Uma
SANTO EPIFÂNIO
- A Seita dos Antinicomarianos ou Dimoeritas
1,3 Como se tivessem rancor contra a Virgem e desejassem baratear sua reputação, certos Antidicomarianos, inspirados por alguma inveja ou erro e pretendendo manchar as mentes dos homens, ousaram dizer que Santa Maria teve relações com um homem após o nascimento de Cristo, quero dizer, com o próprio José. E como já mencionei, é dito que a afirmação foi feita pelo próprio venerável Apolinário, ou por alguns de seus discípulos.
Contra os Antidicomarianos, Panarion II e III, trad. [Ing.]: Frank Williams, Brill. p. 618.
5,5 Pois ouvi dizer que alguém tem uma nova noção sobre a santa e sempre virgem Maria, e ousa lançar uma suspeita blasfema sobre ela, para que nossa geração seja exatamente como uma serpente perigosa e uma cobra venenosa espreitando em um covil escuro e golpeando a todos com suas mordidas — uma perto do rosto, outra perto do calcanhar, outra perto da mão — para que ninguém possa escapar da mordida da descrença.
[…]
6,1 Por que essa má vontade? Por que tanta impudência? O próprio nome de Maria (isto é, “a Virgem”) não é um testemunho, não te convence, seu encrenqueiro? Quem, e em qual geração, já ousou dizer o nome de Santa Maria e não acrescentar “Virgem” junto a ele quando perguntado? As marcas de excelência mostram-se nos próprios títulos de honra. (2) Pois os justos receberam as honras de seus títulos apropriadamente para cada um e conforme lhes convinha. “Amigo de Deus” foi acrescentado ao nome, “Abraão,” e não será separado. O título, “Israel,” foi concedido a “Jacó” e não será alterado. Para os apóstolos o título, “Boanerges”, ou “filhos do trovão”, foi dado e não será descartado. E Santa Maria recebeu o título de “Virgem”, e ele não será mudado, pois a santa mulher permaneceu imaculada. “A própria natureza não te ensina?” Oh, essa nova loucura, esses novos problemas!
- S. Epifânio dizia que José havia sido um marido para Maria com o intuito de protegê-la
7.1 […] Ele foi chamado de marido por causa da Lei, mas é claramente decorrente da tradição judaica que a Virgem não foi confiada a ele para matrimônio. Foi para a preservação de sua virgindade em testemunho das coisas que viriam — [um testemunho] de que a encarnação de Cristo não foi nada espúria, mas foi verdadeiramente atestada, como sem a semente de um homem, mas verdadeiramente realizada pelo Espírito Santo.
- S. Epifânio considerava a negação da Virgindade perpétua de Maria uma doutrina de demnios e um abandono da fé apostólica
2,2 […] Pois dia após dia somos agora cada vez mais confrontados com a especulação de raciocínios e fantasias humanas, sofísticas em sua natureza e pior, que abandonam a doutrina apostólica, como o santíssimo apóstolo predisse: “Muitos se afastarão da sã doutrina, dando ouvidos a fábulas e doutrinas de demônios”, e assim por diante.
- Ao tratar do destino final da Virgem, quanto à dúvida que havia sobre se ela chegou a morrer ou não, declara:
11.3 Pois não ouso dizer; embora tenha minhas suspeitas, fico calado. Talvez, assim como sua morte não pode ser achada, eu possa encontrar algum vestígio da santa e abençoada Virgem. Em uma passagem, Simeão diz acerca dela: “E uma espada traspassará também a tua própria alma, para que os pensamentos de muitos corações sejam revelados”. E em outro lugar o Apocalipse de João diz: “E o dragão perseguiu a mulher que dera à luz o filho varão, e ela recebeu asas de águia e foi levada para o deserto, para que o dragão não a prendesse”. Talvez isso possa ser aplicado a ela; Não posso decidir com certeza, e não estou dizendo que ela permaneceu imortal. Mas também não estou afirmando que ela morreu.
