O Papa Francisco respondeu às dúvidas levantadas pelos cardeais. DUBIUM II – A IGREJA PODE ABENÇOAR UNIÕES DO MESMO SEXO?

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O Papa Francisco respondeu às cinco dubia que lhe foram enviadas em julho de 2023 pelos cardeais Walter Brandmüller e Raymond Leo Burke com o apoio de outros três cardeais, Juan Sandoval Íñiguez, Robert Sarah e Joseph Zen Ze-kiun. As perguntas dos cardeais e as respostas do Papa foram publicadas nesta segunda-feira, 2 de outubro, no site do Dicastério para a Doutrina da Fé. O ponto de maior polêmica, e com certeza aquele mais discutido foi com respeito à união entre pessoas do mesmo sexo, tendo sido tratado com mais detalhes aqui (Responsum ad dubium) . Veja adiante, ainda nesse texto, alguns pontos esclarecedores acerca dessa Nota:

 

As palavras iniciais do Papa, antes de começar a responder as perguntas foram estas:

 

“Queridos irmãos, embora nem sempre pareça prudente responder às perguntas que me são dirigidas diretamente, e seria impossível responder a todas, neste caso pareceu apropriado fazê-lo devido à proximidade do Sínodo”.

 

Dubium 1

Dubium 3

Dubium 4

Dubium 5

Dubium 2

 

2) Dubium sobre a afirmação de que a prática difusa de abençoar uniões do mesmo sexo está de acordo com a Revelação e o Magistério (CCC 2357).

 

De acordo com a Revelação Divina, atestada na Sagrada Escritura, que a Igreja, “por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, piedosamente escuta, santamente conserva e fielmente expõe” (Dei Verbum 1O): “No princípio” Deus criou o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou e os abençoou, para que fossem fecundos (cf. Gn 1, 27-28), razão pela qual o apóstolo Paulo ensina que negar a diferença sexual é a consequência de negar o Criador (Rm 1, 24-32). Pergunta-se: pode a Igreja revogar esse “princípio”, considerando-o, em contraste com o que ensina a Veritatis splendor 103, como um mero ideal, e aceitando como “bem possível” situações objetivamente pecaminosas, tais como as uniões entre pessoas do mesmo sexo, sem deixar de respeitar a doutrina revelada?

 

Resposta do Papa Francisco:

 

a) A Igreja tem uma concepção muito clara do matrimônio: união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos.

Somente essa união [entre um homem e uma mulher] pode ser chamada de “matrimônio”. Outras formas de união o fazem apenas “de maneira parcial e analógica” (Amoris Laetitia 292), razão pela qual não podem ser chamadas de “matrimônio” em sentido estrito.

b) Não se trata apenas de uma questão de nomes, mas a realidade que chamamos de matrimônio tem uma constituição essencial única que requer um nome exclusivo, não aplicável a outras realidades. Sem dúvida é muito mais que um mero “ideal”.

c) Por esse motivo, a Igreja evita qualquer tipo de rito ou sacramental que possa contradizer essa convicção e levar a entender que se reconheça como matrimônio algo que na verdade não é.

d) Todavia, em nosso relacionamento com as pessoas, não devemos perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes. A defesa da verdade objetiva não é a única expressão dessa caridade, que também consiste em gentileza, paciência, compreensão, ternura e encorajamento. Consequentemente, não podemos nos tornar juízes que apenas negam, rejeitam e excluem.

e) Portanto, a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou várias pessoas, que não transmitam um conceito errôneo de matrimônio. Pois, quando você pede uma bênção, você expressa um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor.

f) Por outro lado, embora existam situações que, de um ponto de vista objetivo, não são moralmente aceitáveis, a mesma caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como “pecadores” outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários fatores que influenciam a imputabilidade subjetiva (cf. São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia 17).

g) As decisões que, em determinadas circunstâncias, podem fazer parte da prudência pastoral, não devem necessariamente tornar-se norma. Ou seja, não é conveniente que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial habilite constante e oficialmente procedimentos ou ritos para todos os tipos de assuntos, pois tudo “que faz parte de um discernimento prático diante de uma situação particular não pode ser elevado ao nível de norma”, já que isso “daria lugar a uma casuística insuportável” (Amoris laetitia 304). O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo, tampouco as Conferências Episcopais, com seus vários documentos e protocolos, devem pretender tal coisa, uma vez que a vida da Igreja flui por muitos canais além dos normativos.

 

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O Responsum ad Dubium

 

Em que consistem as tais bênçãos?

