CRER QUE MARIA NUNCA PECOU e QUE FOI ASSUNTA AO CÉU A TORNA IGUAL A DEUS?

Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro

INTRODUÇÃO

 

Muitos afirmam que se Maria não tivesse pecado, ela seria igual a Deus. Isso é absolutamente ridículo, pois sugere que a única forma de alguém não pecar é sendo DEUS ou igual a Ele. Logo, anula a possibilidade dos santos no céu ou na ressurreição viverem em perfeita justiça, livres do pecado, ou mesmo dos Anjos manterem sua fidelidade a Deus, coisa que a Bíblia apregoa. Dessa maneira, devemos entender de uma vez por todas que pecar NÃO constitui uma necessidade da criatura, tampouco um atributo divino. Sim, de fato é uma possibilidade da criatura que não é possível ao Criador, em razão de Sua imutabilidade, mas não consiste em uma necessidade. Ainda assim, muitos fazem uso de textos bíblicos com o intuito de alegar a impossibilidade de alguém nunca pecar, como por exemplo, temos as passagens seguintes:

 

Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer- se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.

Hebreus 4: 15

 

E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.

Mateus 19:17

 

Disse então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus. E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Os seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá pois salvar-se? E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível.

Mateus 19:23-26

 

[…] pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.

Romanos 3: 23

 

Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.

1 João 1: 8-10.

 

SOMENTE DEUS NUNCA PECOU?

 

Em um primeiro momento, sem ponderarmos com profundade, de fato faz sentido considerar que se Maria nunca pecasse, estaria ela no mesmo nível de Deus, já que seria, como diz o primeiro texto, “boa”, e não há ninguém bom senão Deus. Contudo, como foi muito bem lembrado antes na introdução, há uma série de problemas com esse entendimento que se considerados de maneira séria não podem manter tal interpretação intacta. Exemplo: Os anjos que não seguiram Satanás nunca pecaram, portanto, considerando que nunca pecaram e que são bons, seriam eles iguais a DEUS? Acho que ninguém diria isso.

 

Pecados

 

Então podemos compreender que NUNCA PECAR NÃO É ALGO SOMENTE REALIZADO POR DEUS, pois eles (os anjos bons) nunca pecaram. “Ah, mas e quanto aos homens?! Aos homens, isto é, aos filhos de Adão, é isso impossível”, diz alguém. Tudo bem, mas você deve levar em conta algo: no princípio, Deus criou Adão, Eva e os anjos sem pecado. É dito em Gênesis que viu Deus “tudo” quanto cirara e era “tudo” bom. Hoje, de fato, há uma condição semelhante para filhos de Adão: os espíritos dos santos que estão com Deus no céu não têm pecado. Porque pecar não é humano, mas se tornou parte da experiência humana por causa da queda de Adão, já que viver sem pecado sempre foi o fim primordial do homem. Essa finalidade foi resgatada em Cristo, que veio para desfazer as obras do diabo. Alguém então reclama: “mas estamos falando da situação natural adâmica pós-queda, que é decorrente do pecado no mundo, não tendo Cristo interferido. É sobre isso que os trechos falam”. E eu respondo: “EXATAMENTE. Trata-se de uma situação destituída da intervenção de Cristo. Por isso, importa muito aquilo que estamos tratando aqui, pois nos faz perceber que não é impossível que Deus tivesse promovido algo extraordinário numa situação excepcional e por meio de Cristo (de sua interferência), já que essa era a finalidade inicial e original”.

 

Pecados Pessoais e Pecado Orginal

 

 

Agora nos resta considerar os textos que aparentam ser muito fechados. Romanos 3:23 diz que “todos pecaram”, mas a primeira coisa que descobrimos ao analisar a assertiva é que o apóstolo não está falando de pecados pessoais e reais, pois uma criança pequena, isto é, que não tenha alcançado a idade na qual assume consciência para tomar decisões racionais morais, nunca pecou. Ela não tem pecado porque não pode discernir entre o bem e o mal. Senelhantemente, pessoas com deficiência mental, que nunca atingiram tal idade, e na verdade nunca atingirão, também nunca pecaram. Logo, ou São Paulo tomava a humanidade de maneira generalizada em seu comentário, sem considerar possíveis exceções e casos especiais, como o exemplo das crianças e das pessoas com deficiência mental, ou ele falava da situação de culpa imputada do ser humano após a queda de Adão, sem necessariamente dizer que todo ser humano de fato chegaria a pecar comissivamente, isto é, com pecados pessoais, mas que cada um possui a mancha original (todos pecaram em Adão).

