Os anjos atuam fortemente entre os filhos de Deus desde o começo do mundo. Sempre foi algo comum, portanto, a compreensão desses seres como criaturas conscientes entre nós, aparecendo com alguma mensagem ou prestando algum socorro. A palavra Anjo vem do latim angelus; e do grego aggelos, tendo como raiz a expressão hebraica MLAK, que significa “aquele que vai” ou “que é enviado”: o mensageiro. Na Epístola aos Hebreus encontramos o seguinte registro: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para ministrar àqueles que receberão a herança da salvação?” (Hebreus, 1: 14). Vejamos alguns trechos contendo a atuação dos anjos na história:
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Deus restringe a entrada dos homens ao Santo Jardim:
E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da Árvore da Vida.
Gênesis 3:24
Ló e suas filhas são salvos pelos Anjos:
E ao amanhecer os anjos apertaram com Ló, dizendo: Levanta-te, toma tua mulher e tuas duas filhas que aqui estão, para que não pereças na injustiça desta cidade.
Gênesis 19:15
Abraão orienta seu servo a confiar no Anjo que Deus enviaria:
O Senhor Deus dos céus, que me tomou da casa de meu pai e da terra da minha parentela, e que me falou, e que me jurou, dizendo: À tua descendência darei esta terra; ele enviará o seu anjo adiante da tua face, para que tomes mulher de lá para meu filho.
Gênesis 24:7
Jacó tem a visão da Escada para o céu:
E sonhou: e eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela;
Gênesis 28:12
Jacó se encontra com o Exército de Anjos:
Jacó também seguiu o seu caminho, e encontraram-no os anjos de Deus. E Jacó disse, quando os viu: Este é o exército de Deus. E chamou aquele lugar Maanaim.
Gênesis 32:1,2
Um anjo prediz o nascimento de Sansão:
E o anjo do Senhor apareceu a esta mulher, e disse-lhe: Eis que agora és estéril, e nunca tens concebido; porém conceberás, e terás um filho.
[…]
Então a mulher entrou, e falou a seu marido, dizendo: Um homem de Deus veio a mim, cuja aparência era semelhante a de um anjo de Deus, terribilíssima; e não lhe perguntei donde era, nem ele me disse o seu nome.
Juízes 13:3 e 6
Um Anjo dá instruções a Daniel:
E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado. E aconteceu que, havendo eu, Daniel, tido a visão, procurei o significado, e eis que se apresen- tou diante de mim como que uma semelhança de homem. E ouvi uma voz de homem entre as margens do Ulai, a qual gritou, e disse: Gabriel, dá a entender a este a visão.
Daniel 8:14-16
Esse mesmo Anjo anuncia o nascimento de São João Batista e a Encarnação do Redentor:
Segundo o costume sacerdotal, coube-lhe em sorte entrar no templo do Senhor para oferecer o incenso. E toda a multidão do povo estava fora, orando, à hora do incenso. E um anjo do Senhor lhe apareceu, posto em pé, à direita do altar do incenso. E Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele.
Lucas 1:9-12
E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem, cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se muito com aquelas palavras […]
Lucas 1:26-29
Um Anjo dá a mensagem aos pastores (A tradição declara ser o Arcanjo Gabriel):
E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo: Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura.
Lucas 2:9-12
Um exército de Anjos aparece celebrando o nascimento do Rei:
E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens. E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber.
Lucas 2:13-15
Um Anjo fortaleceu o Senhor dos Anjos em Agonia:
E apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia.
Lucas 22:43
Os Anjos adoram o Senhor vitorioso:
E uma vez mais, quando Deus introduz o Primogênito no mundo, declara:
“Todos os anjos de Deus o adorem”.
Hebreus 1: 6
Anjos anunciam a Ressurreição às Mulheres:
E aconteceu que, estando elas muito perplexas a esse respeito, eis que pararam junto delas dois homens, com vestes resplandecentes. E, estando elas muito atemorizadas, e abaixando o rosto para o chão, eles lhes disseram: Por que buscais o vivente entre os mortos?