11.5 Pois a Escritura foi além do entendimento do homem e o deixou em suspenso o mistério com relação ao vaso precioso e escolhido, para que ninguém suspeitasse do comportamento carnal dela. Se ela morreu, não sei; e mesmo se ela chegou a ser sepultada, ela nunca teve relações carnais, que pereça tal pensamento! Quem optará por levantar a voz, movido de insanidade auto-infligida, e lançar uma suspeita blasfema [sobre ela], dar rédea solta à língua, tagarelar com má intenção, inventar insultos em vez de entoar-lhe hinos e glória, quem abusará da Santa Virgem e negará dar honra ao precioso Vaso?
Contra os Antidicomarianos, Panarion II e III, trad. [Ing.]: Frank Williams, Brill. p. 625.
Como os corpos dos santos, no entanto, ela [Maria] foi mantida em honra por seu caráter e compreensão. E se eu dissesse mais alguma coisa em seu louvor, ela é como Elias, que foi virgem desde o ventre de sua mãe, permaneceu assim para sempre e foi levado, não tendo visto a morte. Ela é como João que se recostou no peito do Senhor, “o discípulo a quem Jesus amava”. Ela é como Santa Tecla; e Maria é ainda mais honrada do que ela, por causa da providência que lhe foi concedida.
Mosaico, século XI. Na pintura são representados dois grupos de santos. À esquerda:
Epifânio de Salamina, Clemente de Roma, Gregório, o Teólogo, São Nicolau, o Taumaturgo e o Arquidiácono Estêvão.
[Domínio Público]
SÃO JERÔNIMO
Ainda que a negação da virgindade perpétua fosse contada como heresia pela Igreja na época de Epifânio, o tema foi novamente trazido à tona em 383 dC, quando Jerônimo escreveu um dos mais emblemáticos tratados em defesa da virgindade perpétua de Maria contra Helvídio em Roma, no tempo do papa Dâmaso.
- TRATADO Contra Helvídio
S. Jerônimo não mede as palavras e ele inclusive debocha da tese de seu opositor, como uma ideia ridícula e baseada em fundações fraquíssimas: “Demorei para fazê-lo, não porque fosse tarefa difícil defender a verdade e refutar um ignorante sem cultura, que dificilmente tomou contato com os primeiros graus do saber, mas porque fiquei preocupado em oferecer uma resposta digna, que desmoronasse os seus argumentos”.
- Virgindade Perpétua embasada na Escritura Sagrada
Algo que deve ser levado em conta e de vital importância é o fato de Jerônimo apontar para a Bíblia como fundamento para a virgindade perpétua:
Invoco o Espírito Santo para que Ele possa se expressar através da minha boca e, assim, defenda a virgindade da bem-aventurada Maria. Invoco o Senhor Jesus para que proteja o santíssimo ventre no qual permaneceu por aproximadamente dez meses, sem quaisquer suspeitas de colaboração de natureza sexual. Rogo também a Deus Pai para que demonstre que a mãe de Seu Filho – que se tornou mãe antes de se casar – permaneceu Virgem ainda após o nascimento de seu Filho. Não desejamos entrar no campo da eloquência, nem usar de armadilhas lógicas ou dos subterfúgios de Aristóteles. Usaremos as reais palavras da Escritura;
Tratado de São Jerônimo contra Helvídio cap II [Intro.]
- S. Jerônimo também faz uso da Lógica
Ao responder a Helvídio sobre seu argumento em torno da frase de S. Mateus: “Maria estava prometida a José, antes de coabitarem, encontrou-se grávida pelo Espírito Santo”, Jerônimo argumenta que tal expressão não implica uma necessidade do cometimento do ato:
[…] “ele [Hevídio] continua: ‘o Evangelista jamais usaria tais palavras se eles não viessem a se juntar futuramente, já que não se usa a frase ‘antes de jantar’ se certa pessoa não for jantar’, sinceramente não sei se devo lamentar ou rir. Deveria acusá-lo de ignorância ou de imprudência? […] Se eu preferisse dizer: “o apóstolo Paulo, antes de ir para a Espanha, foi preso em Roma”, ou (como também acho provável) “Helvídio, antes de se arrepender, morreu”; acaso teria Paulo obrigatoriamente estado na Espanha [após a prisão], ou Helvídio se arrependeria após a morte, ainda que a Escritura diga: “No Sheol quem vos dará graças?”