 

NEM TODOS COMETERAM PECADOS PESSOAIS

 

  1. Se compreendermos da primeira maneira, é possível perceber que há casos excepcionais não alcançados pelas prescrições gerais bíblicas acima. Ou seja: o versículo não pode ser usado contra a situação de Maria, já que não abarca todos os casos naturais e comuns da vida, ainda mais o caso excepcional de Maria, que é totalmente extraordinário. O mesmo pode ser dito da epístola de João, que é o texto seguinte: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos”, porque nos orienta logo em seguida a confessarmos os pecados para que Deus, sendo fiel e justo, nos perdoe e purifique. Veja que isso demonstra que esse verso também se enquadra no exemplo da interpretação geral de Rm 3:23 da Carta aos Romanos, já que bebês e deficientes mentais não podem confessar pecados que não praticaram.

  2. Se for entendido da segunda maneira como “todos pecaram em Adão“, isto é, todos carregam o pecado original, não necessariamente resultando em estado comissivo, o que confirma que São Paulo não se referia a pecados pessoais e reais, isso indica que é perfeitamente possível crer que Maria não praticou pecado em sua vida, isto é, pecado pessoal real comissivo, seja de natureza venial ou mortal. Ou seja, aqueles que sustentam a posição de que Maria era uma pecadora qualquer não podem fazer uso desse texto como prova. Os orientais, no entanto, creem que pela graça que Deus dispensou a Maria, ela nunca pecou, mas que isso não indica necessariamente que ela tenha sido preservada do pecado original. Ainda assim, nós, católicos, cremos que a razão de ela não ter pecado é que ela foi preservada do pecado original, isto é, sua impecabilidade foi resultado dessa excepcionalidade, o que pode ser explicado através da compreensão católica da extensão da mesma graça divina.

 

CATÓLICOS E ORTODOXOS

 

Não vou me demorar nesse tópico, mas a controvérsia envolvendo os dois grupos pode ser de maneira resumida entendida como: Em que momento a Virgem Maria foi revestida da graça de modo a – segundo o consenso dos católicos e ortodoxos – “vencer qualquer pecado”? Qual é a extensão dessa graça? Essa graça preveniu a mácula no momento da concepção (POSIÇÃO CATÓLICA)? Ou essa graça preveniu seus efeitos após a concepção, dando à Virgem poder para, sem pecado, triunfar sobre a inclinação má (POSIÇÃO ORTODOXA)? Esse é o ponto. Há outros, evidentemente. Mas não vou tratar desse tema. Em ambos os casos, no entanto, tanto para a posição católica romano quanto para a ortodoxa, Maria jamais pecou em palavra ou ato, venial ou mortalmente. Pois Romanos 3: 23 não diz isso.

 

A CIRCUNSTÂNCIA ESPECIAL DE MARIA 

 

Você pode argumentar que não consegue ver como Maria se encaixa no chamado caso excepcional com respeito ao pecado original. No entanto, creio que isso ocorre porque não está vendo “o quadro todo”. Deus é completamente livre para atuar conforme Sua própria vontade em toda circunstância. É possível que alguém deseje medir todas as possíveis ocorrências por sua própria régua, ao mesmo tempo em que traça limites a Deus, usando aquilo que é comum para todo mundo. Circunscrever o modo como Deus deve agir em toda e qualquer situação com base na regra estabelecida é um costume humano. Deus nos deu regras e nós vivemos em torno delas. Quando acordamos sabemos a hora de ir para o trabalho; entendemos como funciona o clima e por isso fazemos previsões meteorológicas com base na regra; observamos as estações para o plantio com base nas regras sazonais; e até fazemos previsões quanto ao mercado financeiro… O comum é registrado e revelado, e se a regra foi registrada, você diz: Deus não poderia criar nenhuma exceção à regra, pois Ele mesmo disse que todos pecaram, então, segue-se que deve obedecer Sua própria regra registrada em cada caso particular. Eu entendo a dificuldade. E mesmo aceitando o que foi explicado acima com respeito à não restrição do verso de romanos aos pecados pessoais reais, o que indica que há sim pessoas no mundo que nunca pecaram de maneira pessoal, ainda assim, é difícil para alguém entender que o caso de Maria é ainda mais especial do que todos os casos excepcionais de pessoas  que nunca incorreram em pecados comissivos. Mas é! Pois Maria é a Mãe de Deus. É fácil dizer que ela não deveria ser um caso único, mas a verdade é que ela é. E seu caso é tão único que nunca aconteceu nada semelhante ao que aconteceu com ela! Quando medimos todas as possíveis situações que podem existir e ocorrer no mundo por meio de nossa própria experiência pessoal, é verdade que somos levados a dizer: “Se isso ocorre comigo, deve ocorrer com outros” e “Se eu peco, Maria também pecou”. Mas trata-se de uma visão limitada, pois nem sempre as coisas acontecem como ditam as regras. E algo que fugiu completamente à regra veio a se concretizar a uma jovem humilde da Galileia: Deus se fez homem no ventre da Virgem Maria. Então o caso dela é sim especial. Para entender quão especial é a situação dela, sugiro o seguinte texto: Como entender o Dogma da Imaculada Conceição.

