Portior Principalitas (Posição Preeminente) da Igreja de Roma
Em sua obra Contra as Heresias, santo Irineu trata dos hereges que buscavam validar sua religião com base em uma possível ligação com os apóstolos sem a sucessão apostólica. O fato é que Irineu argumenta: Para saber o que os apóstolos ensinaram, devemos recorrer às sucessões de bispos das igrejas em todo o mundo. Então ele diz que por ser difícil enumerar todas, era conveniente que a Igreja Romana falasse por elas, por causa de sua portior principalitas, isto é, por sua posição preeminente, e que em razão disso, convinha que as demais com esta Igreja romana concordassem. Em seguida enumera a sucessão dos bispos. Vem e Vê!
IRINEU DE LYON
A sucessão de Bispos da maior e mais antiga Igreja conhecida de todos, fundada e estruturada em Roma pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo – aquela Igreja que tem a tradição e a fé que chega a nós após ter sido anunciada aos homens pelos apóstolos. Pois é uma questão de necessidade que todas as igrejas devam CONCORDAR COM ESTA IGREJA, por causa de sua autoridade preeminente [potiorem principalitatem].
Irineu de Lyon, Contra as Heresias III, 3:3:2-3 ano 180-189 d. C.
Os abençoados apóstolos [Pedro e Paulo], TENDO FUNDADO E EDIFICADO A IGREJA [DE ROMA], entregaram o ofício do episcopado a Lino. Deste Lino, Paulo faz menção nas Epístolas a Timóteo. A ele sucedeu Anacleto; e depois dele, em terceiro lugar dos apóstolos, Clemente foi designado para o bispado […] No seu tempo, houve uma não pequena dissensão entre os irmãos de Corinto, e então a Igreja em Roma enviou uma carta muito poderosa aos coríntios, exortando-os à paz, renovando sua fé e declarando a tradição que havia recebido recentemente dos apóstolos […] depois Evaristo… Alexandre… Sisto… Telésforo, o qual foi martirizado de forma gloriosa… em seguida Higino… Depois dele Pio… Aniceto… Sotero…[e] Eleutério que agora retém a herança do episcopado, como décimo segundo na linha de sucessão […] Esta é a prova mais abundante de que existe uma única fé vivificante, que foi preservada na Igreja desde os apóstolos até agora e transmitida em verdade.
ibid, 3:3:3
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
É bem verdade que alguém poderia argumentar que Irineu convoca as igrejas a concordar com Roma porque ela possuía a fé ortodoxa NAQUELE MOMENTO, não por outro motivo, podendo depois disso, PERDER A FÉ ORTODOXA. Contudo, não foi isso que o texto disse. A partir das palavras, não é possível deduzir o intuito de Irineu nessa direção, não ao tratar da raiz e da base da autoridade traçada a partir do termo portior principalitas. Pelo contrário: tudo o que podemos apreender acerca de sua reivindicação é que as igrejas recebem legitimidade em razão de sua fundação apostólica, e que Roma detém um privilégio e uma posição de proeminência em face das demais igrejas, que deveriam concordar com ela. Ir além do que foi posto no texto é partir para o campo da imaginação e da expeculação. Alguém também pode sugerir que Irineu não seguiu as ordens de Vitor quando este buscou estabelecer a UNIFORMIDADE na Igreja Católica e declarou a excomunhão das igrejas da Ásia na Controvérsia da Páscoa e do jejum. Isso é suscitado com o fim de alegar que Irineu não acreditava na portior principalitas citada por ele mesmo. Façamos a leitura:
Cap. 23. Uma questão de grande importância surgiu naquela época. Pois as paróquias de toda a Ásia, segundo uma tradição mais antiga, sustentavam que o décimo quarto dia da lua, dia em que os judeus foram ordenados a sacrificar o cordeiro, deveria ser observado como a festa da Páscoa do Salvador. Era necessário, portanto, terminar o jejum naquele dia, qualquer que fosse o dia da semana. Mas não era costume das igrejas o resto do mundo encerrá-lo neste momento, pois observavam a prática que, da tradição apostólica, permaneceu até os dias de hoje, de terminar o jejum no dia da ressurreição de nosso Salvador (no Domingo). Sínodos e assembleias de bispos foram convocados por conta disso, e todos, com um consentimento e por correspondência mútua, redigiram um decreto eclesiástico, dizendo que o mistério da ressurreição do Senhor NÃO deveria ser celebrado em nenhum outro dia senão no Dia do Senhor (Domingo), e que devemos observar o encerramento do jejum pascal apenas nesse dia.
Cap. 24: 9. Vítor, que presidia a Igreja em Roma, imediatamente tentou cortar da Unidade comum as paróquias da Ásia, juntamente com as igrejas que concordavam com elas, tratando-as como heterodoxas; e ele escreveu cartas e declarou todos os irmãos ali totalmente excomungados.
…
24: 10. No entanto, isso não agradou a todos os bispos… Opuseram-se a Vítor de modo muito incisivo.
…
24: 11. Entre eles achava-se também Irineu, que escreveu em nome dos irmãos que ele dirigia na Gália… [Irineu] apropriadamente exorta Vítor para que este não apartasse da comunhão Igrejas de Deus inteiras, que observaram a tradição de um costume antigo… Assim, Irineu, que realmente mereceu um bom nome, tornou-se um pacificador nessa questão, exortando e negociando dessa maneira em prol da paz das igrejas. E ele conversou através de cartas sobre esta questão discutida, não apenas com Vítor, mas também com a maioria dos outros governantes das igrejas.
Eusébio, História Eclesiástica, Livro 5, cap. 23 e 24
VÍTOR E A EXCOMUNHÃO DAS IGREJAS ASIÁTICAS
Novamente, o que temos a partir de tais trechos é uma confirmação: Primeiro, de que Vítor possuía autoridade para excomungar. Isso é notório pelo fato de que foi ele quem tomou a iniciativa dentre os demais bispos após a decisão tomada nos sínodos e assembleias, e que mesmo tendo resistência dos tais, em nenhum momento sua autoridade para fazer valer a ordem foi negada. Na verdade, temos que Vítor foi exortado a mudar de ideia. O que isso indica? Indica que se não mudasse, teria levado a cabo os efeitos decorrentes das ordens ali tomadas, a partir da autoridade do seu cargo, ou seja, Eusébio apenas relata que Vítor foi dissuadido de executar, apesar de ter legitimidade para executar, como é visto a partir do seguinte: “[Irineu] apropriadamente exorta Vítor para que este não apartasse da comunhão Igrejas de Deus inteiras”.
A CRÍTICA E A AUTORIDADE
A autoridade não exclui a necessidade do conselho e às vezes até mesmo da admoestação, incisiva quando necessário. O Papa não governava sozinho, e ele é resistido em razão de um excesso na sua disciplina, não porque estivesse errado ou porque não tivesse poder para fazer o que pretendia. Mesmo quem acredita e concorda com uma autoridade pode criticar atos considerados injustos realizados por essa mesma autoridade, ainda que não chegue a negar as próprias atribuições do cargo da pessoa criticada: é o que ocorre atualmente quando os católicos criticam o Papa Francisco, embora tais pessoas defendam o papado como um poder legítimo e constituído por Deus.
SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA
Santo Inácio foi um dos grandes mártires da causa de Cristo, foi ele quem instruiu por carta a Policarpo de Esmirna e a muitos outros com respeito à luta pela verdade. Ele tratou em suas epístolas da organização episcopal, da Eucaristia e de muitos outros temas, como o combate aos hereges, o cuidado dos pobres e a unidade da Igreja Católica. Antes de partir para ser martirizado em Roma, lançado às feras para divertimento dos pagãos, ele escreveu a diversas igrejas, sendo que na epístola à romana é dito o seguinte:
Inácio. . . também à igreja que ocupa a presidência, no local da região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de bênção, digna de louvor, digna de sucesso, digna de santificação, e porque você exerce a presidência em amor, recebeu o nome de Cristo e o nome do Pai.
