Ecumenismo e os Judeus: Bento XVI era Herege? PARTE II

Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro

Assisti a um vídeo recentemente cujo título é Benedict XVI: Was He A Real Pope? (Traduzido como: “Bento XVI: Teria sido ele um verdadeiro Papa?”) e decidi escrever alguns esclarecimentos acerca das citações feitas no vídeo criticando textos e falas de Bento XVI. O autor do vídeo alega que tais trechos evidenciam sem sombra de dúvida que o Papa era herege e não poderia ser o Pontífice romano de forma alguma. Estamos em 2023 e o último dia do ano passado se iniciou com a notícia trágica da morte do Papa Emérito. Entre homenagens e luto dos fiéis, os dias subsequentes também foram recheados por críticas ferrenhas e ataques brutais advindos dos desafetos do antes Cardeal Ratzinger. Que ele deixou um legado robusto, disso não há dúvidas, mas a pergunta que é feita por milhares é se sua passagem por Roma e o pequeno período de tempo em que ocupou a Cátedra de São Pedro tiveram uma repercussão positiva ou negativa para a Igreja Católica.

Nesse artigo, tratarei das críticas apresentadas no vídeo que apontam para uma acusação muito séria: [segundo o autor do vídeo] Bento XVI não passava de um herege. 

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HERESIA 

A APARENTE CONDESCENDÊNCIA DE BENTO XVI COM A IDEIA DE QUE OS JUDEUS NÃO PRECISAM MAIS SE CONVERTER A CRISTO E DE QUE A ALIANÇA QUE DEUS TEM COM ELES É ETERNA, NÃO SENDO SUBSTITUÍDA PELO NOVO TESTAMENTO

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A primeira citação utilizada é de um livro chamado God and the World, p. 119:

 

Pergunta: “Então Deus não retirou sua palavra de que Israel é o Povo Escolhido?


Resposta de Bento XVI: Não, porque Ele é fiel. Claro, podemos ver que Israel ainda tem um caminho a percorrer. Como cristãos, acreditamos que no final eles [os judeus] estarão conosco em Cristo. Mas eles não são simplesmente eliminados e deixados de fora dos planos de Deus; pelo contrário, eles ainda permanecem dentro do fiel convênio de Deus”.

 

Será que para Bento XVI Israel é o Povo Escolhido, e não a Igreja? E afinal, o que ele acreditava sobre a antiga Aliança do Sinai? Não foi ela revogada com o advento do Novo Testamento?

Primeiramente, devemos aceitar sua resposta enfática ao declarar que os judeus continuam sim a terem participação no plano de Deus pelo fato de Deus ser fiel. Considere também o fato de que ele não opõe a expressão “povo escolhido” à Igreja. Ele apenas admite que Israel continua sendo o povo eleito da parte de Deus entre as nações, separado para um propósito e que isso não cessou com a eleição da Igreja. É esse o ponto de atrito: embora todos os cristãos aceitem de bom grado a eleição de Israel nos primeiros tempos, muitos deles acreditam que os judeus não possuem mais qualquer promessa especial conferida a eles, posto que rejeitaram o Messias. Bento XVI discorda. Agora, será que o fato de ele discordar, faz dele um herege? Para entender melhor a questão do antigo e do novo testamento, é conveniente ponderarmos acerca da visão de Bento XVI com respeito ao termo “aliança”, a qual ele expressou numa revista chamada Communio. Ali explorou alguns pontos controversos que envolvem a relação entre judeus e critãos e tratou de questões doutrinárias. Ainda que o artigo, cujo título é “Graça e Vocação sem Arrependimento: Comentários sobre o Tratado de Iudaeis” (em latim “sobre os judeus”), não esteja traduzido para o Português, você pode ter acesso às suas 22 páginas aqui.

 

Sobre os Judeus

 


Joshua Sukoff via Unsplash

 Nostra Aetate – O PACTO ENTRE DEUS E OS JUDEUS É PERPÉTUO? e CATECISMO 121

Neste artigo, Bento observa que a ideia “pertence em certo sentido ao ensinamento atual da Igreja Católica”, mas ele a vê como uma área que está madura para o desenvolvimento doutrinário. Em particular, ele observa que quando Paulo fala dos distintivos de Israel em Romanos 9:4, ele fala deles possuindo “alianças” (plural). Bento conclui: “é lamentável que nossa teologia geralmente veja a aliança apenas no singular, ou talvez apenas em uma estrita justaposição da Antiga (Primeira) e da Nova Aliança. Para o Antigo Testamento, ‘aliança’ é uma realidade dinâmica que se concretiza em uma série de alianças que se desdobram”. Bento propõe: “Se forem consideradas necessárias fórmulas breves, eu me referiria sobretudo a duas palavras da Sagrada Escritura nas quais o essencial encontra expressão válida. A respeito dos judeus, Paulo diz: “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11,29).

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Isso significa que os judeus terão de reconhecer o Messias, ou terão o dever de fazê-lo?

 Isso é o que nós cremos.

