A Invocação dos Santos no Cristianismo Primitivo

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Quando exprimo que a invocação dos Santos era uma crença rotineira e comum na Ortopraxia da Igreja Apostólica, não tenho receio algum de denotar novamente esta realidade devocional no período pré-niceno. Encontramos vestígios na Antologia dos Santos Padres, em amostras arqueológicas e em documentos conciliares deste hábito, pelo menos, entre os séculos II/III até o séculos procedidos pelo período efesiano adiante.

 

SÃO METÓDIO DE OLIMPO

 

São Metódio de Olimpo (+ 311 d. C), que foi um dos intitulados “Apóstolos dos Eslavos” pelo Fundamentum Traditionis, já acentuou a honra e as petições que podemos ofertar à Mãe dos Céus em sua Exortação Homelética sobre Simeão e Santa Ana:

 

“Salve para sempre, ó virgem mãe de Deus, nossa alegria incessante, pois a você eu volto novamente. Tu és o início da nossa festa; você é seu meio e fim; a pérola de grande valor que pertence ao reino; a gordura de cada vítima, o altar vivo do pão da vida. Salve, tesouro do amor de Deus. Salve, fonte do amor do Filho pelo homem. Salve, monte ofuscante do Espírito Santo. Você brilhava, doce mãe que dá presentes, com a luz do sol; você brilhou com o fogo insuportável de uma caridade fervorosa, trazendo no final aquilo que foi concebido de você antes do começo, tornando manifesto o mistério oculto e indizível, o Filho invisível do Pai – o Príncipe da Paz, que em um maneira maravilhosa mostrou-se como menos que toda pequenez. Portanto, rogamos a vós, a mais excelente entre as mulheres, que se orgulha da confiança de suas honras maternas, que você nos mantenha incessantemente em lembrança. Ó santa mãe de Deus, lembre-se de nós, eu digo, que nos orgulhamos de vós, e que em hinos augustos celebramos a memória, que sempre viverá e nunca desaparecerá. E também, ó honrado e venerável Simeão, primeiro anfitrião de nossa santa religião e mestre da ressurreição dos fiéis, seja nosso patrono e advogado junto ao Deus Salvador, a quem você foi considerado digno de receber em seus braços. Nós, junto com você, cantamos nossos louvores a Cristo, que tem o poder da vida e da morte, dizendo: Tu és a verdadeira Luz, procedente da verdadeira Luz; o verdadeiro Deus, gerado do verdadeiro Deus; o único Senhor, antes de Tua assunção da humanidade; aquele, no entanto, após Tua assunção dele, que será sempre adorado; Deus de Ti mesmo e não pela graça, mas por nossa causa também homem perfeito; em Tua própria natureza o Rei absoluto e soberano, mas para nós e para nossa salvação existindo também na forma de servo. ainda assim imaculadamente e sem contaminação. Pois Tu, que és incorrupção, vieste libertar a corrupção, para que possas tornar todas as coisas incorruptas. Porque Tua é a glória, e o poder, e a grandeza, e a majestade, com o Pai e o Espírito Santo, para sempre. Amém.”

[Oração sobre Simeão e Ana, Índice XIV. traduzido por William R. Clark. Dos Padres Ante-Nicenos, Vol. 6. Editado por Alexander Roberts, James Donaldson e A. Cleveland Coxe. (Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1886.)]

 

Alguns acadêmicos ocidentais, como Edmund Gilbson e Charles Hastings, tentaram obstar a fonte da citação sob a desculpa de que o texto é “espúrio” porque remonta ao século V e apresenta termos incomuns dentro da Cristologia subapostólica, pois o seu autor diz que Cristo é “consubstancial ao pai” (homoousios). O problema desta resistência e revés é desdenhar que já haviam escritos patrísticos ainda no século IV os quais já utilizavam essa terminologia [que mais tarde seria sistematizada pelo Quarto Concílio Ecumênico]. Outro ponto forte é que, mesmo considerando que o valor autoral da Homilia seja mais tardio, o protestantismo confessional ainda teria que afrentar outro problema: as denominações históricas reconhecem a infalibilidade de pelo menos 4 a 6 dos primeiros Concílios Ecumênicos da Igreja. Supondo que a homilia da Oração sobre Simeão e Ana seja datada entre os séculos V a VI, temos que assentir que o texto situa-se no período em que Calcedônia e Éfeso foram promulgados. N’outras palavras, os protestantes devem acatar a autenticidade do texto por coerência interna.