Carta aos Romanos 1:1, ano 110 d.C.
Você [a igreja em Roma] não invejou ninguém, mas a outros você ensinou. Desejo apenas que aquilo que você ordenou em suas instruções permaneça em vigor.
ibid., 3:1.
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
Há quem alegue que Inácio demonstra apenas carinho, respeito e admiração por Roma, nada além disso. Embora use o termo “presidir” – dizem –, isso trata-se apenas de uma jurisdição local. Isso não faz muito sentido pelo fato de Inácio se dirigir a outras igrejas e mesmo assim não usar a mesma expressão.
A IGREJA DA SÍRIA É A PROVA DE QUE NÃO HAVIA EPISCOPADO ÚNICO?
Muitos também levantam a citação do cap. 9 de Inácio aos romanos quando diz que a Igreja da Síria estava sem bispo para elaborar uma teoria de que havia igrejas sem bispos na época, e, portanto, o episcopado é falso. Essa carta é a prova, dizem, de que era esse o status de muitas igrejas, as quais, não precisavam de um bispo nem de sucessão apostólica, mas apenas de Cristo como seu pastor:
Lembrai-vos em vossas orações da Igreja na Síria, que agora tem Deus como seu pastor, em vez de mim. Somente Jesus Cristo a supervisionará [ ou seja, será o seu Bispo], juntamente com seu amor [também a considerará].
Epístola aos Romanos, 9, ano 110 d. C.
O problema com essa argumentação é que no capítulo 2 da referida carta de Inácio aos Romanos, ele se refere a si mesmo como o bispo (no singular) da Síria, e como ele estava caminhando para o martírio, aquela igreja ficaria sem bispo. Isso não significa que é uma regra, tampouco que seria uma situação permanente:
Orai, pois, e não procurem conferir nenhum favor maior a mim do que eu ser sacrificado a Deus enquanto o altar ainda está preparado; para que, reunidos em amor, cantem louvores ao Pai, por meio de Cristo Jesus, posto que Deus me considerou, sendo o bispo da Síria, digno de ser enviado do leste ao oeste. É bom partir do mundo para Deus, para que eu possa ressuscitar para Ele.
Epístola aos Romanos, 2, ano 110 d. C.
E pelo fato de Inácio ser o único bispo da Igreja na Síria, ele pede aos romanos no capítulo 9 que eles orem pela igreja: “Lembrem-se em suas orações da Igreja na Síria, que agora tem Deus como seu pastor, em vez de mim”, já que ele partiria para a glória. Sendo assim, não é verdade que Inácio deixou de mencionar o episcopado único em sua carta aos romanos. Ele apenas demonstra que a Síria ficaria sem bispo agora que ele, o bispo da Síria, seria martirizado.
II. A Igreja de Roma resolve Conflitos e Confirma os Irmãos
Roma sempre teve um papel marcante na solução de conflitos e na busca pela unidade na Igreja. Desde as épocas mais remotas, vemos o Senhor Deus agindo e confirmando os demais por meio dos sucessores da chamada Sé Apostólica. Um dos grandes expoentes se deu no já mencionado Clemente I, o qual se destacou ao apaziguar uma rebelião na Igreja em Corinto. No começo desse artigo, eu trouxe aqui a citação de Santo Irineu de Lyon em favor das virtudes e da autoridade de São Clemente de Roma, que usou de seu chamado para trazer a paz à Igreja do Senhor. Santo Irineu o menciona como herdeiro do episcopado de São Pedro, ao fazer seu apelo á sucessão de bispos de Roma contra os hereges:
Clemente foi designado para o bispado […] No seu tempo, houve uma não pequena dissensão entre os irmãos de Corinto, e então a Igreja em Roma enviou uma carta muito poderosa aos coríntios, exortando-os à paz, renovando sua fé e declarando a tradição que havia recebido recentemente dos apóstolos… Adv. Haer. 3:3:3
Leia:
PAPA CLEMENTE I
Veja que São Clemente aponta para o episcopado como uma provisão e uma herança divina, isto é, sua autoridade fora constituída pelo próprio Deus ao fundar a Igreja:
Devido às súbitas e repetidas calamidades e infortúnios que nos aconteceram, devemos reconhecer que demoramos um pouco em voltar nossa atenção para os assuntos em disputa entre vós, amados; e especialmente aquela abominável e profana sedição, estranha aos eleitos de Deus, que alguns imprudentes e obstinados inflamaram a tal nível de loucura que seu venerável e ilustre nome, digno de ser amado por todos os homens, foi grandemente difamado… Aceite nosso conselho e não terão nada do que se arrepender… Se alguém desobedecer às coisas que foram ditas por ele [Deus] através de nós [isto é, que você deve restabelecer seus líderes], que estejam cientes de que eles se envolverão em transgressão e em grande perigo… Tu nos darás gozo e alegria se, obedecendo às coisas que escrevemos por meio do Espírito Santo, e desarraigarás a perversa paixão do ciúme.
Carta aos Coríntios 1, 58–59, 63, ano 80 d.C.
O PASTOR DE HERMAS
A autoridade de Clemente fora reconhecida em sua época pelos coríntios, mas tal vocação não deixou de reconhecida por outros, e até enfatizada como um dever, como ocorre na citação a seguir do pastor de Hermas. É evidente a partir de tais dados que se tratava de uma verdade de conhecimento geral o chamado especial de Clemente I:
Portanto, você [Hermas] escreverá dois livrinhos e enviará um a Clemente [o bispo de Roma] e outro a Grapte. Clemente deve então enviá-lo para as cidades no exterior, porque esse é o seu dever.
O Pastor de Hermas 2:4:3, ano 80 d. C.
DIONÍSIO DE CORINTO
É por isso que a autoridade do Papa Clemente é citada por pessoas que enfatizavam o seu dever de enviar cartas ao exterior no livro de Hermas, isto é, fora de sua jurisdição, bem como às igrejas em todas as cidades, como veremos a seguir. Tal encargo era de conhecimento de outras autoridades eclesiásticas e demais bispos da Igreja Católica, os quais, tal como Irineu e Inácio, reconheciam o chamado especial da Sé Apostólica a presidir e confirmar os irmãos, como podemos ver na citação de São Dionísio de Corinto:
Pois desde o princípio é vosso costume fazer o bem a todos os irmãos de várias maneiras e enviar contribuições a muitas igrejas em todas as cidades…Assim aliviando a necessidade dos necessitados, e fazendo provisões para os irmãos nas minas com as doações que você enviou desde o início, vocês romanos mantêm os costumes hereditários dos romanos. Este costume o vosso bem-aventurado Bispo Sotero não só conservou, mas expandiu, fornecendo abundantes mantimentos aos santos e exortando com palavras consoladoras os irmãos do exterior, tal como um pai amoroso consola a seus filhos.
Carta ao Papa Sotero em Eusébio, História da Igreja 4:23:9-10, ano 170 d.C.
III. A autoridade da Igreja de Roma é confirmada por Concílios

CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA I
É possível observar UMA POSIÇÃO DIFERENCIADA (PORTIOR PRINCIPALITAS) em Concílios como o de Constantinopla I:
O bispo de Constantinopla terá o primado de honra depois do bispo de Roma,
porque sua cidade é a Nova Roma”
CONCÍLIO DE ÉFESO
Filipe, presbítero e legado [do Papa Celestino I] disse: ‘Oferecemos nossos agradecimentos ao santo e venerável sínodo, que quando os escritos de nosso santo e bendito papa foram lidos a vocês, os membros sagrados por meio de nossas santas vozes, vos unistes à santa cabeça também por meio de vossas santas aclamações. Pois a vossa bem-aventurança não ignora que a cabeça de toda a fé, a cabeça dos apóstolos, é o bem-aventurado Pedro, o apóstolo. E uma ve que agora, depois de termos sido sacudidos pela tempestade e muito vexados, nossa mediocridade se apresentou, pedimos que vocês ordenem que seja apresentado diante de nós quais coisas foram feitas neste santo sínodo antes de nossa chegada; para que, de acordo com a opinião de nosso abençoado papa e desta presente santa assembleia, também possamos ratificar sua determinação’.