Lucas 24:4,5
Santo Agostinho e a Experiência Sensorial dos Anjos
É evidente que o encontro de um ser humano com um ser de outro mundo nem sempre é explicável de maneira racional, mas ainda assim, muito da Escritura nos permite compreender a natureza de tal interação, sobretudo ao indagarmos como os patriarcas e os profetas obtinham a certeza de que estavam diante de criaturas que absolutamente NÃO pertencem a esse mundo. Por que Zacarias registrou que o Anjo falava de dentro dele, ou como Abraão percebeu que aqueles homens que lhe apareceram nos carvalhais de Marne eram santos. Agostinho foi um dos padres a tratar do assunto:
20. Não tenho certeza se erros dessa natureza devam ser chamados de pecados, isto é, quando alguém atribui o bem a um homem mau, desconhecendo seu caráter, ou quando, em vez de nossa percepção física, experimentamos sensações no nosso espírito (como o erro do apóstolo Pedro, o qual pensou ter uma visão, quando na realidade estava sendo liberto de grilhões e correntes pelo anjo). Ou quando, em nossas percepções ilusórias, julgamos que algo é liso, quando na verdade é áspero, ou que algo é doce, quando amargo, ou cheiroso, quando fétido. Quando pensamos que certo barulho advém de um trovão no céu, e na verdade é o estrondo de uma carroça passando, ou confundimos um homem com outro parecido, como acontece no caso de gêmeos – e daí decorre a fala do poeta: “aos pais erro suave”. [1]
59. Além disso, quem pode explicar com que tipo de corpo os anjos apareceram aos homens, tornando-se não apenas visíveis, mas também tangíveis? E, aliás, como é que eles, não por meio de corpos materiais, mas pelo poder espiritual, trazem certas visões aos seus destinatários, não aos olhos físicos, mas aos olhos espirituais da mente? Ou mesmo como podem eles falar palavras, não ao ouvido, como que a partir de fora de nós, mas de dentro da alma do homem? Uma vez que se encontram presentes também ali, como está escrito nos profetas: “E o anjo que falava em mim me disse (Zacarias 1: 9)”. Não diz “que falava comigo”, mas “que falava em mim”. Como eles aparecem aos homens durante o sono, e se comunicam por meio de sonhos, como lemos no Evangelho: “Eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonho, dizendo…”
– Manual da Doutrina Cristã, ano 420 d. C.
Oração aos Anjos
Pelas Escrituras sabemos que há sete anjos cuja função é “estar diante do trono de Deus” (Tobias 12: 15; Apocalipse 8: 2-5). Jesus afirma que as atuações dos anjos envolvem levar nossas necessidades ao Senhor, que é visto face a face por eles (Mateus 18:10). Sendo assim, à luz de versos tão significativos com respeito ao seu auxílio, seria difícil considerar a proibição de algum homem de se dirigir a eles, pedindo que orem a Deus em seu favor. Na verdade, o próprio ato de falar EM PETIÇÃO é equivalente a orar. Logo, se pensarmos bem, toda vez que algum profeta ou servo de Deus aparece pedindo algo a um anjo no Velho Testamento, ele está na verdade orando a ele, como é exatamente o que o rei Davi faz no Salmo 103:
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Bendigam o Senhor,
vocês, seus anjos poderosos,
que obedecem à sua palavra.
Salmos 103:20
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O caráter da fala descrita no Salmo direcionada aos Anjos é bem semelhante a uma antiga oração judaica do quarto século contida no Barakhot:
ORAÇÃO JUDAICA AOS ANJOS
Aquele que adentrar em uma latrina [lugar de impurezas] pede aos anjos que o acompanhem em todos os momentos:
Sejam honrados, venerados santos e servos do Altíssimo,
deem honra ao Deus de Israel,
deixem-me até que eu entre e faça minha vontade e retorne a vocês.
Abaye [rabino do início do quarto século] disse: Uma pessoa não deve dizer isso, para que ele não a abandone e vá embora.
Em vez disso, ele deve dizer:
Guarde-me, guarde-me,
ajude-me, ajude-me,
apoie-me, apoie-me,
Espere por mim, espere por mim até que eu entre e saia, pois este é o caminho do homem.
Ao sair, diz:
Bendito seja Aquele que formou o homem em sabedoria
e criou nele muitas descobertas e cavidades.