 

A Nota-Resposta ou Responsum surgiu com o intuito de sanar dúvidas suscitadas acerca das referidas “bênçãos” em março de 2021, quando esse assunto já tomava ares de polêmica. Redigido pelo prefeito da  Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer, foi ignorado pela mídia e tratado como de relevância ínfima. Alguns dizem que nenhum documento é válido se não for o Papa quem o assina, argumentando que só acreditam no que o Papa diz, todavia, apenas quando ele diz o que lhes agrada, porque quando não, o Santo Padre é completamente ignorado [também]. A verdade é que se formos honestos, ficará claro que o responsum apenas confirma aquilo que Francisco já havia dito, isto é, que primeiramente deve-se deixar manifesto e evidente que as bênçãos não podem transmitir qualquer conceito errôneo com respeito ao matrimônio. O Responsum estabelece então aguns critérios para instrução dos sacerdotes que eventualmente possam não compreender o posicionamento da Igreja: como por exemplo, dois elementos para administração da bênção por parte dos bispos:

 

      1. Reta Intenção de quem intenta receber a bênção, e

      2. que o objeto de bênção seja objetiva e positivamente ordenado a receber  e exprimir a graça em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação, sendo plenamente revelados por Cristo.

 

Leia você mesmo:

 

[…] para ser coerente com a natureza dos sacramentais, quando se invoca a bênção sobre algumas relações humanas, é necessário – além da reta intenção daqueles que dela participam – que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor.  São pois compatíveis com a essência da bênção dada pela Igreja somente aquelas realidades que de per si são ordenadas a servir a tais desígnios. Por tal motivo, não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo […]  Além disso, já que as bênçãos sobre as pessoas possuem uma relação com os sacramentos, a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita, enquanto constituiria de certo modo uma imitação ou uma referência de analogia à bênção nupcial, invocada sobre o homem e a mulher que se unem no sacramento do Matrimônio, dado que «não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família.

 

O Responsum ad Dubium

 

 

OS HOMOSSEXUAIS E A IGREJA

 

É importante declarar ainda, e a Nota (responsum) deixa isso claro, que dizer que a Igreja não tem o poder para abençoar a união de casais homossexuais não consiste, de modo algum, em uma atitude de desprezo, repúdio ou discriminação contra essas almas. Trata-se apenas de uma exposição caridosa e pastoral da doutrina da Igreja, a qual é sempre benéfica a cada pessoa em seu caso e em sua situação particular, com o respeito e a caridade devidos a irmãos e filhos de Deus, também nutrindo profundos sentimentos de fraternidade e compreensão:

 

A declaração de ilicitude das bênçãos de uniões entre pessoas do mesmo sexo não é, e não quer ser, uma injusta discriminação, mas quer relembrar a verdade do rito litúrgico e de quanto corresponde profundamente à essência dos sacramentais, assim como a Igreja os entende. A comunidade cristã e os Pastores são chamados a acolher com respeito e delicadeza as pessoas com inclinação homossexual, sabendo encontrar as modalidades mais adequadas, coerentes com o ensinamento eclesial, para anunciar a elas a totalidade do Evangelho. Tais pessoas, ao mesmo tempo, reconheçam a sincera proximidade da Igreja – que reza por elas, as acompanha, compartilha o seu caminho de fé cristã – e acolham com disponibilidade os seus ensinamentos. A resposta ao dubium proposto não exclui que sejam dadas bênçãos a indivíduos com inclinação homossexual, que manifestem a vontade de viver na fidelidade aos desígnios revelados de Deus, assim como propostos pelo ensinamento eclesial, mas declara ilícita toda forma de bênção que tenda a reconhecer suas uniões. Neste caso, a bênção não manifestaria a intenção de confiar à proteção e à ajuda de Deus alguns indivíduos, no sentido mencionado, mas de aprovar e encorajar uma escolha e uma praxe de vida que não podem ser reconhecidas  como objetivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados. Entretanto, a Igreja recorda que Deus mesmo não deixa de abençoar cada um de seus filhos peregrinos neste mundo, porque para Ele «somos mais importantes que todos os pecados que podemos cometer. Mas não abençoa nem pode abençoar o pecado: abençoa o ser humano pecador, para que reconheça que é parte de seu desígnio de amor e se deixe transformar por Ele. De fato, Ele «aceita-nos como somos, mas nunca nos deixa como somos. Por tais motivos, a Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo no sentido acima indicado […]

O Responsum ad Dubium

 

O RESPONSUM É A POSIÇÃO DO CLERO

 

Alguns podem sustentar que o Responsum não possua qualquer valor doutrinário ou disciplinar, todavia, esta foi a posição oficial da Congregação para a Doutrina da Fé com o assentimento oficial do Papa Francisco, além de ser a política e a disciplina adotada atualmente pelo clero, como ficou claro essa semana (19 de outubro de 2023), quando o Cardeal Victor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé explicou a natureza das bênçãos de outro doxcumento (o mais polêmico Fiducia Supplicans) nos mesmos termos que o responsum.