Atos do Concílio, sessão 2, ano 431 d.C.
CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA
O Bispo Paschasinus, o reverendíssimo bispo e legado da Sé Apostólica, colocou-se no meio dos seus colegas [Padres do Concílio] e disse: ‘Recebemos instruções das mãos do mais abençoado e apostólico bispo da cidade romana [Papa Leão I], que é o cabeça de todas as igrejas, cujas instruções afirmam que Dióscoro não deve se assentar na presente assembleia, mas que caso ele tente tomar seu assento, deve ser expulso. Devemos cumprir esta instrução. se agora sua santidade assim ordena, que ele seja expulso ou então vamos embora.
[...]
Paschasinus, reverendo bispo e legado da Sé Apostólica, disse: Já que ele veio, é necessário que lhe sejam feitas objeções. Os mais gloriosos juízes e todo o Senado disseram: De acordo com o que foi dito, que a acusação sob a qual ele se encontra seja feita de forma específica. Lucêncio, o reverendíssimo bispo que ocupava o lugar da Sé Apostólica, disse: Deixe-o dar uma razão para o seu julgamento. Pois ele se comprometeu a condenar alguém sobre quem não tinha jurisdição. E ele ousou realizar um sínodo sem a autoridade da Sé Apostólica [Roma], algo que nunca aconteceu nem pode acontecer. Paschasinus, o reverendíssimo bispo, ocupando o lugar da Sé Apostólica, disse: Não podemos ir contra os decretos do bendito e apostólico bispo [“Papa”], que governa a Sé Apostólica, nem contra os cânones eclesiásticos nem as tradições patrísticas.
[…]
Paschasinus, o reverendíssimo bispo, representando a Sé Apostólica, disse; Flaviano, de abençoada memória, expôs a fé com muita santidade e perfeição. Sua fé e exposição concordam com a epístola do homem mais abençoado e apostólico, o bispo de Roma.
Atos do Concílio, sessão 1, ano 451 d.C.
CONCÍLIO DE SÁRDICA
“Se algum bispo perder o julgamento em algum caso e ainda acreditar que sua causa não seja ruim, mas boa, para que o caso seja reaberto para julgamento, devemos honrar a memória do apóstolo Pedro, mandando aqueles que o julgaram escrever a Júlio, bispo de Roma, de modo que, se parecer conveniente, ele mesmo envie juízes e o julgamento seja refeito pelos bispos de uma província vizinha. Todavia, se ele descobrir que o caso é de tal natureza que a decisão anterior não precisa ser abalada, o que ele decretou será confirmado.
É este o prazer de todos?
O sínodo respondeu: Sim, é o prazer de todos.
Bispo Gaudentius disse: Se parece bom para vocês, é necessário acrescentar a esta decisão cheia de sincera caridade que foi pronunciada, que se algum bispo for deposto pela sentença desses bispos vizinhos, e afirmar que ele tem matéria nova em defesa, um novo bispo não seja estabelecido em sua Sé, a menos que o bispo de Roma julgue e faça um pronunciamento acerca disso.
IV. A Liderança da Igreja de Roma é tida como um Direito Divino
ORÍGENES
“Olhem para o grande fundamento da Igreja [Pedro], a mais sólida das rochas, sobre a qual Cristo construiu a Igreja [Mat. 16:18]. E o que nosso Senhor diz a ele? ‘Ó homem de pouca fé’, diz ele, ‘por que você duvida?’ [Mateus 14:31]”.
Homilias sobre Êxodo 5:4, ano 248 d.C.
SÃO MACÁRIO O GRANDE (EGÍPCIO)
Pois Moisés e Aarão em outro tempo, dado que possuíam o sacerdócio, toleraram muitas coisas. No entanto, o próprio Caifás, que mantinha a Cátedra deles, perseguiu e condenou o Senhor. O Senhor, contudo, considerando o sacerdócio reverentemente, permitiu que isso acontecesse. Do mesmo modo, os profetas foram perseguidos pelo seu povo. Depois disso, Pedro, ao qual a nova Igreja de Cristo e o verdadeiro sacerdócio foram confiados, sucedeu a Moisés.
Homilia XXVI, 23 (PG 34, 690 CD), 300-390 d. C.
SANTO AMBRÓSIO DE MILÃO
Cristo respondeu: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja…” Não poderia ele, então, fortalecer a fé do homem a quem, agindo por sua própria autoridade, deu o reino, a quem chamou de rocha, declarando-o assim o fundamento da Igreja [Mt 16,18]?
Sobre a Fé IV:57, ano 379 d.C.
Vá, portanto, aos meus irmãos – isto é, para aquelas portas eternas, que, assim que vêem Jesus, são abertas. Pedro é uma porta eterna, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão [Mateus 16:18].
PAPA DÂMASO I
Em razão de tal aceitação por parte da Igreja de Cristo, é que o Papa Dâmaso apresentou os motivos por trás de tal portior principalitas, chegando a declarar acerca da posição de sua cátedra por volta do ano 382 o seguinte:
Da mesma forma está decretado… que deveria ser anunciado que… a santa Igreja Romana foi colocada em primeiro plano não pelas decisões sinodais das outras igrejas, mas recebeu o primado pela voz evangélica de nosso Senhor e Salvador, que diz: ‘Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus’ [Mat. 16:18-19]. Além disso, há também a presença do bem-aventurado apóstolo Paulo, ‘o vaso escolhido’, o qual não em oposição, tal como os heresias jabber, mas na mesma data e no mesmo dia foi coroado em morte gloriosa com Pedro na cidade de Roma sofrendo sob o governo de Nero César; e igualmente eles fizeram da sagrada igreja romana acima mencionada especial em Cristo o Senhor e deram-lhe preferência em sua presença e triunfo digno de veneração antes de todas as outras cidades em todo o mundo.
A primeira Sé, portanto, é a de Pedro, o apóstolo, a Sé da Igreja Romana, que não tem mancha nem mácula, ou nada semelhante.
Decreto de Dâmaso 3, ano 382 d.C.
SANTO OPTATO DE MILEVE
Durante o Cisma dos Donatistas, essa mesma reivindicação foi utilizada pelo Bispo Africano Optato de Mileve, da cidade de Milevo na Numídia, o qual defendeu a Santa Igreja no século IV, sendo por isso lembrado em razão de suas obras contra o donatismo. Ele faz uso do mesmo argumento para legitimar a fonte de autoridade da Igreja Católica:
II. Ele prova pela Cathedra Petri [Cátedra de Pedro] que a Cátedra, a qual é a primeira investidura da Igreja, pertence aos católicos, não aos donatistas. Assim provamos que a Igreja Católica é a Igreja que está espalhada por todo o mundo. Devemos agora mencionar seus Adornos, e ver onde estão seus cinco Dotes (que você diz serem seis), no meio das quais a CATHEDRA é a primeira; e, uma vez que o segundo Dote, o qual é o ‘Angelus’, não pode ser acrescentado a menos que um bispo se assente na Cátedra, devemos ver quem foi o primeiro a se assentar na Cátedra e onde ele se sentou. Se você não sabe disso, aprenda. Se sabe, envergonhe-se. A ignorância não pode ser atribuída a você – segue-se que você sabe. Para aquele que sabe, errar é pecado. Para aqueles que não sabem às vezes é possível que sejam perdoados. Você não pode então negar que sabe que primeiro a Pedro na cidade de Roma foi concedida a Cátedra Episcopal, na qual se sentou Pedro, o Cabeça de todos os Apóstolos (por isso foi chamado Cefas), que, nesta única Cátedra, a unidade deve ser preservada por todos, para que os outros Apóstolos não possam reivindicar – cada um para si – o direito de separar as Cátedras, de modo que aquele que estabelecesse uma segunda Cátedra contra a única Cátedra já seria assim um cismático e um pecador. Pois bem, em uma Cathedra, que é a primeira das Investiduras, Pedro foi o primeiro a sentar-se.