É manifesto e conhecido diante do trono de Sua glória
que se um deles fosse violado ou obstruído, seria impossível sobreviver e ficar diante de Vós.
Alguém pode argumentar: “Mas FALAR com um Anjo OU PEDIR QUE ELE GLORIFIQUE A DEUS NÃO é o equivalente à prece propriamente dita, DE FORMA A INTERFERIR NA NOSSA VIDA COM UM PEDIDO DIRETO”. Verdade, mas a lógica nos diz que se alguém não está proibida de FALAR com anjos, de DAR RECOMENDAÇÕES A ELES, já que o próprio Deus os enviou aos profetas e aos homens fiéis no decorrer da história no passado para falar com eles, e considerando que Davi aparece se dirigindo ao exército celestial de anjos pedindo para adorarem a Deus, também segue-se que NÃO SERIA PROIBIDO OU MALIGNO pedir a um anjo que nossa necessidade fosse levada até o trono de Deus, atendendo o mensageiro à sua missão primordial de servir como ministro de nossa salvação. Se os anjos são ministros de nossa salvação, por que seria maligno pedir-lhes para apresentar nossas necessidades ao Senhor e nos fornecer a ajuda divina em nossa causa? Mesmo que o pedido seja uma atuação direta de Deus na situação ou tão somente que Ele nos conceda a graça para lidar com tribulações e tragédias da vida diária, qual seria o pecado intrínseco aí contido? De fato, a Bíblia representa os anjos não apenas como nossos guardiões, mas também intercedendo por nós. Vejam alguns trechos bíblicos mencionando a relação dos anjos com o povo de Deus:
O anjo Rafael (Tobias 12: 12) diz:
“Ofereci a tua oração ao Senhor”
Jó 5: 1 (Septuaginta):
“Chama para ver se te respondem! A qual dos santos (anjos) te dirigirás?”
Jó 33: 23 (Vulgata):
“Se perto dele se encontrar um anjo, um intercessor entre mil,
para ensinar-lhe o que deve fazer…”
Apocalipse 8: 4:
E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos
desde a mão do anjo até diante de Deus.
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CAUTELA:
A adoração aos anjos é condenada por São Paulo em Colossenses 2: 18
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ANJOS, QUERUBINS, SERAFINS, ARCANJOS
Também as Escrituras nos apresentam evidências acerca da existência de certas patentes no exército celestial, ou mesmo de uma hierarquia estabelecida. Por diversas vezes o termo anjo na qualidade de mensageiro surge sem nenhuma característica especial atribuída a ele, mas há outras vezes em que temos diversas designações para os seres que servem a Deus.
Querubins
Podemos ler, por exemplo, que o Jardim do Éden é guardado por um Querubim após a queda de Adão (Gênesis 3:24), e que este mesmo ser é representado na Arca da Aliança, que possuía imagens de querubins com asas estendidas sobre ela (Êxodo 25: 10-21). O profeta Ezequiel também nos concede o relato de tais seres de uma forma bastante curiosa (Ez 1 e 10).
Serafins
Já os serafins só aparecem na visão de Isaías. Serafim, do hebraico שרף, significa “queimar”, “incendiar”, “ser incandescente”, porque são apresentados como estando diante da presença santa de Deus, que é tratado figurativamente como “um fogo consumidor” (DEUTERONÔMIO 4: 24; HEBREUS 12: 29). Eles possuem seis asas, com as quais tapam os rostos e os pés:
No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi também ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e a cauda do seu manto enchia o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos. Porém um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; E com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniquidade foi tirada, e expiado o teu pecado.
