São Paulo traça comentários muito fortes que nos últimos tempos têm suscitado debates com respeito às mulheres não falarem na igreja. O entendimento do Magistério da Igreja Católica com respeito a isso foi exposto pela Congregação para a Doutrina da Fé. A instrução Inter Insigniores foi por isso publicada em 1976, para tratar sobre a ordenação de mulheres, coisa que negou categoricamente (veja aqui). Ao ponderar sobre o ponto no qual o Apóstolo Paulo fala do silêncio das mulheres, a Igreja assumiu uma postura reflexiva e conciliadora, apesar de firme em seus princípios inalienáveis. Primeiro, a Igreja entendeu que as instruções paulinas sobre este tema são de natureza diferente das normas culturais e transitórias, tais como o uso do véu. Trata-se, pois, de uma norma de natureza divina, porque segue a ordem da criação. Ou seja, uma mulher não tem a prerrogativa de revestir-se de autoridade para, em nome da Igreja, ensinar os fiéis leigos no lugar do sacerdote na Missa.
Importa acentuar, porém, que essas disposições paulinas, provavelmente inspiradas pelos usos de tempo, quase não abrangem senão práticas disciplinares de pouca importância, como por exemplo a obrigação imposta às mulheres de usarem o véu na cabeça (cfr. 1 Cor. 11, 2-16); tais exigências hoje já não têm valor normativo. No entanto, a proibição do Apóstolo de as mulheres falarem nas assembleias (1 Cor 14,34-35; 1 Ti, 2,12) é de natureza diferente, e os exegetas definem seu significado desta forma: Paulo de forma alguma se opõe ao direito, que em outro lugar ele reconhece como possuído por mulheres, de profetizar na assembleia (1 Cor 11:5); a proibição diz respeito apenas à função oficial de ensinar na assembleia cristã.
Sendo assim, uma vez estabelecida a maneira correta de interpretar, tendo em vista os variados fatores e as informações presentes nas próprias cartas de São Paulo, em outros trechos da Escritura e em fontes diversas que serviram para a análise, a Igreja também entendeu que o apóstolo não estava se opondo ao direito que fora reconhecido anteriormente por ele, como pertencente às muheres, de profetizar na assembleia. A postura do apóstolo quanto à proibição feminina se deu em decorrência de seu desejo de evitar que as mulheres adotassem funções oficiais de ensino que são próprias dos bispos ordenados e presbíteros. Nisso há uma compreensão teológica não cultural ou passageira, sendo baseada na ordem da criação. Basicamente, há limites na expressão feminina dentro da Igreja, mas ainda assim, o Magistério sustenta que Paulo não está se opondo às mulheres se expressarem absolutamente, direito este que tem um variado leque de possibilidades e que foi exercido por diferentes mulheres no decorrer da história cristã, da qual elas sempre participaram ativamente e abundantemente. Há inúmeras fontes a comprovar isso, inclusive as Escrituras. As mulheres sempre tiveram importante participação no progresso do reino, como o Papa Bento XVI admitiu em entrevista. Bento XVI também cita, ao mencionar o assunto, essa questão aparentemente contraditória na comunidade cristã primitiva:
O Apóstolo admite como algo normal que na comunidade cristã a mulher possa “profetizar” (1 Cor 11, 5), isto é, pronunciar-se abertamente sob a influência do Espírito, contanto que isto seja para a edificação da comunidade e feito de modo digno. Portanto, a sucessiva, bem conhecida, exortação para que «”as mulheres estejam caladas nas assembleias” » (1 Cor 14, 34) deve ser antes relativizada. Deixemos aos exegetas o consequente problema, muito discutido, da relação entre a primeira frase – as mulheres podem profetizar nas Igrejas – e a outra frase – não podem falar; ou seja, a relação entre estas duas instruções aparentemente contraditórias.