 

A Assunção e a Ideia de Impecabilidade

 

A Assunção de Maria é a doutrina que afirma que no final do curso de sua vida Maria foi assunta ao céu, em corpo e alma. Assim como a imaculada conceição, isso também é visto por alguns como uma tentativa da Igreja Católica de equiparar Maria a Deus, pois assim, pensam, haveria maior embasamento para dizerem que ela nunca pecou e que nunca morreu.

 

OUTRAS PESSOAS ALÉM DE MARIA FORAM ARREBATADAS PARA O CÉU

 

Bom, a Bíblia diz que Enoque foi arrebatado para Deus, não sofrendo morte física (Gn 5: 24). Em Hebreus 11: 5 é dito claramente que isso ocorreu “para ele não ver a morte”, e em Eclesiástico 44: 16 é revelado que o lugar para onde Enoque foi levado é o próprio paraíso. O mesmo aconteceu com Elias, que foi levado em uma carruagem de fogo (2 Rs 2: 11), e 1 Macabeus 2: 58 também registra que o lugar para onde ele foi arrebatado é o céu. Tal acontecimento foi testemunhado por Eliseu. Além disso, também há uma narrativa citada pela Bíblia na epístola de Judas acerca da assunção do corpo de Moisés para o céu. A Escritura só registra a disputa entre o Arcanjo Miguel e o diabo, quando este tentou impedir que o corpo dele fosse levado pelo Arcanjo (Jd 1: 9). Miguel, ao triunfar sobre satanás, leva para Deus o corpo sem vida de Moisés, o que o difere dos primeiros dois casos, os quais tratam de pessoas que não passaram pela morte física.

 

Ícone de Elias, escola Nizhniy Novhorod (Domínio Público)

 

Alguns dirão: Mas isso não contradiz o Catecismo, que afirma que os justos aguardavam até Jesus descer ao sheol e transportar os mortos de lá? O CIC 637. diz: Cristo morto, na sua alma unida à pessoa divina, desceu à morada dos mortos. E abriu aos justos, que O tinham precedido, as portas do céu. Bom, alguns sugerem que eles foram levados para uma morada diferente, como se fosse uma parte do céu, mas para aqueles que não desejam expecular muito sobre tais mistérios, basta saber que Deus pode fazer o que quiser, e por esse motivo, mesmo havendo a regra de que todos os homens deveriam passar pela morte e que antes da vinda de Jesus aguardassem o Filho do Homem na Mansão dos mortos, esses exemplos parecem sugerir que o próprio Deus deu a tais personagens a honra de serem exceções à regra. Por quê? Porque Ele quis. Quanto à morte da Virgem Maria, como foi demonstrado acima pelos exemplos citados, se ela não tivesse morrido, sabemos com certeza pelos primeiros casos (Enoque e Elias), que isso não a elevaria ao status de deusa, pois a Bíblia registra a ocorrência de casos semelhantes, e nem por isso tais pessoas foram equiparadas a Deus. Ainda assim, a Igreja nunca definiu formalmente se Maria morreu ou não, apesar de o consenso quase unânime declarar que morreu.

 

 

Foto de Levi Meir Clancy Scaled via Unsplash

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Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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