Optato de Mileve, Contra os Donatistas 2:2, ano 360-385
PAPA JÚLIO I
O Papa Júlio I foi um dos grandes expoentes na defesa de Santo Atanásio, que havia sido alvo do ódio feroz e do fanatismo dos arianos, que fez com que ele fosse expulso da sede de sua jurisdição. O Papa não somente hospedou o patriarca de Alexandria, defensor da fé que lutou em favor do dogma da Trindade no concílio de Nicéia, como também mandou cartas repreendendo aqueles que acolheram os arianos, mesmo após eles terem sido condenados como hereges. Sendo assim, convocou dois sínodos e com a condenação do semi-arianismo, Atanásio foi reabilitado.
5. Quando as pessoas que vocês, os eusebianos, enviaram com suas cartas, quero dizer Macário, o Presbítero, Martyrius, Hesychius, os Diáconos, chegaram aqui e descobriram que eram incapazes de resistir aos argumentos dos Presbíteros que vieram da parte de Atanásio, mas sendo eles refutados e expostos por todos os lados, eles então me pediram para convocar um Concílio, e escrever para Alexandria ao Bispo Atanásio, e também aos Eusebianos, a fim de que um julgamento justo pudesse ser dado na presença de todas as partes . E eles se comprometeram nesse caso a mover todas as acusações que haviam sido feitas contra Atanásio.
…
7. A heresia dos fanáticos arianos foi condenada e proscrita por todo o corpo de bispos em todos os lugares; mas os bispos Atanásio e Marcelo têm muitos apoiadores que falam e escrevem em seu nome. Recebemos testemunho a favor de Marcelo, que ele resistiu aos defensores das doutrinas arianas no Concílio de Nicéia […] No entanto, sendo essas coisas assim, nós, para sermos precisos, e não mostrando qualquer preconceito em favor de vós, tampouco daqueles que escreveram em nome da outra parte, convidamos os que me escreveram a virem até aqui [Roma]; para que, uma vez que muitos escreveram em seu nome, todas as coisas pudessem ser investigadas em um Concílio, e nenhum dos inocentes fossem condenados, nem os culpados considerados inocentes. Quem, portanto, não pertence ao lado daqueles que desonram os Concílios, senão os homens que imediatamente e de maneira imprudente receberam os arianos que haviam sido condenados por todos, e os quais têm feito isso de forma contrária à decisão dos juízes? A maior parte desses juízes, inclusive, já partiu e está com Cristo; mas alguns deles ainda estão nesta vida de provação e eles ficam indignados ao saber que certas pessoas anularam seu julgamento.
…
25. O julgamento [sobre Atanásio] deveria ter sido feito, não como foi feito, mas de acordo com o cânon eclesiástico. Cabia a todos vocês nos escrever para que a justiça pudesse ser vista como emanando de todos…
26. E por que nada nos foi dito sobre a Igreja dos alexandrinos em particular? Vocês ignoram que o costume tem sido escrever primeiro a nós e depois uma decisão justa seja tomada deste lugar [de Roma]? Se, então, tal suspeita repousasse sobre o bispo de lá [Atanásio de Alexandria], a notificação deveria ter sido escrita para a igreja daqui. Mas agora, depois de terem feito o que quiseram, eles desejam obter nossa concordância, embora nunca o tenhamos condenado. Não são assim as prescrições das constituições de Paulo, não são assim as tradições dos Padres. Esta é outra forma de procedimento e uma prática nova… O que escrevo sobre isso é para o bem comum. Pois aquilo que recebemos do abençoado apóstolo Pedro, estas coisas eu vos anuncio.
Contra os Arianos 5,7, 25 (Carta em nome de Atanásio do Papa Júlio I aos Eusebianos), ano 341 d.C.
HISTORIADOR HERMAS SOZOMENO
Esses acontecimentos foram muito importantes para a história da Igreja, e Sozomeno, que foi um historiador que viveu entre os anos 375 e 447 d. C. escreveu acerca da controvérsia, tal como Eusébio de Cesareia. Ele compilou em grande medida os escritos e registrou o episódio da desavença de Atanásio com os arianos e da intervenção do Papa Júlio I em sua obra História Eclesiástica, Livro III. Veja que ele também cita a lei suscitada como fundamento da reivindicação de Júlio I, a qual declara a necessidade do julgamento do Bispo de ROMA, sob pena de nulidade caso o contrarie:
Os bispos do Egito, tendo enviado uma declaração por escrito de que essas alegações eram falsas, e Júlio tendo sido informado de que Atanásio estava longe de estar em segurança no Egito, mandou chamá-lo para sua própria cidade. Ele respondeu ao mesmo tempo à carta dos bispos reunidos em Antioquia, pois naquele momento ele havia recebido sua epístola, e os acusou de terem introduzido clandestinamente inovações contrárias aos dogmas do concílio de Nicéia e de terem violado as leis da Igreja, deixando de convidá-lo para participar do Sínodo; posto que alegou que existe um cânon sacerdotal que declara que tudo o que for decretado contrário ao julgamento do bispo de Roma é nulo. Ele também os repreendeu por terem desviado da justiça em todos os seus processos contra Atanásio, tanto em Tiro quanto em Mareotis, e afirmou que os decretos promulgados na antiga cidade haviam sido anulados, por conta da calúnia sobre a mão de Arsênio, e na última cidade, devido à ausência de Atanásio. Por último, [Papa Július I] repreendeu o estilo arrogante da epístola deles.
História Eclesiástica III, 10, ano 443 d. C.
PAPA INOCÊNCIO I
Tal ideia é reiterada diversas vezes na Igreja:
Se os casos de maior importância devem ser ouvidos [em um concílio], eles devem, tal como os decretos sinodais e como o costume feliz exige, após o julgamento episcopal, serem encaminhados à Sé Apostólica.
Cartas 2: 3: 6, ano 408 d.C.
Na busca pelas coisas de Deus… seguindo os exemplos da tradição antiga… você fortaleceu… o vigor de sua religião com verdadeira razão, pois reconheceu que o julgamento deve ser remetido a nós, e mostrou que sabe o que é devido à Sé Apostólica, se todos nós, nesta posição, desejamos seguir o próprio apóstolo [Pedro] de quem emergiu o episcopado e a autoridade total deste nome. Seguindo-o, sabemos condenar os males tanto quanto sabemos aprovar o que é louvável. Ou melhor, guardando com seu ofício sacerdotal aquilo que os Padres instituíram, você não reputou a decisão tomada por eles, não por julgamentos humanos, mas divinos, como algo a ser pisoteado. Eles não consideraram nada como concluído, até que chegasse ao conhecimento desta Sé [Roma], embora fosse assunto de províncias distantes e remotas, com a finalidade de que aquilo que era um pronunciamento justo pudesse ser confirmado pela autoridade desta Sé, e a partir dela fosse por outras igrejas – assim como todas as águas procedem de sua própria fonte nascente e, através das várias regiões do mundo inteiro, permanecem líquidos puros de uma cabeça incorrupta…”
ibid., 29:1
SANTO AGOSTINHO
Já ouvi alguns dizerem que Santo Agostinho NUNCA legitimou a autoridade de Roma como preeminente. Os trechos citados em geral são seus comentários nos quais ele revela que a Rocha sobre qual a Igreja está fundada é Cristo ou seus escritos tratando de questões complexas pertinentes a julgamentos na Igreja antigo. Tais posições não se sustentam, contudo, após uma análise mais aprofundada. Pois esta nos comprova sem sombra de dúvidas que Agostinho valida a autoridade da Igreja a partir da sucessão apostólica, tendo esta como sua fonte primordial a própria vocação de Pedro concedida por Cristo ao chamá-lo para apascentar o rebanho, sendo consolidada na chamada SÉ APOSTÓLICA.

