Crítica ao Papa: Todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus?

Felipe Rocha

Felipe Rocha

O Papa Francisco chamou a atenção de todos os fiéis (e não fiéis) com uma declaração bastante intrigante e, eu diria, problemática. Com todo respeito ao Sucessor de Pedro, guardando a estima e a honra devida à autoridade, conforme as Escrituras (“Dai honra a quem tem honra – Romanos 13:7), irei apresentar alguns apontamentos acerca do ocorrido e buscarei demonstrar como cada católico deve se portar diante da fala proferida:

 

“Todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus”.

[Papa Francisco]

 

 

Essa frase, dada a facilidade com que se presta à promoção do falso irenismo e do indiferentismo religioso, tende à heresia. “O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus” (Catecismo da Igreja Católica, n. 27).

 

 

Tendo perdido a amizade com Deus pelo pecado original, o desejo de Deus originou religiões que são tentativas humanas de restabelecer a relação com o Criador. Neste sentido específico, é possível dizer que “todas as religiões são um caminho para nos aproximarmos de Deus” (Papa Francisco, Viagem Apostólica à Singapura: Encontro inter-religioso com os Jovens no “Catholic Junior College”, 13 de setembro de 2024), isto é, a finalidade das religiões é aproximar o homem de Deus. De fato, um judeu ou muçulmano está mais próximo de Deus que um ateu.

No entanto, uma coisa é admitir que uma frase pode ser entendida de maneira ortodoxa. Outra coisa é dizer que convém proferi-la. É condenada pela Igreja a seguinte proposição: “As pessoas podem encontrar no culto de qualquer religião o Caminho da salvação eterna e conseguir a salvação eterna” (Papa Pio IX, Syllabus, n. 16, 8 de dezembro de 1864: DH 2916). Como ensina o Concílio Vaticano II, “não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar” (Lumen Gentium, n. 14, 21 de novembro de 1964). Antes de o Papa Francisco proferir essa frase, ouvi algo semelhante algumas vezes, por parte daqueles que põem em pé de igualdade a religião católica com as falsas religiões. O sentido herético é o que será promovido.

S. S. Papa Pio XI, de feliz memória, reprovou como falsa a “opinião dos que julgam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e louváveis, pois, embora não de uma única maneira, elas alargam e significam de modo igual aquele sentido ingênito e nativo em nós, pelo qual somos levados para Deus e reconhecemos obsequiosamente o seu império”(Mortalium Animos, n. 3, 6 de janeiro de 1928). No parecer do mesmo Pontífice, “quem concorda com os que pensam e empreendem tais coisas afasta-se inteiramente da religião divinamente revelada” (Ibidem). Assim, “é legítimo defender que o Espírito Santo realiza a salvação nos não-cristãos também mediante os elementos de verdade e de bondade presentes nas várias religiões; mas não tem qualquer fundamento na teologia católica considerar estas religiões, enquanto tais, caminhos de salvação, até porque nelas existem lacunas, insuficiências e erros, que dizem respeito a verdades fundamentais sobre Deus, o homem e o mundo” (Congregação para a Doutrina da Fé, Notificação a propósito do livro de Jacques Dupuis “Para uma teologia cristã do pluralismo religioso”, n. 8, 24 de janeiro de 2001).

A seguir, falando sobre as religiões, Francisco fez “esta comparação: são como línguas diferentes, diversos idiomas, para chegarmos lá. Mas Deus é Deus para todos” (Viagem Apostólica à Singapura: Encontro inter-religioso com os Jovens no “Catholic Junior College”, 13 de setembro de 2024). O propósito da linguagem é a comunicação. A comparação das religiões às línguas sugere que as religiões, em diversas medidas, exprimem aspectos de Deus: alguns conceitos são melhor expressos por uma língua que pelas outras. Contudo, se, por um lado, há elementos de verdade fora da Igreja Católica, é preciso que os cristãos “tornem conhecido o culto da única verdadeira religião que subsiste na Igreja Católica e Apostólica” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2105).

