Ningém pode responder a esta pergunta, senão Deus.
A Igreja, no entanto, ensina que não devemos desesperar da salvação eterna das pessoas suicidas, mas oferecer nossas orações sinceras em favor de suas almas, confiando-as à misericórdia divina. É verdade que a Escritura confirma a gravidade de tamanha violência que atenta contra a vida, dom de Deus. Uma violência que, segundo o Catecismo, “contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a vida”, “ofende o amor do próximo” e se constitui ato “contrário ao amor do Deus vivo” [CIC 2281.], todavia, tendo a missão de ensinar prudentemente seus filhos, a Igreja, como mestra sábia que é, admite a existência de circunstâncias variadas e peculiares para cada caso concreto e individual. Isso porque a experiência humana abarca muitos e diferentes fatores incidentais específicos. É por isso que o Catecismo declara:
2282. […] Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
Hoje sabemos, por exemplo, com o avanço da medicina, que há doenças mentais que transtornam o estado emocional de indivíduos por elas afetados, bem como prejudicam a estabilidade psicológica deles, podendo até incliná-las a atos drásticos e extremos. Isso não indica que o combate pela vida não deva ser enfatizado, sobretudo em um contexto como o contemporâneo, em que vigora em certos círculos sociais uma verdadeira “cultura de morte”. Contudo, a Igreja deve ser honesta ao declarar que Deus considera o drama vivenciado por cada pessoa em sua circunstância particular. No passado, pela falta de discernimento quanto a essa realidade, problemas como depressão, esquizofrenia, ansiedade generalizada e transtorno bipolar, foram mal compreendidos. Tais experiências são reais, e elas podem arruinar a saúde mental de pessoas cristãs devotas, o que nos força a uma postura de caridade e empatia, bem como também a apresentar nossa sincera e zelosa intercessão com prontidão.

Page 58: Healing of the possessed boy, Mc 9:14-29
A Escritura nos fornece o relato de um caso de possessão demoníaca como possível fonte de mazelas envolvendo comportamentos autodestrutivos que podem conduzir ao suicídio, um ensinamento que a Igreja também mantém:
O JOVEM FORÇADO POR UM DEMÔNIO A TENTATIVAS DE SUICÍDIO
E trouxeram-lho; e quando ele o viu, logo o espírito o agitou com violência, e, caindo o endemoninhado por terra, revolvia-se, escumando. E perguntou ao pai dele: Quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse-lhe: Desde a infância. E muitas vezes o tem lançado no fogo, e na água, para o destruir; mas, se tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos. E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade. E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele, e não entres mais nele. E ele, clamando, e agitando-o com violência, saiu; e ficou o menino como morto, de tal maneira que muitos diziam que estava morto. Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou.
Marcos 9, 20-27
O jovem vivia atormentado por uma força espiritual contra a qual não possuía capacidade humana para lutar. A Bíblia nos fornece ainda a segura informação de que aquilo ocorria desde a infância. Se considerássemos, em caso hipotético, que o menino realmente tivesse chegado a morrer na tenra idade, sem ter tido a chance do encontro com Jesus descrito em Marcos – que o curaria -, isso em decorrência das ações demoníacas. Será que Deus condenaria ao inferno uma criança que por razões desconhecidas estava à mercê de situação tão desesperadorra? O bom senso nos assegura que não. Ainda mais, se isso, o temor da pena, não deve impedir nossa esperança, confiados na fonte de misericórdia infinita que é Deus, tampouco deveria prejudicar as nossas orações. Foi esta a precisa recomendação de um doutor da Igreja chamado Santo Agostinho. Em uma célebre obra chamada “O Cuidado devido aos Mortos” [Leia mais aqui], ele argumenta que não devemos deixar de rezar pela alma de algum batizado, ou mesmo de oferecer-lhe a Missa em sufrágio, somente por presumirmos que tal pessoa está no inferno. Nós não podemos discernir o futuro eterno de ninguém, e há fatores que diminuem a culpabilidade de certos indivíduos, cuja consideração atenta é indispensável a um julgamento justo. Lembre-se: além de misericordioso, Deus é justo.
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