Tratado de São Jerônimo contra Helvídio cap IV
De fato, Jerônimo cita 3 motivos para o casamento de Maria e José:
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[1ª] Pela genealogia de José, Maria possuía parentesco com ele, e a origem de Maria também precisava ser demonstrada;
[2ª] Porque ela não poderia ser enquadrada na Lei de Moisés para ser apedrejada como adúltera;
[3ª] Porque em sua fuga para o Egito ela precisava de segurança, o que poderia ser obtido com a ajuda de um guardião, de preferência um marido.
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E prossegue falando da Provisão divina em resguardar a Honra de Maria:
Quem, naquele tempo, acreditaria na palavra da Virgem, de que teria concebido pelo poder do Espírito Santo, e que o anjo Gabriel lhe teria aparecido para anunciar o propósito de Deus? Todos não a chamariam de adúltera, como fizeram com Suzana? [Dn 13] Ainda nos tempos presentes, quando praticamente toda a terra abraçou a Fé, não vêm os judeus afirmar que as palavras de Isaías: “Eis que a ‘Virgem’ conceberá e dará à luz um filho” são equívocas porque o termo hebraico almah que aparece na frase, significa mulher jovem, enquanto que o termo bethulah, que significa virgem não é usado?
- Os Evangelhos chamam José “Pai” de Jesus no mesmo sentido em que o chamam “esposo” de Maria e empregam o termo “irmãos” de Jesus para seus parentes:
Os Evangelistas chamam José de “pai” e Maria confessa que ele era pai. Não – como já disse antes – que José fosse realmente o pai do Salvador, mas, preservando a reputação de Maria, todos o viam como sendo o pai [de Jesus], pois ouvira a advertência do anjo: “José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa, pois o que nela foi gerado provém do Espírito Santo”, pois pensava em repudiá-la em segredo; tudo isto bem demonstrando que o filho não era dele. Ao dizermos tudo isto, mais com o objetivo de oferecer uma instrução imparcial do que responder a um oponente, mostramos o porquê José era chamado de pai de Nosso Senhor e o porquê Maria era chamada de esposa de José. Isto também responde ao porquê de certas pessoas serem chamadas de “seus irmãos”.
- S. Jerônimo também faz uso do Conhecimento da Língua: “Até que”:
Aqui, antes de mais nada, é absolutamente inútil para o nosso oponente querer demonstrar, de forma tão elaborada, que essas palavras se referem à cópula sexual, especialmente na compreensão intelectual: qualquer um pode negar isso e toda pessoa de bom senso pode imaginar a estupidez da refutação que Helvídio se esforçou por sustentar. Ele quer nos ensinar que o advérbio “até que” implica um tempo fixo e definitivo que, ao se completar, ocorre o evento que até então não se realizara; como neste caso: “e não a conheceu até que deu à luz um filho”. Segundo ele, é claro que ela [Maria] foi conhecida depois, e que apenas aguardara o tempo necessário para o nascimento de seu filho. Para defender sua posição, [Helvídio] amontoa textos e mais textos sem qualquer critério, comportando-se como um gladiador cego que fica movimentando sua espada a esmo, dizendo asneiras com sua língua barulhenta e terminando sem ferir ninguém, a não ser a si próprio […]
- De novo cita a autoridade da Escritura:
[…] com relação à expressão “até que” será completamente refutado pela autoridade da mesma Escritura, pois várias vezes significa um certo tempo sem limitação, como quando Deus diz a certas pessoas pela boca do profeta: “Até à vossa velhice Eu sou o mesmo”; acaso Ele deixará de ser Deus após essas pessoas envelhecerem? E, no Evangelho, o Salvador diz aos Apóstolos: “Estarei convosco até a consumação do mundo”; será que quando chegar o fim dos tempos o Senhor abandonará Seus discípulos e estes, quando estiverem sentados sobre os doze tronos para julgar as doze tribos de Israel, estarão privados da companhia de seu Senhor? Também Paulo, ao escrever aos Coríntios, declara: “[Cada um, porém, na sua ordem:] Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. Então virá o fim quando ele entregar o reino a Deus o Pai, quando houver destruído todo domínio e toda autoridade e todo poder. Pois é necessário que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés”. Certos de que a passagem relata a natureza humana de Nosso Senhor, não temos como negar que as palavras são Daquele que sofreu [morte] na cruz e que mais tarde se sentou à direita [de Deus]. O que Ele quer demonstrar ao dizer que “é necessário que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés”? O Senhor reinará apenas até colocar todos os seus inimigos sob os seus pés e, depois disso, deixará de reinar? É óbvio que seu reino estará começando quando seus inimigos estiverem sob os seus pés. Também Davi, na Quarta Canção da Ascensão, fala assim: “Olhai: assim como os olhos dos servos olha para a mão de seu mestre; assim como os olhos da moça olham para a mão de sua senhora; assim também os nossos olhos olham para o Senhor, nosso Deus, até que tenha misericórdia de nós”. Será então que o profeta, olhando para Deus com o intuito de obter misericórdia, irá desviar seu olhar para o chão assim que obtiver misericórdia? [Certamente que não,] ainda que ele, em algum lugar, diga: “Meus olhos quedam pela tua salvação e pela palavra da tua justiça”. Eu poderia acrescentar inúmeras passagens como estas que, atestam esse uso, e cobriria com uma nuvem de provas a verbosidade do nosso contendente. Porém, acrescentarei mais algumas passagens e deixarei que o leitor descubra outras semelhantes por si mesmo.
E faz referência a um ponto-chave: a língua. “Ele faria bem se prestasse atenção ao idioma da Sagrada Escritura e compreendesse como nós – já que se encontra mergulhado na lama; certas coisas parecem ambíguas quando não claramente declaradas, emboras outras coisas sejam deixadas assim para exercitar o nosso intelecto”. [Ibid.]
- S. Jerônimo lança o argumento: Por que José não deveria tocá-la?
Sabemos que a um homem é lícito tomar sua esposa e conhecê-la [ter relação sexual com ela]. Mas mesmo aqueles que são contrários a essa doutrina da perpetuidade da virgindade, admitem que s. José não teve relações com a Virgem Maria durante sua gestação. Isso não faz sentido, uma vez que o sexo é lícito entre casados e Deus lhe dissera pelo anjo para não temer tomá-la como mulher, não dando qualquer instrução acerca de algum período no qual ele tivesse de evitar isso. Contudo, ele evitou. Por quê? Ora, para ele parecia claro: A singularidade da situação de Maria.
[…] ele (o Evangelista) agiu assim para que tivéssemos a certeza de que ela – de quem José se absteve enquanto havia lugar para dúvidas sobre a importância da visão – não foi conhecida depois de seu parto. Em resumo: o que eu gostaria de saber é por que José teria se privado [de Maria] até o dia de ter ela dado à luz? Helvídio certamente responderia: “Porque ele ouviu o que o anjo disse: ‘pois o que nela foi gerado provém do Espírito Santo'”. Nós, então, responderíamos a seguir que [José] certamente ouviu o que o [anjo] disse: “José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa”. A razão pela qual ele estava proibido de repudiar sua esposa era porque não achava que ela fosse adúltera. Seria então verdade que o [anjo] ordenara que não tivesse relações sexuais com sua esposa?