 

“E porque Deus é Deus para todos, todos nós somos filhos de Deus. ‘Mas o meu Deus é mais importante do que o vosso!’ Será que isto é verdade? Só há um Deus, e nós, as nossas religiões são linguagens, caminhos para chegar a Deus. Uns sikh, outros muçulmanos, outros hindus, outros cristãos, são caminhos diferentes. Entendido?”

 

Ao dizer que todos são filhos de Deus, convém presumir que Sua Santidade tem em mente a paternidade de Deus sobre nós enquanto suas criaturas. É de ordem diversa a filiação divina que os batizados possuem pela graça: “No Batismo Deus vem a nós, Ele purifica e cura nossos corações, faz de nós seus filhos para sempre, seu povo e sua família, herdeiros do Paraíso” (Papa Francisco, Angelus, 7 de janeiro de 2024). A continuação traz o elemento mais problemático do discurso. Se, ao falar sobre as “nossas religiões” como caminho para chegar a Deus, Francisco se referisse às religiões em geral, de maneira global, a sentença poderia ser bem entendida, com algumas ressalvas. Mas, ao mencionar os cristãos, entre esses “caminhos diferentes”, que também foram comparados a línguas, o ouvinte ou leitor é levado a elevar as falsas religiões mais ou menos ao caráter da Revelação, o que seria grave, ou a rebaixar a Revelação [cristã] ao nível das falsas religiões, produto da empresa humana, o que seria blasfemo.

O presente texto não se presta a considerar a intenção que o Papa Francisco teve ao proferir esse discurso, mas é preciso discernir os erros latentes nessas afirmações, pois deles se servirão aqueles que realmente têm intenção de promover irenismo falso e indiferentismo religioso em suas catequeses, formações e homilias. Por fim, quando forem confrontados pelos católicos, não sentirão dificuldade em responder: “Então o Papa está errado?”. A essa altura, a alternativa dos católicos será reafirmar o ensinamento do Santo Padre em contextos mais formais, especialmente nas audiências gerais:

 

“Caros amigos, peçamos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria Mãe da Igreja, a graça de nunca cair na tentação de pensar que podemos renunciar aos outros, que podemos prescindir da Igreja, que nos podemos salvar sozinhos, que somos cristãos de laboratório. Pelo contrário, não se pode amar a Deus sem amar os irmãos; não se pode amar a Deus fora da Igreja; não se pode viver em comunhão com Deus sem viver na Igreja; não podemos ser bons cristãos, a não ser juntamente com todos aqueles que procuram seguir o Senhor Jesus, como um único povo, um único corpo; é nisto que consiste a Igreja”.

 (Audiência Geral, 25 de junho de 2014).

 

Conforme ensinou Sua Santidade Papa Francisco, é certo que a Divina Revelação é imutável e sempre vinculante” (Dicastério para a Doutrina da Fé, “Respuestas” do Santo Padre “a los Dubia propuestos por dos Cardenales”, Pergunta 1, b, 11 de julho de 2023). Enfim, cumpre ressaltar que, segundo as “decisões dos Sumos Pontífices, cumpre absolutamente admitir… que não fazer nenhum caso dos deveres da religião, ou tratar da mesma maneira as diferentes religiões, não é permitido nem aos indivíduos nem às sociedades” (Papa Leão XIII, Immortale Dei, n. 43, 1 de novembro de 1885).

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Felipe Rocha é um ex-protestante convertido ao Catolicismo. Bacharelando em Direito, dedica-se ao estudo da fé católica de modo geral, é um entusiasta da teologia bizantina e costuma aprender novas línguas.

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Felipe Rocha é um ex-protestante convertido ao Catolicismo. Bacharelando em Direito, dedica-se ao estudo da fé católica de modo geral, é um entusiasta da teologia bizantina e costuma aprender novas línguas.

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