 

Mas não significa que devemos impor Cristo a eles, mas sim que devemos compartilhar da paciência de Deus. Nós também temos de tentar viver nossas vidas juntos em Cristo de tal forma que isso não seja mais posto em oposição a eles ou lhes seria inaceitável, mas para que ocorra; isso facilita sua própria aproximação em direção a isso. De fato, ainda é nossa crença como cristãos que Cristo é o Messias de Israel. Está nas mãos de Deus, é claro, exatamente de que maneira, quando e como a reunião entre judeus e gentios, a reunificação do povo de Deus, será alcançada. “Também eu sou um israelita, descendente de Abraão, membro da tribo de Benjamim”, diz Paulo na Carta aos Romanos, embora uma parte de Israel sofra de “dureza de coração”. E mais. “Do ponto de vista do evangelho, eles são inimigos de Deus… do ponto de vista de serem o povo eleito, são amados por Deus”. Palavras fortes. Este é outro dos paradoxos que o Novo Testamento coloca diante de nós. Por um lado, seu “Não” a Cristo coloca os israelitas em conflito com os atos subsequentes de Deus, mas, ao mesmo tempo, sabemos que eles têm a certeza da fidelidade de Deus. Eles não estão excluídos da salvação, mas servem à salvação de uma maneira particular e, assim, estão dentro da paciência de Deus, na qual também nós depositamos a nossa confiança.

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ENCONTRO COM A DELEGAÇÃO JUDAICA

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI

Com prazer, vos recebo nesta tarde. Por feliz coincidência, o nosso encontro realiza-se na vigília da celebração semanal do shabbat, o dia que ocupa, desde tempos imemoriais, lugar tão relevante na vida religiosa e cultural do povo de Israel. Todo o judeu piedoso santifica o shabbat, lendo as Escrituras e recitando os Salmos. Queridos amigos, como sabeis, também a oração de Jesus era alimentada pelos Salmos. Ele ia regularmente ao Templo e à sinagoga. E aqui chegou mesmo a tomar a palavra em dia de sábado. Quis assim ressaltar a bondade com que o Deus Eterno cuida do homem, inclusive na organização do tempo. Não diz porventura o Talmud Yoma (85b): «O sábado é dado a vós, mas vós não sois dados ao sábado»? Cristo pediu ao povo da Aliança que reconhecesse sempre a grandeza inaudita e o amor do Criador de todos os homens. Queridos amigos, em razão do que nos une e do que nos separa, temos uma fraternidade a fortalecer e a viver. E sabemos que os vínculos de fraternidade são um convite permanente para se conhecer melhor e se respeitar.

Pela sua própria natureza, a Igreja Católica sente-se comprometida a respeitar a Aliança concluída pelo Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. De facto, também ela se situa na Aliança eterna do Omnipotente, cujos desígnios permanecem imutáveis, e respeita os filhos da Promessa, os filhos da Aliança, como seus amados irmãos na fé. Ela repete com vigor, através da minha voz, as palavras do grande Papa Pio XI, meu venerado predecessor: «Espiritualmente, nós somos semitas» (Alocução a peregrinos da Bélgica, 6/9/1938). Por isso, a Igreja opõe-se a qualquer forma de anti-semitismo, para o qual não há alguma justificação teológica aceitável. O teólogo Henri de Lubac, numa hora «de trevas» – como dizia Pio XII (Summi Pontificatus, 20/10/1939) –, compreendeu que ser anti-semita significava também ser anticristão (cf. “Uma nova frente religiosa”, em Israel e a Fé cristã, 1942, p. 136). Uma vez mais sinto o dever de prestar comovida homenagem a quantos morreram injustamente e a quantos se empenharam para que os nomes das vítimas continuassem presentes na memória. Deus não esquece! Numa ocasião como esta, não posso deixar de recordar o papel eminente desempenhado pelos judeus da França na edificação da Nação inteira e a prestigiosa contribuição que deram para o seu património espiritual. Deles vieram – e continuam a vir – grandes figuras para o mundo da política, da cultura, da arte. Formulo votos respeitosos e cheios de afecto para cada um deles e invoco, com fervor, sobre todas as vossas famílias e todas as vossas comunidades uma particular Bênção do Senhor dos tempos e da história. Shabbat shalom!

https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2008/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20080912_parigi-juive.html

 

 

CITAR FLORENÇA cantate domino

 

 SOBRE SÁBADO

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CONCLUSÃO

Devemos ter cautela com respeito aos conteúdos que são transmitidos como verdade e que circulam pelas comunidades ditas católicas. Muitos são utilizados com intuito cismático e com o desejo de gerar confusão e frutos de discórdia no meio da Igreja. Bento XVI foi um Papa que apresentou boas obras e que sempre foi respeitado por seu legado de amor e serviço a Deus e à Igreja.

 

Foto Principal via Flickr

Créditos:M.Mazur/www.thepapalvisit.org.uk

 

 

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Kertelen Ribeiro

Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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Kertelen Ribeiro é uma ex-protestante convertida ao catolicismo romano. Sendo leiga, faz parte da Legião de Maria. Ama ícones, arte e se arrisca no desenho, mas ainda não sabe fazer sombra direito. Graduada em Letras – Português e pós-graduada em Tradução do Inglês pela Estácio, atua como tradutora freelancer e deseja servir a Cristo, se esforçando para fazer a Sua vontade. Livros sempre foram o caminho.

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