Santo Agostinho, Pintura de Philippe de Champaigne, winkimedia commons
Quando se deparam com declarações dessa natureza vindas do Santo, assumem uma posição mais relativista: Na verdade, dizem, ele não possuía tal intuito ao dizer essas coisas, tampouco queria legitimar a primazia da Sé Apostólica de Pedro, não é bem o que ele queria dizer… O seguinte trecho é utilizado com recorrência: “Bem, suponhamos que os bispos que decidiram o caso em Roma não foram bons juízes; ainda restaria um Concílio plenário da Igreja Universal, no qual esses mesmos juízes poderiam ser julgados; de modo que, se eles fossem condenados por erro, suas decisões poderiam ser revertidas”(Carta 43.14, 16, 19). O problema com esse trecho é que ele está incompleto…
O BISPO DE ROMA É CONVOCADO PELO IMPERADOR A JULGAR UM CASO ENVOLVENDO UM CISMA NA IGREJA
Primeiramente vamos considerar o fato de que Agostinho narra um momento em que a Igreja Católica se encontrava sob forte contenda em razão de um Cisma iniciado por Donato. E que o Bispo chamado até a África para julgar a causa foi o Papa Melquíades, Bispo de Roma, juntamente com os assessores do imperador Constantino. Isso se encontra no Cap. 2: 4:
Cap. 2:4. …eles recorreram a Constantino, que era então imperador, pedindo para nomear bispos com o fim de atuarem como juízes e árbitros sobre a questão que, surgindo na África, perturbava a paz da Igreja. Feito isso, Cecilianus e aqueles que haviam navegado da África para acusá-lo se encontravam presentes, e o caso julgado por Melquíades, que era então bispo de Roma, junto com os assessores que o imperador havia enviado a pedido dos donatistas,….
Em segundo lugar, vamos considerar a maneira como Santo Agostinho tratou a comunhão da Igreja de Cartago com a Igreja de Roma:
Cap. 3: 7. […] na medida em que Cartago era uma cidade grande e famosa, da qual qualquer mal originado ali poderia se espalhar, como da cabeça do corpo, por toda a África. Cartago também estava perto dos países além do mar e distinguia-se por ilustre renome, de modo que tinha um bispo de influência mais do que comum, o qual podia se dar ao luxo de desconsiderar até mesmo um número de inimigos que conspiravam contra ele. Isso pelo fato de que ele se via unido por cartas de comunhão tanto com a Igreja Romana, na qual sempre floresceu a supremacia de uma cátedra apostólica, como com todas as outras terras de onde a própria África recebeu o evangelho, e estava preparada para se defender diante dessas Igrejas se seus adversários tentassem separá-los dele [do evangelho ensinado].
O JUÍZO DE ROMA CONTRA O JUÍZO DOS 70 BISPOS
Agora atentemos para o que ocorreu de fato na África. Aqueles que haviam julgado, e cuja alegação é a reivindicação daqueles que usam tal trecho para dizer que Agostinho ensina que a autoridade de Roma não é importante, fizeram um juízo negligente e inválido, sendo o julgamento realizado pelos 70 bispos anulado pela decisão do Papa ao julgar a questão, posto que a assembleia realizou o concílio de maneira arbitrária:
cap. 3: 6. […] Afirmo que inocentes e ausentes foram condenados por um Concílio, muito numeroso, mas precipitado em suas decisões.
Cap. 5: 14. Se, porém, repudiais os Atos do procônsul, submetei-vos aos Atos da Igreja. Todos eles foram lidos para você em sua ordem.
Talvez você diga que [o Papa] Melquíades, bispo da Igreja Romana, juntamente com os outros bispos de além-mar que agiam como seus colegas, não tinha o direito de usurpar o cargo de juiz em um assunto que já havia sido resolvido por setenta bispos africanos, sobre a quem o bispo de Tigisis como Primaz presidiu. Mas o que você dirá se ele de fato não usurpou tal lugar [de juiz]? Pois ao apelarem ao imperador, ele mesmo enviou bispos para se sentarem com ele como juízes, com autoridade para decidir todo o assunto da maneira que lhes parecesse justa. Isso provamos, tanto pelas petições dos donatistas quanto pelas palavras do próprio imperador, ambas as quais, como você se lembra, foram lidas a você e agora estão acessíveis para serem analisadas ou transcritas por você. Leia e pondere tudo isso. Veja com que cuidado escrupuloso com o fim de garantir a preservação ou a restauração da paz e da unidade tudo foi discutido.
…
Quanto ao fato de haver setenta bispos no Concílio [que condenou Cæcilianus], você se lembra do que foi dito no sentido de alegar contra ele a venerável autoridade de tão grande número. No entanto, esses veneráveis homens resolveram manter seu julgamento livre de questões intermináveis de desesperada complexidade, e assim não se importaram em indagar qual era o número daqueles bispos, ou de onde eles haviam sido reunidos, quando os viram ficarem cegos por tamanha presunção imprudente de pronunciar sentença precipitada sobre seus pares em sua ausência e sem tê-los examinado..
Veja como Santo Agostinho critica a maneira como o concílio se deu, com muitas negligências e diversos problemas com respeito ao procedimento judicial. Mesmo tendo sido julgado por grande número de bispos, a sentença do Papa era a que deveria ser seguida:
E, no entanto, que decisão foi finalmente pronunciada pelo próprio abençoado [Papa] Melquíades; quão justo, quão completo, quão prudente e quão adequado para fazer a paz! Pois ele não presumiu depor de sua própria posição aqueles pares contra os quais nada havia sido provado; e, culpando principalmente Donato, em quem ele havia encontrado a causa de toda a perturbação, ele deu a todos os outros a restauração caso eles quisessem aceitá-la…
Agostinho de Hipona nos deixou o registro da sua confiança na providência divina que fundou a Igreja. O santo assim faz como uma forma de demonstrar a legitimidade da firmeza de seu coração. Declarou: A minha permanência na Casa de Deus é fundamentada no poder de Deus, que milagrosamente sustenta a Igreja. E nisso Agostinho desmonta os apelos dos hereges, convidando os povos a observar a maneira graciosa como a Igreja Católica foi formada, bem como a atentar para a providencial manutenção de sua instituição. Por fim, não muito surpreendente, apontou para a sucessão dos apóstolos, começando da Sé de Pedro, que recebeu a ordem divina.
O consentimento dos povos e nações me mantém na Igreja Católica, a sua autoridade me mantém, inaugurada por milagres, nutrida na esperança, aumentada pela caridade e confirmada pela antiguidade. A sucessão de sacerdotes me mantém, começando desde a própria Sé do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor após sua ressurreição deu a responsabilidade de apascentar as suas ovelhas, até o presente episcopado.