Isaías 6:1-7
Arcanjos
Acerca dos Arcanjos, temos algumas menções, mas a citação propriamente dita do seu nome, somente em Judas e 1 Tessalonicenses 4: 15. Sabemos, contudo, que os escritores do Novo Testamento estavam familiarizados com as divisões de classes, ou não teriam mencionado Miguel como sendo de uma patente diferenciada: Arc (principal) angelos (Anjo). Provavelmente a fonte de tais informações se encontre na tradição oral da época. Miguel, por exemplo, é um dos Chefes da Milícia Celeste, conforme a Escritura declara, atestando a existência de outros Príncipes Angelicais [em Daniel 10: 13 é dito que ele é apenas um dos príncipes supremos, não o único]. É precisamente isso que o nome Arcanjo significa. “Arc” é um prefixo para “Príncipe”. Gabriel e Rafael são outros conhecidos Arcanjos, conforme a Tradição Judaica e Cristã. O primeiro é mais famoso, tendo similar missão à de Miguel na batalha espiritual por Israel no passado, tendo sido também enviado para comunicar verdades secretas a Daniel acerca do tempo do fim [Daniel 8: 16]. Além disso, teve a tarefa de maior honra possível ao anunciar a encarnação do Verbo divino à Bem-Aventurada Virgem Maria e a Salvação e Redenção da Humanidade [Lucas 1: 26]. Já Rafael é citado como “um dos sete que assistem na presença do Senhor” [Tobias 12: 15], o que parece sugerir que há mais Arcajos do que apenas os três conhecidos pela Igreja. Novamente devo citar a ênfase em Miguel, que é aludido pelo apóstolo Paulo ao descrever a Vinda do Senhor e por João em Apocalise. Ele é bastante lembrado por ter expulsado Satanás do céu, tendo Cristo ascendido, arrebatado para o trono do Pai (Apocalipse 12). Seu nome é uma pergunta, um questionamento: QUEM É COMPARÁVEL A DEUS? Tal título é um apelo à humildade angelical, frente à rebelião que ocorreu no meio deles. Diferentemente do Diabo, o Arcanjo prontamente se sujeitou à única resposta possível: “Ninguém é comparável a Deus”: Ninguém é como Deus. Os únicos nomes bíblicos citados em referência a anjos são Rafael, Miguel e Gabriel, os quais significam atributos. Livros judaicos apócrifos, como o Livro de Enoque, fornecem os nomes de mais dois: Uriel e Jeremiel. Alguns desprezam a tradição como acréscimos sem valor instrutivo, todavia, é ela que nos apresenta o relato da disputa com respeito ao corpo de Moisés, quando Satanás se opôs à sua assunção ao céu. Ou seja, é graças a essa tradição judaica que podemos compreender a menção feita a esse acontecimento na epístola de Judas. Clemente alexandrino (150 – 217) a cita em seu comentário:
Quando Miguel, o Arcanjo, disputando com o diabo, DEBATEU acerca do corpo de Moisés. Aqui ele confirma a assunção de Moisés.
– Fragmentos de Clemente de Alexandria, ano 150-215 d. C.
Cristo é a Origem de toda a Classe de Anjos
A Escritura condena toda adoração aos anjos, colocando Cristo não somente como acima de toda hierarquia e poder celestes e terrenos, mas também como a origem dos seres e das ordens estabelecidas. Ele é o Pai da Eternidade (Is 9), isto é, o pai dos seres celestiais eternos também:
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Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus, Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro;
Efésios 1:20,21
Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.
Colossenses 1:16,17
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Nesses versos percebemos que o Verbo é a fundação de todo principado e poder, seja celeste ou terreno. Todos os serafins, querubins e arcanjos foram criados Nele e por Ele, uma vez que subsistem e existem em Sua pessoa. E, portanto, Ele reina para sempre sobre todos, como cabeça da Igreja e senhor de tudo. São Gregório Magno (Homilia 34, In Evang.) nos fornece o seguinte: “Sabemos pela autoridade da Escritura que existem nove ordens dos anjos, isto é, Anjos, Arcanjos, Virtudes, Potestades, Principados, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins“. Seja qual for a maneira como se dispõe a categoria angélica, uma certeza nós temos: Cristo é Senhor sobre ela e a fonte da sua existência.
PATRÍSTICA
No que diz respeito às primeiras obras cristãs, os anjos sempre tiveram um papel importante, como agentes de intercessão e considerados em grande estima. Também havia a compreensão acerca da existência dos anjos maus, que constantemente era opostos a um anjo guardador com respeito a alguma alma. Ou seja, segundo essa compreensão, cada pessoa tem um anjo bom e um mau sempre próximo. Eis alguns trechos e registros com respeito à compreensão desses seres na Igreja Primitiva:

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[O Pastor disse:] ‘Mas aqueles que são fracos e preguiçosos em oração, hesitam em pedir qualquer coisa ao Senhor; mas o Senhor é cheio de compaixão e dá sem falta a todos quantos lhe pedirem. Mas tu, [Hermas], tendo sido fortalecido pelo santo anjo [que viste], e tendo obtido dele tal intercessão, e não sendo preguiçoso, por que não pedes ao Senhor entendimento, e dele o recebes?’