Papa Bento XVI, Audiência Geral, 14 de fevereiro de 2007
Por conta disso, uma vez que, mesmo na época de São Paulo, havia mulheres como Priscila, que claramente possuíam dons de sabedoria na comunidade em que vivia, tendo ajudado a evangelizar Apolo de Alexandria, que se tornaria um grande pregador e uma das figuras mais eminentes da Igreja Primitiva; bem como também Síntique e Evódia (Filipenses 4:2-3), que eram mulheres cooperadoras das missões do apóstolo, tendo sido recordadas de suas virtudes por ele quando elas chegaram a uma desavença pessoal, a Igreja levou em consideração todo o contexto e as próprias instruções paulinas, nas quais ele cita mulheres que no texto bíblico levantavam as vozes e expunham as profecias vindas de Deus no meio da assembleia dos fiéis e não eram impedidas disso, ao mesmo tempo em que recorda a norma com respeito à necessidade de a autoridade oficial na Assembleia ser exercida sempre por um homem. As mulheres não eram, portanto, absolutamente proibidas de falar ou de participar ativamente na Igreja Primitiva, contudo, elas deveriam saber como se portar na Congregação com reverência, humildade e discrição, respeitando a ordem estabelecida por Deus. Há um artigo chamado “Should Women Keep Silence in Church?” do apologista norte-americano Jimmy Akin sobre esse ponto, no qual diz:
A Igreja entendeu que certas funções oficiais de ensino, tais como a homilia, devem ser reservadas para aqueles que receberam o sacramento da ordem sagrada. Na liturgia, a homilia conta como uma delas. Fora da liturgia, também estão nesta categoria os atos do Magistério, pois somente os bispos podem exercer o Magistério da Igreja. As mulheres podem hoje ensinar em outras funções na Igreja. Elas podem ser qualquer coisa, desde professoras de Catequese a professoras de Teologia [mas não podem dar a homilia na Missa]. E mesmo no primeiro século, as mulheres – incluindo as mulheres que Paulo conhecia – podiam ensinar em funções não litúrgicas e não magisteriais. Por exemplo, Priscila ajudou a dar instruções particulares ao evangelista Apolo com respeito ao verdadeiro papel de Jesus (Atos 18:26). De fato, Priscila parece ter assumido o papel principal, já que é mencionada antes de seu marido, Áquila, na passagem […] É possível que a maneira precisa de enquadrarmos o que São Paulo diz com respeito ao papel da mulher na Igreja caia na categoria “difícil de entender”, mas podemos fazer a abordagem do texto reconhecendo a igualdade fundamental dos sexos que São Paulo enfatiza (Gl 3,28) e o fato de que a declaração que ele faz sobre as mulheres ficarem em silêncio na igreja não requer aquilo que pensaríamos caso a passagem fosse tomada isoladamente.
A participação das mulheres na Igreja tem se tornado um tema polêmico em nossos dias em razão de movimentos sociais e ideológicos como o feminismo, todavia, o Cristianismo sempre deu voz e espaço às mulheres, mesmo em uma época remota em que a sociedade civil as maltratava e as tratava como cidadãs inferiores e de segunda categoria. Isso ocorria na época apostólica também, por exemplo quando elas se manifestavam na Igreja para profetizar, conforme o próprio São Paulo, porque Jesus reconheceu o valor das mulheres e mostrou-lhes que elas eram importantes e que tinham dignidade. Todavia, ainda assim a recomendação permanece na proibição de mulheres assumirem funções oficiais de ensino na Missa. Isso não pode ocorrer porque, no rito litúrgico, o ensino, apresentado na figura da Homilia, é inseparável da função pastoral oficial. Tal abordagem se dá porque a Igreja mantém a natureza doutrinária das prescrições de Paulo pelo fato de elas estarem ancoradas no desígnio da criação (1 Cor 11,7; Gn 2,18-24), não sendo culturais ou passageiras, como alguns sugerem. Contudo, ainda assim, o apóstolo declarou uma igualdade de valor entre homem e mulher (Gl 3,28), ainda que tendo funções diferentes, e mencionou momentos em que mulheres profetisas falavam abertamente na congregação e participavam de seu ministério com forte presença e ativa voz.
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