 

SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA

 

Como acabei de tocar no nome do I Concílio Ecumênico de Éfeso, cuja autoridade é reconhecida infalivelmente pela maioria das Confissões de Fé da Reforma Protestante [seja do lado reformado, luterano ou anglicano], cumpre enfatizar que São Cirilo de Alexandria, em seu discurso inaugural do Concílio que proclamou a doutrina da Theotokos, exalta e agradece Nossa Senhora por ter intercedido em proveito da então assembleia convocada pelo Colégio de Bispos:

 

“Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem veio ao mundo o autor da criação e o restaurador das criaturas, o Rei dos céus! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreição! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem luziu o sublime batismo de santidade no Jordão! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem o Jordão e o Batista foram santificados e o demônio foi destronado! Salve, Maria, Mãe de Deus, por quem é salvo todo espírito fiel! Salve, Maria, Mãe de Deus, – pois acalmaste e serenaste os mares para que pudessem nossos irmãos cooperadores e pais e defensores da fé, serem conduzidos, com alegria e júbilo espiritual, a esta assembléia de entusiásticos defensores de tua honra!”

 

Não de forma cáustica e irônica, a Confissão de Augsburgo subscreve a infalibilidade do Quinto Concílio Ecumênico, mas não está disposta a aceitar a saudação mariana e inaugural do Concílio por São Cirilo de Alexandria:

 

“As Escrituras não nos ensinam a invocar os Santos, ou a pedir ajuda aos Santos; pois colocam diante de nós Cristo como o único mediador, propiciatório, sumo sacerdote e intercessor” — Artigo XXI

 

 

 

São João Evangelista, em sua visão beatífica, descreve que um Anjo suplicava e invocava as orações dos Santos diante do trono de Deus:

 

“E veio outro anjo e pôs-se diante do altar, tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito incenso, para que oferecesse as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus. E a fumaça do incenso das orações dos santos subiu diante de Deus pela mão do anjo. (Apoc., viii, 3, 4)

 

SÃO CIPRIANO DE CARTAGO

 

Numa epístola destinada ao Papa Cornélio, São Cipriano de Cartago (+258) registra:

 

“Estejamos mutuamente atentos uns aos outros, oremos sempre uns pelos outros, e se um de nós, pela rapidez da concessão Divina, partir daqui primeiro, deixe nosso amor continuar na presença do Senhor, não deixe a oração pois nossos irmãos e irmãs cessarem na presença da misericórdia do Pai.”

 

SÃO EFRAIM SIRO

 

Santo Efraim, o Sírio (+373) declara:

 

“Lembrem-se de mim, vocês, herdeiros de Deus, vocês, irmãos de Cristo, supliquem fervorosamente ao Salvador por mim, para que eu possa ser libertado, através de Cristo, daquele que luta contra mim dia após dia.

 

“Vós, mártires vitoriosos que suportastes os tormentos com alegria por causa de Deus e Salvador; vós que tendes ousadia no falar para com o próprio Senhor; vós, santos, intercedei por nós que somos homens tímidos e pecadores, cheios de preguiça, para que a graça de Cristo desça sobre nós e ilumine o coração de todos nós para que possamos amá-lo.”