– O Pastor de Hermas, 3:5:4, 80 d.C.
AMBRÓSIO DE MILÃO
“Elas (As viúvas) devem recorrer aos Apóstolos, que podem nos ajudar, e devem ser introduzidas
pela intercessão dos anjos e dos mártires.
[…]
Devemos orar aos anjos que nos são dados como guardiões”
– De Viduis 9 e 55, 340-397 d. C.
SANTO AGOSTINHO
É verdade que os cristãos prestam honra religiosa à memória dos mártires, tanto para nos estimular a imitá-los como para obtermos a participação em seus méritos e a ajuda de suas orações. Mas nós construímos altares não para qualquer mártir, mas para o Deus dos mártires, embora seja em memória aos mártires. Ninguém oficiando no altar no cemitério dos santos jamais declara: Nós trazemos uma oferta a você, ó Pedro! Ou a ti, ó Paulo! Ou a tu, ó Cipriano! A oferenda é feita a Deus, […] A este culto pertence a oferta de sacrifícios; como vemos na palavra idolatria, que significa dar esta adoração a ídolos. Sendo assim, nunca oferecemos, ou exigimos que alguém ofereça, sacrifício a um mártir, ou a uma alma santa, ou a qualquer anjo. Qualquer pessoa que caia nesse erro é logo instruída pela doutrina, seja no sentido de correção ou para ter cautela […]
– Santo Agostinho, Contra Faustum, Livro XX, 21, 397 d. C.
A Divisão dos Anjos de acordo com a Guarda das Nações
Os Padres e as Escrituras trazem a noção de que são anjos os agentes que colocam em ação os decretos de Deus com respeito ao nosso mundo, estabelecendo-se inclusive em defesa de países e nações. Uma das interpretações mais comuns, por exemplo, é relacionada à batalha espiritual entre Israel e a Pérsia registrada pelo profeta Daniel. Tal relato é entendido como uma descrição na qual o anjo de Israel combatia contra o anjo da Pérsia:
Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu vinte e um dias, e eis que Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu fiquei ali com os reis da Pérsia.
Daniel 10:13
A visão comum dos Padres é que com aquela passagem que diz “o príncipe do reino dos persas” (Daniel 10: 13; 10, 21) devemos entender que se trata do anjo a quem foi confiado o cuidado espiritual desse reino, e talvez possamos ver no “homem da Macedônia” que apareceu a São Paulo em Trôade, o anjo da guarda daquele país (Atos 16: 9). A Septuaginta (Deuteronômio 32: 8) preservou para nós um fragmento de informação sobre este assunto, embora seja difícil avaliar seu sentido exato: “Quando o Altíssimo dividiu as nações, quando dispersou os filhos de Adão, Ele estabeleceu os limites das nações de acordo com o número dos anjos de Deus”.
Enciclopédia Católica
ORÍGENES
[…] ou devemos supor que é por acidente que um ofício particular seja atribuído a um anjo particular: quanto a Rafael, por exemplo, o trabalho de cura e de sarar as pessoas; a Gabriel, a condução das guerras; a Miguel, o dever de atender às orações e súplicas dos mortais. Pois não devemos imaginar que eles obtiveram esses cargos senão por seus próprios méritos e pelo zelo e excelentes qualidades que eles demonstraram antes que este mundo fosse formado; de modo que depois na ordem dos arcanjos, este ou aquele ofício foi atribuído a cada um, enquanto outros mereciam ser inscritos na ordem dos anjos, e atuar sob o comando deste ou daquele arcanjo, ou debaixo da autoridade daquele líder ou chefe de uma ordem. […] a um anjo a Igreja dos Efésios deveria ser confiada; a outro, a dos esmirneus; um anjo seria de Pedro, outro de Paulo; e assim por diante através de cada um dos pequeninos que estão na Igreja, pois tais e tais anjos que contemplam diariamente a face de Deus devem ser atribuídos a cada um deles;
De Principiis, Cap. VIII.— Sobre os Anjos, 185-254 d. C.
