A Imaculada Conceição e a Assunção são inovações pós-Reforma?

Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Uma leitora anglicana apaixonada por Maria descreveu suas preocupações sobre as doutrinas da Imaculada Conceição e da Assunção:

 

Eu aprecio o fato de que a Mariologia fundamenta nossa compreensão da natureza humana de Cristo, e que sem seu consentimento [de Maria] a Encarnação não poderia ter acontecido. Devemos, pois, chamá-la de bendita. Por obediência a esse chamado, dediquei muito tempo e reflexão à devoção mariana. Aprecio que a doutrina se desenvolve ao longo do tempo a partir de princípios embrionários presentes nas escrituras. No entanto, as doutrinas pós-reforma da imaculada concepção e da assunção me intrigam, não porque elas contradizem de forma inerente as escrituras, mas porque não consigo encontrar sua forma embrionária lá. A barreira que isso apresenta à unidade cristã me entristece.

 

Trata-se de uma pergunta razoável, e merece uma resposta direta. É também uma pergunta que tenho certeza de que muitos católicos também já se perguntaram: encontramos uma crença na Imaculada Conceição e na Assunção de Maria, pelo menos em uma forma embrionária, na Igreja primitiva? E a resposta é: Sim e sim. Vamos olhar para cada doutrina por vez.

 

I. A Imaculada Conceição de Maria

 

Esta é a doutrina de que Maria foi preservada do pecado original e atual desde o momento de sua concepção. Já escrevi antes sobre a maneira como as Escrituras descrevem Mariaa apresentando como a Nova Eva , a Arca da Nova Aliança, a Porta do Templo e a construtora do Templo. Todas estas são imagens de pureza e ausência de pecado, e de consagração total a Deus:

 

      • Eva não tinha pecado original nem pecado atual enquanto ainda era chamada de “Mulher”,
      • a Arca e o Templo foram feitos com a melhor matéria que havia e consagrados totalmente ao Senhor, e
      • o construtor do Templo tinha que ter as mãos livres de sangue (razão pela qual Davi não pôde construir o Templo).

 

É também por isso que Maria é uma Virgem: sua Virgindade é um símbolo de sua impecabilidade e de sua devoção inadulterada a Deus. Ontem, falei sobre outra imagem mariana para a qual os primeiros cristãos apontavam: que ela é um Ícone da Igreja, que também é apresentada como uma Virgem, Noiva e Mãe. Os Padres da Igreja imediatamente colhem essas coisas, como já notei antes, no contexto da imagem de Eva. Quando Santo Agostinho expõe a doutrina do pecado original, ele tem o cuidado de isentar a Virgem Maria, e ele não sente nenhuma necessidade de explicar o porquê. Isso se dá porque a Igreja primitiva já sabia que ela era sem pecado. Essa era a crença universal da Igreja, e dificilmente se trataria de um desenvolvimento pós-Reforma, qualquer que seja o tipo. Até Lutero acreditava na impecabilidade de Maria (embora ele fosse contraditório com respeito a se acreditava ou não na Imaculada Conceição). Seria muito mais preciso afirmar que o desenvolvimento pós-Reforma se deu com o protestantismo diminuindo Maria mais e mais. Se você não acredita em mim, leia os escritos imediatamente ateriores à Reforma sobre Maria, e me diga qual Igreja se sentiria confortável em proclamar essas coisas hoje. Naquilo em que havia alguma resistência à doutrina da Imaculada Conceição, antes da Reforma, as discussões giravam em torno de duas questões:

 

(1) a doutrina do pecado original e

(2) o ponto em que a alma entra no corpo.

 

No primeiro deles, você ocasionalmente encontrará aqueles (tal como muitos ortodoxos orientais hoje ) que admitem que Maria nunca pecou, ​​mas acreditam que ela ainda sofreu a mancha do pecado original. Isso levanta questões mais amplas sobre como o Oriente e o Ocidente tendem a entender o pecado original. No segundo caso, você ocasionalmente encontrará aqueles, como Santo Tomás de Aquino, que acreditavam que“a Santíssima Virgem foi santificada antes de seu nascimento do útero”, mas acreditavam que isso ocorreu após a concepção, no momento da “animação”, em que uma alma racional foi infundida em seu corpo. Tudo isso está muito longe do protestantismo por dois motivos. Primeiro, mesmo essas objeções pressupõem o fato de que Maria nunca pecou. Mas, em segundo lugar, os protestantes tendem a concordar com os católicos (em vez de concordar com os ortodoxos) sobre o pecado original, e não acreditam na ideia de “animação” pós-concepção.

 

II. A Assunção de Maria

 

 

Quanto à Assunção, há  passagens que são entendidas como proféticas deste evento. Por exemplo, em João 14:3, Jesus diz sobre a Igreja: “se eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos levarei para mim, para que onde eu estiver estejais vós também”. Se Maria é o ícone da Igreja, como acreditavam os primeiros cristãos, a Assunção é o cumprimento desta promessa. Mas deve-se admitir de antemão que é verdade que a Escritura não registra isso acontecendo, no sentido de descrevê-lo como um evento histórico. Mas faz sentido que tenha sido assim: porque provavelmente ocorreu depois que os Evangelhos e o livro de Atos foram escritos, e certamente estava fora do período de tempo coberto por esses escritos. É verdade que isso se dá também com relação a outros eventos significativos do cristianismo primitivo: a saber, a Destruição de Jerusalém, que foi de enorme impacto para a Igreja, mas que nunca foi descrita (apenas profetizada). Há uma boa chance de que o único Livro do Novo Testamento escrito depois da Assunção tenha sido o Livro do Apocalipse. E no Apocalipse, vemos algo que parece ser Maria, em seu corpo glorificado, entronizada no Céu (Ap 12:1). Não acho que seja preciso eisegese para concluir que a mulher de Apocalipse 12, retratada como a Mãe de Jesus (Ap 12:5), é Maria. Então Apocalipse 12 parece assumir a verdade da Assunção, embora eu certamente possa ver a ambiguidade. Em todo caso, no entanto, não somos crentes no sola Scriptura. Basta dizermos que a Escritura é consistente com a doutrina da Assunção, e que a doutrina é de origem apostólica. Dentro da Igreja primitiva, a Festa da Assunção (ou Dormição ) era celebrada na arte e na Liturgia em várias partes da Igreja global. Novamente, é impossível descartar isso como um desenvolvimento pós-Reforma, porque a Festa é celebrada por católicos ortodoxos e coptas , e não estamos em uma Igreja unificada desde meados dos anos 400.

É possível que os católicos, ortodoxos e coptas estejam todos errados sobre isso? Eu diria que não: alegar que cada uma das partes da antiga Igreja Apostólica está errada equivale simplesmente a cortar a si mesmo dessa Igreja Apostólica.

 

Conclusão

Há um mal-entendido comum quanto a esse ponto em razão do fato de que a Igreja não definiu dogmaticamente as doutrinas da Imaculada Conceição e da Assunção até uma data posterior (1854 e 1950). Mas um exame honesto das evidências mostra claramente que inúmeros cristãos primitivos se apegaram firmemente a esses dogmas. É verdade que, como em toda doutrina cristã, houve divergências ocasionais. A própria razão pela qual é necessário que a Igreja faça um esforço para resolver um tópico específico se dá precisamente porque divergências e confusões surgem de tempos em tempos. Mas a ideia de que essas doutrinas são algum tipo de inovação pós-Reforma é historicamente falsa.

 

 

A Mãe de Deus Trenousa (século XVII-XVIII)

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Joe Heschmeyer

Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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