 

O que a Igreja disse é que a união homossexual não é abençoada, porque [a Igreja] tem uma definição clara de Casamento, que é uma união entre um homem e uma mulher aberta a uma nova vida. Só isso é chamado de matrimônio – e casamento, SOMENTE essa realidade é chamada assim. Portanto, a bênção que poderia confundir e não CLAREAR esta realidade não é boa para a Igreja. Mas talvez também [eles – os homossexuais] precisem de bênçãos, não apenas uma pessoa isolada, mas duas pessoas que pedem uma bênção, pelo fato de quererem ser fiéis a Deus, de terem o desejo de serem melhores, de crescer na vida cristã. A bênção não é um sacramento. E não devemos pedir as mesmas condições [para] uma simples bênção que pedimos para um sacramento. A bênção é um sinal da “opera pastorale” [trabalho pastoral], para todas as pessoas em todas as situações, e não é necessário que saibamos nada [sobre] as pessoas, ou como é a sua vida cristã, a moral e outras coisas  para podermos dar a bênção.

Cardeal Victor Manuel Fernández em entrevista para LifeSiteNews

 

O texto de apresentação da Declaração Dignitas Infinita também diz o seguinte sobre o recente desenvolvimento que a Igreja teve com respeito à natureza das bênçãos e sua natureza:

 

[…] é preciso recordar que Fiducia supplicans é também uma declaração, ainda que a questão tratada seja menos central. Por quê? Pois em Fiducia supplicans tem-se uma inovação magisterial a respeito do modo como se entende as bênçãos. O Papa, de fato, quis alargar a compreensão das bênçãos para desenvolver a riqueza pastoral.

 

 

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Veja como o Cardeal expõe os mesmos requisitos exigidos no responsum:

1) ele diz que não deve haver confusão da parte dos indivíduos incluídos com respeito ao intuito da bênção (1º requisito: reta intenção), uma vez que ela não pode levar à confusão e uma “bênção que poderia confundir… esta realidade (a realidade do que é verdadeiramente um matrimônio segundo a doutrina cristã católica) não é boa…”;

2) e que a bênção deve servir ao propósito objetivo para o qual foi ordenado positivamente o objeto de sua administração, para esclarecer/clarear o caminho correto “sobre esta realidade” (matrimônio), isto é, deve-se ter em mente que a finalidade da bênção é servir ao desígnio de Deus (2º requisito: que aquilo que é abençoado seja objetiva e positivamente ordenado… em função dos desígnios de Deus).

 

A DIFERENÇA ENTRE SACRAMENTO E BÊNÇÃO NÃO TORNA DESCRIMINADO O USO DA SEGUNDA

 

E ainda que o Cardeal Fernandez apresente a diferença entre sacramento (matrimônio, por exemplo) e uma simples bênção, mostrando que a segunda possui uma extensão maior e menos padronizada: “bênção não é um sacramento e… não deveria ter as mesmas ‘condições’”… o cardeal ainda assim nos apresenta uma demonstração de que a bênção eclesiástica não é totalmente aberta e destituída de critérios, já que ela carece de um santo propósito, uma mentalidade sadia e uma compreensão reta e consciente, tanto do sacerdote, que não pode, como disse o Papa, transmitir um  conceito errôneo de matrimônio”, como também do fiel que recebe a bênção: “Mas talvez também [eles = homossexuais] precisem de bênçãos, não apenas uma pessoa isolada, mas duas pessoas que pedem uma bênção pelo fato de quererem ser fiéis a Deus, de terem o desejo de serem melhores, de crescer na vida cristã.”  Está muito claro que ele se refere aqui a pessoas individuais e não a uma União em si, na forma de instituição ou de contrato entre dois, mesmo “duas ou três”, argumenta, porém a pessoas, não à união delas.

 

A AJUDA DA IGREJA

 

Também menciona o teor da ajuda prestada pela Igreja através da bênção, uma ajuda a alguém que deseja se aproximar de Deus. Como disse o Papa Francisco, “quando você pede uma bênção, você expressa um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor”. A Igreja é dispenseira dos dons de Deus, uma administradora e mordoma aqui na terra. Ela não deve negar bênçãos às pessoas que chegam buscando o auxílio de Deus. Uma bênção não é ministrada a uma situação pecaminosa, mas sim a pessoas, seres humanos que querem encontrar uma mão amiga, um socorro e uma melhoria para sua vida. Deus está aberto a todos os seus filhos. Ainda assim, o responsum ad Dubium é um documento que alerta para o perigo do escândalo, admitindo a impossibilidade de a Igreja modificar a lei de Deus.

 

Foto de Simon Hurry na Unsplash

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Sta Joana d’Arc nasceu através de um compromisso e do desejo de publicar obras notáveis de autores nacionais e estrangeiros, tanto de cunho filosófico e teológico, quanto de matéria infantil, fantástica e ficcional. Além de fazer renascer o espírito de tradições e valores antigos à sociedade como um todo, a publicação de obras que revelem a riqueza de nossa história é a melhor maneira de servir a humanidade.

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