Também vemos em Apocalipse a menção aos “Anjos das Sete igrejas”, todavia, esses sete Anjos das Igrejas são geralmente considerados como sendo os Bispos que ocupam essas sedes episcopais.
Anjos Réprobos
Os anjos bons são uma realidade, mas o que dizer dos maus? Alguns alegam ser eles o motivo de NÃO ser recomendável a um cirstão pedir a intercessão dos anjos. “Eles podem nos enganar” – argumentam. Todavia, isso não parece mais do que uma atitude de maximização do poder e do reino das trevas, ao mesmo tempo em que se subestima o reino de Cristo. As Escrituras apresentam uma superioridade do poder de Deus sobre os demônios. Ainda que nosso mundo esteja no maligno, os poderes de Deus manifestos àqueles que o invocam são mais influentes e eficazes do que as atuações de satanás, desde que haja fé genuína. Mas tratemos dos anjos caídos. Se você quiser saber mais sobre o diabo, sugiro o texto: O que a Igreja Católica ensina sobre o Diabo?
O relato da queda de nossos primeiros pais (Gen. 3) é expresso em tais termos que é impossível ver nele algo mais do que o reconhecimento da existência de um princípio maligno que tinha ciúmes da raça humana. A declaração (Gen. 6: 1) de que os “filhos de Deus” se casaram com as filhas dos homens é explicada acerca da queda dos anjos, em Enoque 6-11, e nos códices D, E, F e A da Septuaginta é lida frequentemente, “os filhos de Deus”, de ‘oi aggeloi tou theou’ – οι αγγελοι του θεου (os anjos de Deus). Infelizmente, os códices B e C são defeituosos em Gen. 6, mas é provável que eles também tenham lido sobre aggeloi nesta passagem, pois constantemente traduzem assim a expressão “filhos de Deus”; cf. Jó, 1: 6; 2: 1; 38: 7; mas, por outro lado, veja Sl 2: 1; 88: 7 (Septuaginta). Filo, ao comentar a passagem em seu tratado “Quod Deus sit immutabilis”, 1, segue a Septuaginta. Para a doutrina dos Anjos de Filo, confira: “De Vita Mosis”, 3: 2; “De Somniis”, VI; “De Incorrupta Manna“, 1; “De Sacrificiis”, 2; “De Lege Allegorica”, 1: 12; III, 73; e para a visão de Gen., 6: 1, cf. Santo Justino, Apol., 2: 5. Além disso, deve-se notar que a palavra hebraica nephilim traduzida como gigantes, em 6: 4, pode significar “os caídos”. Os Padres geralmente o referem aos filhos de Seth, a linhagem escolhida.
Enciclopédia Católica
Não há dúvida de que, assim como os anjos, os demônios estão entre nós, e a bíblia apresenta alguns relatos de sua atuação. Em 1 Samuel 16:14 e 23, por exemplo, lemos que um espírito maligno é descrito atormentando Saul. É dito que ele vem da parte do Senhor, após Seu Espírito ter se retirado do rei desobediente. Muitos trazem a noção de tal mau espírito como uma pena aplicada a Saul, em razão dos seus pecados, o que se assemelha ao que ocorreu no episódio do espírito mentiroso na boca dos falsos profetas de Acabe:
“E o Espírito do Senhor se retirou de Saul, e o assombrava um espírito mau, da parte do Senhor. Então, os criados de Saul lhe disseram: Eis que agora um espírito mau, da parte do Senhor, te assombra”.
[…]
E sucedia que, quando o espírito mau, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa e a tocava com a sua mão; então, Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito mau se retirava dele.
Tal episódio nos revela também a submissão dos anjos réprobos ou maus ao próprio poder e comando de Deus em seus planos e julgamento sobre os ímpios. Dessa forma, ainda que a Bíblia sempre demonstre a realidade de uma batalha espiritual entre o bem e o mal no mundo, ela nunca dá a entender que os anjos maus são equiparados aos bons. Sempre percebemos uma superioridade dos exércitos celestes de Deus sobre as hostes de satanás. Outra coisa importante que devemos ter em mente é que nem sempre os demônios recebem permissão de Deus para atuar na vida dos homens como uma forma de punição, mas também ocorre na vida de pessoas fiéis, como uma provação da fé:
Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça.