Santo Agostinho, Contra a Epístola dos Maniqueus 4
Veja que alguns argumentam que ele estava atribuindo o poder das chaves à instituição episcopal como um todo, com todas as suas jurisdições, todavia, não é isso que está no texto. Agostinho usa a palavra “Sé” no singular, isto é, a Sé Apostólica, aquela mesma do Apóstolo Pedro em Roma, a quem form enviados os documentos do concílio. Isso é confirmado mais uma vez no seguinte trecho sobre o assunto dos pelagianos:
[…] dois concílios já foram enviados à Sé Apostólica [Roma], vindo de lá também os escritos. O assunto está encerrado; gostaria que o erro também chegasse ao fim!
Isso de modo algum anula a interpretação de que Cristo é a verdadeira Pedra. Veja que quando um católico afirma que a pedra é Cristo e ainda assim assume que também é Pedro, uma verdade não anula a outra, pois na eclesiologia, Pedro é chamado a ser pedra de confirmação da fé e manutenção da unidade na Igreja quando os bispos entrassem em controvérsia. Todavia, o próprio Pedro diz em sua epístola que cada cristão individual é uma pedra no edifício da Igreja. São Pedro, ao dizer isso, não estava negando ser Cristo a Pedra, como alguns sugerem quando os católicos dizem que Pedro é a pedra, mas antes, mantinha ambos os posicionamentos, sem que um contradissesse o outro. Agostinho demonstra essa percepção de vários modos em seus escritos. Veja quando ele cita a compreensão de Pedra como na figura de Pedro dada por seu mestre Ambrósio, em nenhum momento ele lhe refuta o argumento, ou trata como heresia a ideia de que Pedro é a pedra da Igreja:
Na mesma época do meu sacerdócio, escrevi também um livro contra uma carta de Donato, que foi o segundo bispo da seita de Donato em Cartago, depois de Maiorino. Nessa carta, ele diz que o batismo de Cristo consiste apenas na comunhão com ele, ao qual nos opomos neste livro. Em certa passagem, falei a respeito do apóstolo Pedro, que sobre ele, como sobre uma pedra, foi fundada a Igreja. Este sentido é também cantado pela boca de muitos dos versos do beatíssimo Ambrósio, onde fala do canto do galo: “Ele (Pedro), pedra da Igreja / Chora sua culpa ao cantar o galo”.
Mas sei que expliquei depois muitas vezes que o dito pelo Senhor: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, se entendesse sobre aquele que Pedro confessou [Cristo], ao dizer: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”, e assim Pedro, denominado “Pedra”, significaria a pessoa da Igreja que é edificada sobre esta Pedra, e recebeu as chaves do Reino dos Céus. Pois não lhe foi dito: “Tu és pedra”; mas: “Tu és Pedro”. “E essa rocha era Cristo”, a quem Pedro confessou, como é a fé de toda a Igreja, e ele foi chamado Pedro.
Veja que o argumento de Agostinho contra Donato, que dizia que os cristãos deveriam manter comunhão com ele, era justamente que a igreja era fundada em Pedro: falei a respeito do apóstolo Pedro, que sobre ele, como sobre uma pedra, foi fundada a Igreja. E então cita o cântico de Ambrósio, como que dando suporte à sua argumentação: “Ele (Pedro), pedra da Igreja / Chora ua culpa ao cantar o galo”. Santo Ambrósio, de fato, sustenta essa posição sobre Pedro, “a quem chamou de rocha, declarando-o assim o fundamento da Igreja” [Mt 16,18]. E Agostinho, além de não discordar de Ambrósio, também acima havia dito que o assunto chegaria ao fim com a sentença da Sé Apostólica [Roma], e anteriormente mencionou o julgado justo do Papa Melquíades contra a sentença dos 70 bispos africanos. Todas essas coisas demonstram o pensamento de Santo Agostinho com respeito à Sé de Pedro, como ele mesmo declara em outra parte: “O que poderia ser mais claro ou mais manifesto do que o julgamento da Sé Apostólica?” (Contra as Duas Cartas dos Pelagianos II, 6, IV) Ele não só não condenou a interpretação de Ambrósio, mas antes, a via como complementar, pois Cristo é a Pedra, assim como Pedro. Tudo isso é complementar, e não divergente. Esse tipo de abordagem é percebido até mesmo nas Escrituras, pois São Pedro não nega que Cristo é a pedra ao dizer em sua epístola que cada cristão é pedra tamém: “Vós sois pedras vivas” (1 Pe 2: 5), e certamente Agostinho também não nega a Pedra Angular que é o Senhor Jesus Cristo ao afirmar que Pedro sustenta e carrega a Igreja como sua pedra, que a sucessão de bispos da Igreja se mantém começando desde a Sé de Pedro [lembrem-se que Cipriano também disse ser Pedro a fonte/origem do episcopado] e que a ele foi dado o encargo de apascentar as ovelhas de Deus após a ressurreição:
O consentimento dos povos e das nações mantém-me na Igreja; o mesmo acontece com a sua autoridade, inaugurada pelos milagres, alimentada pela esperança, ampliada pelo amor, estabelecida pela idade. A sucessão dos sacerdotes me mantém, desde a própria Sé do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor, depois da sua ressurreição, confiou a responsabilidade de apascentar as suas ovelhas, até ao presente episcopado. E o mesmo acontece, por último, com o próprio nome de católico, que, não sem razão, em meio a tantas heresias, a Igreja assim manteve; de modo que, embora todos os hereges desejem ser chamados de católicos, quando um estranho pergunta onde a Igreja Católica se reúne, nenhum herege se aventurará a apontar para a sua própria capela ou casa.
Santo Agostinho, Contra a Epístola dos Maniqueus 4
2. Pois, se a sucessão linear de bispos deve ser levada em conta, com tão grande certeza e benefício para a Igreja consideramos voltarmos até chegarmos ao próprio Pedro, a quem, como que carregando em figura toda a Igreja, o Senhor disse: Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela! (Mateus 16:18) O sucessor de Pedro foi Lino, e seus sucessores em continuidade ininterrupta foram estes: Clemente, Anacleto, Evaristuo, Alexander, Sixto, Telésforo, Igino, Aniceto, Pio, Sotero, Eleutério, Victor, Zefirinus, Calixto, Urbano, Pontiano, Anthero, Fabiano, Cornélio, Lúcio, Stefânio, Xysto, Dionísio, Felix, Eutychianus, Gaio, Marcelino, Marcelo, Euseébio, Miltíades, Silvestre, Marcus, Júlio, Libério, Damasus e Siricius, cujo sucessor é o atual Bispo Anastácio. Nesta ordem de sucessão não se encontra nenhum bispo donatista. Mas, invertendo o curso natural das coisas, os donatistas enviaram a Roma da África um bispo ordenado, que, colocando-se à frente de alguns africanos na grande metrópole, concedeu alguma notoriedade ao nome de homens da montanha, ou os Cutzupits, por quais eram conhecidos.
3. Ora, ainda que algum traditor tivesse no decurso destes séculos, por inadvertência, obtido um lugar naquela ordem de bispos, indo desde o próprio Pedro até Anastácio, que agora ocupa aquela Sé (Roma) – este fato não prejudicaria a Igreja e os cristãos que não tomam parte na culpa de outro
Santo Agostinho, Carta 53, ano 400 d. C.
V. A Controvérsia entre Cipriano e o Papa Estêvão I
CIPRIANO DE CARTAGO
Cipriano de Cartago é com certeza a menção mais acessada para embasar argumentos de antipapado entre protestantes e outros grupos contrários à ideia de primazia romana. Todavia, vejamos se o próprio santo de fato fornece embasamento àqueles que advogam contra a Sé Petrina, a qual ele chama de fonte da Unidade Sacerdotal da Igreja.