S. Jerônimo afirmava que a razão de s. José não tocar em Maria mesmo estando casado e ser isso lícito na gravidez era a mesma razão de ele não poder tocá-la depois. O corpo de Maria estaria selado e santificado [separado] pois o Santo fez dela [do seu ventre] um Templo: “Eu diria então: quer Helvídio nos fazer acreditar que José, muito bem inteirado de tamanhas maravilhas, ousaria tocar o templo de Deus, a morada do Espírito Santo, a mãe do seu Senhor?”
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
S. Crisóstomo também defendia a virgindade perpétua de Maria, e expõe tal posição em seu comentário do evangelho de Mateus. Nele, o santo trata do nascimento de Cristo, e embora foque no mistério da encarnação, não chegando a tratar da questão da semper virgo, a menciona como uma questão aceita e não disputada, ao citar uma série de exemplos que envolvem a mística do milagre; como, por exemplo, como o Infinito coube em um útero, carregado como um não nascido por uma mulher em seu ventre; e então indaga: “como uma Virgem dá à luz e continua virgem?”. Óbvio que nunca foi o objetivo tratar dessa questão, mas menciona como mais uma verdade envolvida na obra maravilhosa que Deus realizou em Maria quando Cristo foi concebido em seu ventre: “Portanto, não prossiga, nem exija nada mais do que aquilo que foi dito; tampouco diga: Mas como foi que o Espírito fez isso de uma virgem? Pois se, quando a natureza está em ação, é impossível explicar a maneira da formação [de uma criança]; como [então], quando o Espírito opera milagres, seremos capazes de expressá-los?” E prossegue:
Tampouco pense que você aprendeu tudo, ouvindo do Espírito; não, pois somos ignorantes acerca de muitas coisas, mesmo quando aprendemos sobre isso; Por exemplo, como poderia o Infinito estar em um útero, como Aquele que contém todas as coisas é carregado tal como um não nascido por uma mulher; e como a Virgem dá à luz e continua virgem. Como, eu lhe peço, o Espírito construiu aquele Templo? Como Ele não tirou Ele toda a carne do útero, mas uma parte, e a aumentou, e a modelou? Pois que Ele saiu da carne da Virgem, Ele declarou falando do que foi concebido nela; [Gálatas 4:4] e Paulo, dizendo, que fora feito de uma mulher; pelo que ele fecha a boca daqueles que dizem: Cristo veio entre nós por algum canal. Pois, se assim fosse, que necessidade haveria do ventre? Se foi assim, então Ele não tem nada em comum conosco, mas tal carne é de algum outro tipo, e não da massa da qual nós pertencemos. Como então Ele foi da raiz de Jessé? Como foi Ele um ramo? Como seria Filho do homem? Como Maria era Sua mãe? Como Ele era da semente de Davi? Como ele tomou a forma de um servo? [Filipenses 2:7] como o Verbo se fez carne? [João 1:14]
SANTO AMBRÓSIO
Faz referência à porta de Ezequiel (44,2), ele afirma:
Imitem-na [Maria], santas mães, a qual em seu único Filho muito amado deu tão grande exemplo de virtude material; pois nem vocês têm filhos mais doces [do que Jesus], nem a Virgem buscou o consolo de poder dar à luz outro filho.
Eis a Virgem que concebeu em seu ventre, a Virgem que deu à luz um filho… Ela é a porta do santuário, pela qual ninguém passará, somente o Deus de Israel. Esta porta é a Santíssima Virgem Maria, de quem está escrito: ‘O Senhor passará por Ela’ e será fechada [Ez 44,2] após o parto. Pois ela concebeu como uma Virgem e deu à luz como uma Virgem.
Epist. 42,4 PL, XVI
Que porta é esta senão Maria? Uma porta fechada, porque ela é virgem. Portanto, a porta é Maria, através da qual Cristo entrou neste mundo, nascendo em um parto virginal sem destruir o segredo de sua virgindade.
Ib, VII
Ó Maria, bela porta que permaneceu fechada e nunca se abriu! Cristo passou por esta porta sem abri-la.