Jó 2:7
Além disso, devemos também ter ciência de que o poder dos demônios é reduzido. Ainda que pareça grande coisa, em razão de sermos seres humanos, menores do que os anjos quanto à natureza (Salmo 8), e da forte atuação deles em nosso mundo, graças ao pecado, o poder dos anjos santos é muito mais eficaz.
E, quanto aos anjos que não guardaram sua autoridade e santidade originais, mas abandonaram seu próprio domicílio, Ele os tem mantido em trevas, presos com correntes eternas para o julgamento do grande Dia.
Judas 1: 6
Santo Agostinho cita a teoria de que os anjos apóstatas seriam substituídos pelos santos homens no céu, o que equilibraria o número de criaturas eleitas de Deus:
29. […] Não sabemos o número dos santos nem dos demônios; mas sabemos que os filhos da santa mãe que foi chamada estéril na terra ocuparão o lugar dos anjos caídos e habitarão para sempre naquela morada pacífica de onde foram precipitados. Todavia, o número dos cidadãos, seja qual for, tanto se considerarmos aqueles que já são contados entre eles no presente momento, quanto aqueles que tomarão parte no futuro, é conhecido pela mente do grande Criador, “que chama as coisas que não são como se já fossem”[Romanos 4: 17], e “ordena todas as coisas em medida, número e peso” [Sabedoria 11: 20].
– Manual da Doutrina Cristã, ano 420 d. C.
O Anjo da Guarda
Outro tema de especial importância diz respeito aos anjos bons que têm papéis especiais em nossas vidas. Trata-se dos anjos da guarda.
Tende todo cuidado para que não desprezeis a qualquer destes pequeninos; pois Eu vos asseguro que seus anjos nos céus vêem continuamente a face de meu Pai celestial.
Mateus 18: 10
E, conhecendo a voz de Pedro, de gozo não abriu a porta, mas, correndo para dentro, anunciou que Pedro estava à porta. E disseram-lhe: Estás fora de ti. Mas ela afirmava que assim era. E diziam: É o seu anjo.
Atos 12:14,15
Assim, na Enciclopédia Católica encontramos:
Em toda a Bíblia, encontramos repetidamente implícito que cada alma individual tem seu anjo tutelar. Assim, Abraão, ao enviar seu mordomo para buscar uma esposa para Isaque, diz: “Ele enviará Seu anjo adiante de ti” (Gênesis 24: 7). As palavras do salmo nonagésimo que o diabo citou para nosso Senhor (Mateus, 4: 6) são bem conhecidas, e Judite explica seu ato heróico dizendo: “Tão certo como vive o Senhor, seu anjo tem sido meu guardião” (13: 20). Estas passagens e muitas como elas (Gênesis 16: 7-13; Oséias 12: 4-5; I K.,19: 5; Atos 12: 7; Salmo 33: 8), embora não demonstre a doutrina de que todo indivíduo tem seu anjo da guarda designado, receba seu complemento nas palavras de nosso Salvador: “Cuidado, não desprezeis nenhum destes pequeninos; pois eu vos digo que os seus anjos no Céu sempre veem a face de Meu Pai que está nos Céus” (Mat., 18: 10) palavras que ilustram a observação de Santo Agostinho: “O que está oculto no Antigo Testamento, se manifesta no Novo”. De fato, o livro de Tobias parece destinado a ensinar esta verdade mais do que qualquer outro, e São Jerônimo em seu comentário sobre as palavras acima de nosso Senhor diz: “A dignidade de uma alma é tão grande, que cada um tem um anjo da guarda de seu nascimento”.