 

SÃO BASÍLIO O GRANDE

 

São Basílio, o Grande, de Cesaréia na Ásia Menor (+379):

 

“De acordo com a fé irrepreensível dos cristãos que obtivemos de Deus, confesso e concordo que acredito em um só Deus, o Pai Todo-Poderoso; Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo; Eu adoro e adoro um Deus, os Três. Confesso a economia do Filho na carne e que a Santa Maria, que O deu à luz segundo a carne, foi Mãe de Deus. Reconheço também os santos apóstolos, profetas e mártires; e eu os invoco à súplica a Deus, para que através deles, isto é, através de sua mediação, o Deus misericordioso seja propício para mim, e que um resgate possa ser feito e me dado pelos meus pecados. Por isso também honro e beijo as características de suas imagens, visto que foram transmitidas pelos santos apóstolos e não são proibidas, mas estão em todas as nossas igrejas.

Suplicamos-vos, ó santíssimos mártires, que sofrestes alegremente os tormentos e a morte por seu amor, e agora estais mais familiarmente unidos a ele, que intercedais junto a Deus por nós pecadores preguiçosos e miseráveis, que ele nos conceda a graça de Cristo, pelo qual podemos ser iluminados e capacitados para amá-lo.[xi]

Ó coro sagrado! Ó banda sagrada! Ó hoste ininterrupta de guerreiros! Ó guardiões comuns da raça humana! Vós, graciosos compartilhadores de nossos cuidados! Vós cooperadores em nossa oração! Intercessores mais poderosos!

 

Homilia litúrgica de São Basílio Magno:

 

“Pelo comando de Teu Filho unigênito nos comunicamos com a memória de Teus santos por cujas orações e súplicas, tenha misericórdia de todos nós e livra-nos por causa do Teu santo nome que é invocado sobre nós.

 

SÃO CIRILO DE JERUSALÉM

 

São Cirilo de Jerusalém (+386), nas Catequeses Mistagógicas:

 

“Comemoramos então também aqueles que adormeceram antes de nós, primeiro, patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, para que Deus, por suas orações e intercessões, possa receber nossas petições.”

 

[O.B.S.: há controvérsias quanto a autoria deste texto, pois as Catequeses Mistagógicas são divididas em cinco livros/seções e parcela delas foram prosseguidas pelo Patriarca São João II, o qual sucedeu São Cirilo no Patriarcado de Jerusalém. Contudo, ainda sob a hipótese de que tenha sido João II o escritor desta quota, o valor subapostólico do seu conteúdo ainda permanece intacto. O Patriarca, além de ter sido muito próximo daquele que foi o seu predecessor, também é do século IV. Era muito comum nos escritos dos Padres da Igreja que os discípulos e sucessores dos autores originais dessem sequencialidade antológica. Se fomos aplicar os mesmos critérios ceticistas contra o fragmento das Catequeses Mistagógicas apenas porque não foi São Cirilo que escreveu, teremos que nos desfazer de quase toda a Antologia patrística.]

 

SÃO GREGÓRIO DE NAZIENZO

 

São Gregório de Nazianzo (+389) requisitando a intercessão de São Cipriano:

 

“Que tu [Cipriano] olhe do alto de forma propícia para nós e guie nossa palavra e vida; e pastorear [ou pastorear comigo] este rebanho sagrado.”

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Este texto pertence a N. 
Por razões referentes à sua vocação franciacana e voto, o autor pediu que não houvesse descrição de sua pessoa, nem nome ou sobrenome.

Foto de Stephanie Klepacki na Unsplash

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Sta Joana d’Arc nasceu através de um compromisso e do desejo de publicar obras notáveis de autores nacionais e estrangeiros, tanto de cunho filosófico e teológico, quanto de matéria infantil, fantástica e ficcional. Além de fazer renascer o espírito de tradições e valores antigos à sociedade como um todo, a publicação de obras que revelem a riqueza de nossa história é a melhor maneira de servir a humanidade.

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Sta Joana d’Arc nasceu através de um compromisso e do desejo de publicar obras notáveis de autores nacionais e estrangeiros, tanto de cunho filosófico e teológico, quanto de matéria infantil, fantástica e ficcional. Além de fazer renascer o espírito de tradições e valores antigos à sociedade como um todo, a publicação de obras que revelem a riqueza de nossa história é a melhor maneira de servir a humanidade.

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