O Senhor fala a Pedro, dizendo: Digo-te que tu és Pedro; e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E dar-vos-ei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado também no céu e tudo o que desligares na terra será desligado no céu. E novamente para o mesmo declara, depois de sua ressurreição ‘alimenta minhas ovelhas’. E embora a todos os apóstolos, após a sua ressurreição, o Senhor dê igual poder, e diga: ‘Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio; Recebam o Espírito Santo; a quem perdoardes os pecados, eles serão perdoados; e cujos pecados vocês retiverem, eles serão retidos; como diz João 20:21, ainda assim, para estabelecer a unidade, ele organizou por meio de sua autoridade a origem dessa unidade, começando de um só [Pedro]. Certamente o restante dos apóstolos também foram constituídos sendo como Pedro, dotados de uma parceria semelhante tanto de honra quanto de poder; mas o começo procede da unidade […] E esta unidade devemos manter e afirmar firmemente, especialmente aqueles de nós que são bispos que presidem na Igreja, para que também possamos provar que o episcopado é um e que também é indivisível.
Cipriano de Cartago, Sobre a Unidade da Igreja Católica, 4 – 5, ano 210-258 d. C.
Quem não possui esta unidade [que flui de Pedro; cf. acima], não possui a lei de Deus, não possui a fé do Pai e do Filho, não possui a vida e a salvação. Novamente, o Senhor aponta e designa estes mesmos, dizendo: Eles me abandonaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas rotas que não retêm as águas (Jeremias 2:13). Embora não possa haver outro batismo senão um só, eles pensam que podem batizar; embora abandonem a fonte da vida, prometem a graça da água viva e salvífica.
ibid, 10-11
SE APOIAR EM CIPRIANO É ILÓGICO SE VOCÊ NÃO PERTENCE A UMA IGREJA EPISCOPAL COM SUCESSÃO APOSTÓLICA
Além de Cipriano de Cartago (210-258) demonstrar condescendência com aquilo que os apologistas antipapado mais desprezam, pois consideram heresia a ideia de que um lugar especial fora concedido à sé romana, o santo apresenta ainda o argumento de que qualquer um que esteja contra a unidade episcopal está na verdade FORA DA IGREJA DE CRISTO. Unidade esta que flui de Pedro [Sé romana]. Segundo Cipriano. É um tiro no pé para os que buscam sua esperança de refutação do papado em Cipriano. Porque em geral essas pessoas que advogam contra o papado NÃO mantêm essa unidade, e é evidente que elas gostariam menos que Cipriano estivesse certo do que que o Papa Estêvão I estivesse… Se houver interesse, leia sobre a Infalibilidade Papal aqui.
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De fato, Cipriano argumenta em favor do rebatismo DAQUELES QUE ERAM BATIZADOS FORA DO EPISCOPAD VISÍVEL, FORA DA IGREJA CATÓLICA (afirmando ser falso o batismo administrado na seita que não tem comunhão com a hierarquia de sucessores dos apóstolos e fora do episcopado), pelo fato de que os hereges não possuíam o Espírito Santo, segundo S. Cipriano, posto que eles não mantinham a UNIDADE QUE FLUI DE PEDRO. Ele até declara: “ainda assim, para estabelecer a unidade, ele [Cristo] organizou por sua autoridade a origem dessa unidade, começando de um só [Pedro]. Certamente o restante dos apóstolos também foram constituídos sendo como Pedro, dotados de uma parceria semelhante tanto de honra quanto de poder; mas o começo procede da unidade […] Aquele que não mantém esta unidade da Igreja pensa que mantém a fé? Aquele que se opõe e resiste à Igreja confia que está na Igreja?
Sobre o tema da origem e da fonte do espiscopado ser Pedro,
é possível ler mais aqui.
Cristo dando as Chaves a Pedro
De Pietro Perugino
A verdade é que para o católico, a oposição de Cipriano ao Papa de sua época não indica que ele se opunha ao Papado em si, mas só indica que, ao se opôr ao posicionamento de Estêvão naquela controvérsia específica, ele se colocou numa situação de desobediência à autoridade constituída, na qual ele confessava crer e que a posição do Papa mais uma vez estava certa sobre o tema, o que reforça a doutrina caólica de que a Sé romana possui a posição oficial de comando. Além disso, apoiar-se em Cipriano sem pertencer a uma Igreja apostólica é invalidar a própria legitimidade como cristão, sobretudo se alguém está advogando em favor de UM CRISTIANISMO SEM SUBMISSÃO À AUTORIDADE VISÍVEL EPISCOPAL COM SUCESSÃO APOSTÓLICA, o que geralmente é o que acontece com muitos protestantes que usam Cipriano, por exemplo. O fato é que ninguém pode apagar suas palavras fortes acerca da Sé de Roma, embora ele não concordasse com naquele momento com Estêvão sobre o tema específico do batismo:
Com um falso bispo nomeado por hereges, eles ousam até mesmo zarpar e levar cartas de cismáticos e blasfemadores para a cátedra de Pedro e para a igreja principal [em Roma], na qual a unidade sacerdotal tem sua fonte. E não considerando que os tais são os romanos, cuja fé foi louvada na pregação do apóstolo, e a quem a infidelidade não poderia ter acesso”.
(Epístola 54:14, ano 258 d C.)
Se você é católico, então está familiarizado com uma doutrina chamada “Sedevacantismo”. segundo a qual a Sé Petrina está vacante. Veja, essa corrente não nega o Papado. Eles creem que o Papa possui a primazia e que sua autoridade é proeminente sobre os demais bispos. O que eles sustentam é que não tem havido Papas desde certo período da história. Também há muitos católicos tradicionalistas que tecem duras críticas ao Papa atual, Francisco, sem, contudo, negar o Papado e suas atribuições divinamente estabelecidas. Isso prova que não é impossível que alguém defenda o Papado ao mesmo tempo em que em determinada circunstância se veja discordando e até desobedecendo o Papa.
A RESISTÊNCIA À AUTORIDADE
Isso nos leva a outro ponto, que alguém pode responder: “Mas Cirpriano prova que havia resistência ao Papa!”
E a resposta é: “Ele não precisava provar, pois a questão da Páscoa e a disputa com Vítor já havia provado! Além de correntes tradicionalistas e sedevacantistas já devidamente apontarem para essa verdade atualmente”.
Sempre houve resistência ao Bispo de Roma, e sempre haverá, muito embora a crença na sua preeminência e na manutenção da unidade da fé fluindo a partir dele se mantenha entre os fiéis e na própria história da Igreja e em seus concílios. E além do mais… Resistência a uma autoridade NÃO configura a ilegitimidade da autoridade, mas sim sua confirmação. De fato, usando as palavras de John Henry Newman, “toda autoridade conduz necessariamente à resistência” (NEWMAN, Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina, 2020, p. 52). Se a posição do Papa Vítor fosse irrelevante, não haveria motivos para Irineu dissuadi-lo de sua decisão de excomungar as Igrejas na Ásia… Já que ele era minoria e, portanto, seu voto não configurava óbice. Se sua posição, contudo, era superior [não igual] à dos demais, então de fato faz sentido o apelo de Santo Irineu para que ele mudasse de ideia. Os demais bispos não concordavam com a excomunhão, e em número possuíam mais peso do que um único bispo romano. Semelhantemente, se a posição de Papa Estêvão I fosse irrelevante, não poderia ele ter condenado, através de suas Cartas, os Decretos do Concílio Africano sobre o Batismo dos Hereges no qual Cipriano presidiu.
FIRMILIANO
Veja que assim como Cipriano e Irineu, Firmiliano também critica as ações do Papa Estêvão, sem, no entanto, negar as atribuições e competências do cargo ocupado por ele. Firmiliano chega até mesmo a afirmar que a atitude de Estêvão em validar o batismo dos hereges INTRODUZ OUTRAS PEDRAS ALÉM DAQUELA SOBRE A QUAL A IGREJA ESTÁ ASSENTADA, PEDRO, E DA QUAL O PAPA SE GABA DE TER SUA AUTORIDADE EMANADA DELA.