PASTOR DE HERMAS
Há dois anjos com um homem: um da justiça e outro da iniqüidade”. E eu disse a ele: “Como, senhor, posso conhecer os poderes destes, pois ambos os anjos moram comigo?” “Ouça”, disse ele, e “entenda-os. O anjo da justiça é gentil e modesto, manso e pacífico. Quando, portanto, ele sobe ao teu coração, imediatamente ele fala com você sobre retidão, pureza, castidade, contentamento e toda obra justa e virtude gloriosa. Quando tudo isso subir ao teu coração, saiba que o anjo da justiça está contigo. Estas são as ações do anjo da justiça. Sendo assim, confie nele e em suas obras. Veja agora as obras do anjo da iniquidade. Primeiro, ele é colérico, amargo e tolo, e suas obras são más e arruínam os servos de Deus. Quando, então, ele subir ao teu coração, reconhece-o por suas obras.” E eu disse a ele: “Como, senhor, eu o perceberei, eu não sei”. “Ouça e entenda”, disse ele. “Quando a raiva vier sobre ti, ou aspereza, saiba que ele está contigo; e você saberá também quando você for atacado por um desejo por muitas transações, pelas mais ricas iguarias, bebedeiras, bem como por diversos luxos, coisas impróprias, e por um desejo ardente por mulheres. Além da tentação de exagerar, do orgulho, da fanfarronice, e por tudo o que é semelhante a tais coisas. Quando tudo isso subir ao seu coração, saiba que o anjo da iniquidade está em ti. Agora que você conhece suas obras, afaste-se dele e de modo algum confie nele, porque suas ações são más e inúteis aos servos de Deus. Estas, então, são as ações de ambos os anjos. Compreenda-os e confie no anjo da justiça; mas afasta-te do anjo da iniquidade, porque sua instrução é má em todas as ações.
– O Pastor de Hermas, Livro II, 6: 2, 80 d.C.
A ORAÇÃO DE SÃO MACÁRIO DO EGITO ao anjo protetor, que morreu em 391 d. C., também testifica essa tradição:
Santo anjo, a quem esta pobre alma e este meu corpo miserável foram entregues, não me rejeite porque sou um pecador, não se afaste de mim por eu não ser limpo. Não ceda seu lugar ao espírito maligno; guia-me pela tua influência no meu corpo mortal. Tome a minha mão flácida e me conduza até o caminho que leva à salvação. Sim, santo anjo, Deus lhe deu o comando de minha miserável alma e corpo. Perdoe todas as minhas ações que já o ofenderam em qualquer tempo da minha vida; perdoe os pecados que cometi hoje. Proteja-me durante a noite que se aproxima e mantenha-me a salvo das maquinações e artifícios do Inimigo, de modo que eu não acabe pecando e despertando a ira de Deus. Interceda por mim junto ao Senhor; peça-lhe que me faça temê-lo cada vez mais e que me capacite a prestar-lhe o serviço que a sua bondade merece. Amém.
– Oração ao Anjo Guardião, entre os anos 340- 380
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
O céu não é mais uma parede divisória. A princípio, os anjos eram equivalentes ao número das nações; mas agora, não de acordo com o número das nações, mas com o número dos crentes. A partir de onde isso fica evidente? Ouça Cristo dizendo: Veja, não desprezeis nenhum destes pequeninos, pois seus anjos sempre contemplam a face de meu Pai que está nos céus. [Mateus 18:10] Pois cada crente tem um Anjo; desde o início, cada um dos aprovados tinha seu anjo, como diz Jacó, “o anjo que me alimenta e me livra desde a minha juventude” [Gênesis 48:15-16]. Se temos anjos por perto, sejamos sóbrios, como se estivéssemos na presença de tutores; pois há um demônio presente também conosco. Por isso oramos, pedindo pelo Anjo da paz, e em toda parte pedimos paz (pois não há nada semelhante a isso); a paz, nas Igrejas, nas orações, nas súplicas, nas saudações; e uma vez, e duas, e três vezes, e muitas vezes, aquele que está sobre a Igreja a concede, Paz seja convosco.
–Homilia 3 sobre a Epístola de Colossenses, 360-407
CONCLUSÃO
Esse assunto é muito amplo, mas acredito que foi possível apresentar os principais pontos de destaque e alguns aspectos relevantes acerca deles, de modo que você possa compreender melhor esses seres tão maravilhosamente e terrivelmente preciosos para o reino dos céus. Eles estão conosco e nos assistem constantemente, servindo ao Pai das luzes. Que Deus te abençoe e que o seu anjo te conduza pelo caminho da salvação.
Foto Principal de Enrique Vidal
NOTAS
[1] VIRGÍLIO, Eneida, X, 392.