S. Ambrósio, Expos. U. II, 7: PL 15, 1555.
Este texto de Santo Ambrósio seria mais tarde citado no Concílio Vaticano II, em Lumen Gentium, 57, na nota de rodapé, para indicar que a Tradição da Igreja sempre acreditou na virgindade de Maria durante o nascimento de Jesus.
57. Esta associação da mãe com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a conceição virginal de Cristo até à Sua morte. Primeiro, quando Maria, tendo partido solicitamente para visitar Isabel, foi por ela chamada bem-aventurada, por causa da fé com que acreditara na salvação prometida, e o precursor exultou no seio de sua mãe (cfr. Luc. 1, 41-45); depois, no nascimento, quando a Mãe de Deus, cheia de alegria, apresentou aos pastores e aos magos o seu Filho primogénito, o qual não só não lesou a sua integridade, mas antes a consagrou (Cfr. Conc. Lateranense em 649, can. 3: Mansi 10, 1151. S. Leão M., Epist. ad. Flav.: PL 54, 759. – Conc. Calcedonense: Mansi 7, 462. – S. Ambrósio, De instit. virg.: PL 16, 320.).
Santo Ambrósio também foi o primeiro a apontar como Maria é um modelo da Igreja na ordem da fé, caridade e união perfeita com Cristo. Esta doutrina também foi usada pelo Concílio Vaticano II em LG, 63. Maria é um modelo da Igreja como Virgem e Mãe.
63. Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada, à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava S. Ambrósio (S. Ambrósio, Expos. U. II, 7: PL 15, 1555.). Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe. Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; Nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rom. 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe.
64. Por sua vez, a Igreja que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, toma-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Batismo, gera, para vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu Esposo e conserva virginalmente, à imitação da Mãe do seu Senhor e por virtude do Espírito Santo, uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma verdadeira caridade (Santo Ambrósio, Expos. Lc. II, 7 e X, 24-25: PL 15, 1555 e 1810. S. Agostinho, In Io. Tr. 13, 12: PL 35, 1499. Cfr. Serm. 191, 2, 3: PL 38, 1010; etc. Cfr. também Ven. Beda, In Lc. Expos. I, cap. 2: PL 92, 330. – Isaac de Stella, Serm. 31: PL 194, 1863 A.).
SANTO AGOSTINHO
O significado de “o Verbo se fez carne” não é que a natureza divina se transformou em carne, mas que a natureza divina assumiu nossa carne. E com carne devemos entender aqui homem, expressão na qual a parte é posta no lugar do todo, como quando se diz: “Pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Romanos 3: 20), isto é, nenhum homem. Pois devemos crer que nada falta àquela natureza humana da qual tomou parte, exceto uma coisa, em razão do fato de ser ela uma natureza totalmente livre da mancha de pecado. Não foi uma natureza concebida entre os dois sexos pela luxúria carnal, que nasce em pecado, e cuja culpa é lavada na regeneração [batismo]; mas, como convém a uma virgem dar à luz, foi a fé de sua mãe, não a luxúria, a condição para a sua concepção. E se ao nascer, a virgindade dela tivesse sido prejudicada, ele não teria nascido de uma virgem; e seria mentira – o que Deus proíbe – que “nasceu da Virgem Maria”[1], como é crido e declarado por toda a Igreja, a qual, imitando sua mãe, diariamente dá à luz os membros de seu corpo, e ainda assim permanece virgem. Leia, por favor, minha carta sobre a virgindade de Maria Santíssima, que enviei àquele ilustre homem, cujo nome menciono com respeito e carinho, Volusianus[2].
Manual da Doutrina Cristã (Enchiridion) 34, ano 420
NOTAS
[1] Conforme é recitado no Credo Apostólico, com o verbo estando no passado “natus ex Maria Virgine” (Nasceu da Virgem Maria), sua mãe é chamada virgem mesmo após o Senhor Jesus vir à luz. “Natus” é o particípio do verbo “nascor” (nascer).
[2] Epístola de Santo Agostinho Nº 137.