Estou indignado com o manifesto desvario do [Papa] Estêvão … o qual se gaba do lugar de seu episcopado, e afirma que ele detém a sucessão de Pedro, sobre quem foram lançados os fundamentos da Igreja [Mateus 16:18]… mas introduz muitas outras pedras e estabelece novos edifícios de variadas igrejas; sustentando que há batismo neles [entre os hereges fora da Igreja Católica] por meio de sua autoridade. Pois os que são batizados, sem dúvida, preenchem o número da Igreja. Mas aquele que aprova o batismo deles afirma, dos batizados, que a Igreja também está com eles. Ele também não entende que a verdade da pedra cristã é ofuscada e, em certa medida, abolida por ele quando ele trai e abandona a Unidade. O apóstolo reconhece que os judeus, embora cegos pela ignorância e presos pela maldade mais grosseira, ainda têm zelo por Deus. Estêvão, que anuncia que detém por sucessão o trono de Pedro, é movido sem zelo contra os hereges, quando ele concede a eles, não um poder moderado, mas o maior poder da graça: o que é equivalente a dizer e afirmar que, pelo sacramento do batismo, a sujeira do velho homem é lavada por eles [pelos hereges], que os tais perdoam os antigos pecados mortais, que eles fazem filhos de Deus pela regeneração celestial e renovam para a vida eterna pela santificação da camada divina.
Coletado nas Cartas de Cipriano 74[75]:17, ano 253 d.C.
VI. Mais Testemunhos sobre a primazia da Igreja em Roma
OS MÁRTIRES DE LYON
E quando surgiu uma dissensão sobre essas ditas pessoas [os montanistas], os irmãos na Gália mais uma vez … [mandaram cartas] aos irmãos na Ásia e na Frígia e, além disso, a Eleutério, que era então [ano 175 d. C.] bispo dos romanos, negociando a paz das igrejas.
Eusébio, História da Igreja 5:3:4, ano 312 d.C.
E os mesmos mártires também elogiaram Irineu, já naquela época [ano 175 d. C.] presbítero da comunidade de Lião, ao dito bispo de Roma, prestando abundante testemunho ao homem, como mostram as seguintes expressões: ‘Uma vez mais e sempre oramos para que você possa se alegrar em Deus, Eleutério. Esta carta nós incumbimos nosso irmão e companheiro Irineu de transmitir a você, e nós imploramos que você o receba como zeloso pela aliança de Cristo.
ibid., 5:4:1-2.
SÃO JERÔNIMO
Não sigo a nenhum líder além de Cristo e não me uno em comunhão com ninguém além de sua bem-aventurança [Papa Dâmaso I], isto é, com a cátedra de Pedro. Eu sei que esta é a rocha sobre a qual a Igreja foi construída. Quem come o Cordeiro fora desta casa é profano. Quem não estiver na arca de Noé perecerá quando o dilúvio vier.
A igreja aqui está dividida em três partes, cada uma ansiosa para se apoderar de mim… Enquanto isso, continuo clamando: ‘Aquele que se une à cátedra de Pedro é aceito por mim!’
ibid., 16:2.
PAPA LEÃO I
Nosso Senhor Jesus Cristo… estabeleceu o culto pertencente à religião divina… Mas o Senhor quis que o sacramento deste dom pertencesse a todos os apóstolos, de modo que pudesse ser encontrado principalmente no bem-aventurado Pedro, o mais sublime de todos os apóstolos. E quis assim que os seus dons fluíssem para todo o corpo a partir do próprio Pedro, como que da cabeça, de tal modo que quem ousasse separar-se da solidariedade de Pedro percebesse que ele próprio já não era partícipe da mistério divino… [Vocês, meus irmãos], devem perceber conosco, é claro, que a Sé Apostólica – por reverência a ela, quero dizer – em inúmeras ocasiões foi informada em consulta por bispos até de sua própria província [Vienne]. E através do apelo de vários casos a esta Sede, as decisões já tomadas foram revogadas ou confirmadas, conforme ditado pelo costume de longa data.
Cartas 10:2–3, ano 445 d.C.
Quanto à resolução dos bispos que for contrária ao decreto de Nicéia, em união com a vossa fiel piedade, declaro-a inválida e anulo-a pela autoridade do santo apóstolo Pedro.
ibid., 110.
Embora os bispos tenham uma dignidade comum, eles não são todos da mesma categoria. Mesmo entre os apóstolos mais abençoados, embora fossem iguais em honra, havia certa distinção de poder. Todos foram iguais por serem escolhidos [para serem apóstolos], mas foi dado a um a preeminência sobre os outros… [Portanto, hoje através dos bispos] o cuidado da Igreja universal convergiria na única Sé de Pedro, e nada deveria estar em desacordo com esta cabeça.
ibid., 14:11.
PEDRO CRISÓLOGO
Exortamos você em todos os aspectos, honrado irmão, a obedecer obedientemente aquilo que foi escrito pelo papa bem-aventurado da cidade de Roma, pois o bem-aventurado Pedro, que vive e preside em sua própria sede, fornece a verdade da fé àqueles que o procuram. Uma vez que nós, em razão de nossa busca por paz e fé, não podemos julgar casos sobre a fé sem o consentimento do bispo de Roma.
Cartas 25:2, ano 449 d.C.
PAPA GREGÓRIO I
Sua dulcíssima santidade, [bispo Eulógio de Alexandria], falou-me muito em sua carta sobre a cadeira de São Pedro, principal dos apóstolos, dizendo que ele próprio agora se senta nela nas pessoas de seus sucessores… E, embora a honra especial para mim de modo algum me deleite… quem pode ignorar que a santa Igreja se firmou na solidez do príncipe dos apóstolos, que derivou seu nome da firmeza de sua mente, de modo a ser Pedro chamado petra?
Cartas 40, ano 597 d.C
DECRETO GELASIANO
A santa Igreja romana fé é dado o primeiro lugar sobre as demais igrejas, não por decisões conciliares, mas obteve seu primado pela voz do Senhor e nosso Salvador.
Decreto Gelasiano, Primazia da Igreja romana, ano 496 d. C.
CONCLUSÃO
São muitas as controvérsias envolvendo o papado, e isso decorre do fato de a Igreja ser constituída de uma parte humana e falha. Sendo assim, os opositores da Igreja sempre tratarão de apresentar seus problemas e mazelas ao mundo, buscando com isso suscitar a ideia de que a Igreja caiu e foi abandonada por Deus ou que o abandonou. Todavia, a promessa do Senhor, a despeito das fraquezas da Igreja, segue firme e há também bons materiais por aí mostrando a providência divina constante em seu percurso. Basta procurar. Espero que as fontes apresentadas aqui auxiliem no seu estudo acerca do tema. O papado possui sim uma base sólida e bem enraizada na história da Cristandade, ainda que nos cause certo desconforto muitas vezes. Belarmino trata tais desconfortos e acidentes no caminho idenficando-os com uma característica da pedra que é assentada em Sião. Esses meios de tropeço existem, porque a pedra do Papado é tanto Cristo como Pedro, ou seja, tem vigor e a graça sustentando seu mistério e carisma, posto que a Divindade a assiste, mas a pedra também é o pequeno e fraco Pedro, humanamente medroso e que em dado momento negou seu Mestre. Logo, é uma pedra que confirma seus irmãos pela promessa, mas também que serve de escândalo e de tropeço para outros pela sua fraqueza. Deus abençoe a todos.
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REFERÊNCIAS
Site CATHOLIC ANSWERS
Site CHRISTIAN CLASSICS ETHEREAL LIBRARY
Site THE NATIONAL INSTITUTE FOR NEWMAN STUDIES
Foto de Coronel Gonorrea na Unsplash




