Por ocasião da morte do Papa João Paulo II, o Bispo Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade São Pio X, escreveu um comunicado de imprensa (publicado em www.sspx.org). Nela, ele elogiou o Santo Padre por seu incrível trabalho na área moral, mas o condenou por seus “esforços incansáveis. . . rumo ao ecumenismo”. Fellay, junto com muitos outros tradicionalistas radicais, frequentemente critica o Concílio Vaticano II e os papas subseqüentes por causa de seu apoio ao movimento ecumênico. Eles afirmam que apoiar o ecumenismo contradiz diretamente a posição dos papas anteriores (particularmente Pio XI) que se recusaram a participar de qualquer um dos esforços ecumênicos de sua época. Mas um exame mais detalhado da história mostra que sua afirmação é infundada.
A encíclica de 1928 de Pio XI, Mortalium Animos, condenou alguns dos esforços ecumênicos de sua época, mas para entender Mortalium Animos é necessário entender o contexto histórico em que foi escrito. Além disso, um estudo mais abrangente dos escritos e declarações de Pio XI mostra que ele tinha ideias mais parecidas com a posição do magistério hoje do que a SSPX nos faria acreditar.
PARA QUE TODOS SEJAM UM
Pode-se dizer que o movimento ecumênico moderno tem suas raízes na reunião de 1910 da Conferência Mundial de Missões em Edimburgo, Escócia. Esta reunião surgiu principalmente por causa dos problemas que os missionários estavam descobrindo no campo. Missionários de muitas denominações diferentes tentavam converter pessoas nas mesmas áreas, entrando em conflito uns com os outros. Os organizadores da conferência de Edimburgo procuraram especificamente evitar questões de doutrina; seu objetivo era mostrar uma frente unida, um cristianismo unido, para combater as questões do dia. Dois grandes grupos surgiram desta conferência:
Vida e Trabalho focado principalmente em missões e serviço. Eles [membros do grupo] mais ou menos evitavam questões de doutrina, concentrando-se em questões sociais.
Fé e Ordem, por outro lado, concentrava-se na forma de adoração e eclesiologia – ou seja, o que é uma igreja e como ela funciona. Enquanto Fé e Ordem de fato discutia questões de doutrina, era essa discussão puramente focada na capacidade de comparação; não procurava resolver as diferenças. Cada comunidade, de acordo com Fé e Ordem, tinha direito a suas próprias crenças, mesmo que fossem contraditórias. Afirmava especificamente que o propósito do movimento não era converter nenhuma comunidade às ideias da outra.
O trabalho de Fé e Ordem foi suspenso por um tempo durante a Primeira Guerra Mundial. Na tensão anterior à guerra, a política impossibilitou o encontro de pessoas de muitos países diferentes. Somente no ano de 1927 o movimento foi capaz de organizar sua primeira grande conferência. Um grupo de representantes foi ao Vaticano convidar o Papa Pio XI para participar da conferência. O Santo Padre acolheu calorosamente os visitantes e animou o espírito que os levou a buscar a unidade. Ao mesmo tempo, contudo, recusou-se firmemente a comparecer à conferência e proibiu a participação de qualquer católico nela. Embora não houvesse católicos na conferência, 450 pessoas representando noventa denominações diferentes compareceram. O programa pedia discussões sobre unidade, eclesiologia, sacramentos e ministério. Não surpreendentemente, pouco foi realizado. As diferenças doutrinárias não foram realmente discutidas, e a oposição entre as visões da “igreja alta” e da “igreja baixa” impediu os conferencistas de concordar até mesmo sobre a natureza do movimento ecumênico. No final, a característica mais significativa da conferência foi o fato de ela ter acontecido.
“UM ERRO GRAVÍSSIMO”
Esta era, portanto, a situação que Pio XI enfrentava quando decidiu escrever Mortalium Animos, que condenava veementemente os erros que o Santo Padre via de forma manifesta nos movimentos ecumênicos da época. Ele reconheceu que, superficialmente, esses esforços pareciam bons e valiosos. Mas, alertou:
Na verdade, sob os atrativos e os afagos destas palavras oculta-se um gravíssimo erro pelo qual são totalmente destruídos os fundamentos da fé. (MORTALIUM ANIMOS 5).
Ele passou então a descrever os erros. Primeiro, aqueles que encorajavam esses esforços negavam a realidade visível da Igreja de Cristo, sustentando que a verdadeira Igreja é apenas invisível:
Mas, pelo contrário, julgam que a Igreja perceptível e visível é uma Federação de várias comunidades cristãs, embora aderentes, cada uma delas, a doutrinas opostas entre si. (MORTALIUM ANIMOS 8).
Em segundo lugar, ele criticou os esforços que buscam negar as contradições encontradas nas crenças de muitos cristãos. Ao sustentar que apenas um punhado de doutrinas, ou os chamados “fundamentos”, realmente requerem a unidade de crença, eles permitiram contradições diretas dentro de sua “Igreja de Cristo” invisível. E viam essas diferenças e contradições como sem importância:
Acrescentam que a Igreja é, por si mesma, por natureza, dividida em partes, isto é, que ela consta de muitas igreja ou comunidades particulares, as quais, ainda separadas, embora possuam alguns capítulos comuns de doutrina, discordam todavia nos demais… Assim, dizem, é necessários colocar de lado e afastar as controvérsias e as antiquíssimas variedade de sentenças que até hoje impedem a unidade do nome cristão e, quanto às outras doutrinas, elaborar e propor uma certa lei comum de crer… (MORTALIUM ANIMOS 9).
É à luz desses erros que o Santo Padre condenou tais esforços de “pancristianismo”, como ele mesmo chamou:
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé, não pode, de modo algum, participar de suas assembléias e que, aos católicos, de nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas (MORTALIUM ANIMOS 10).
OLHANDO PARA O ORIENTE
Em vez disso, Pio XI concentrou seus esforços ecumênicos na reunião com as Igrejas Orientais. Desde o início de seu papado, ele trabalhou pela unidade com o Oriente, incentivando o estudo da teologia e do pensamento orientais. No mesmo ano em que foi eleito, Pio XI reorganizou o Instituto Oriental justamente para esse fim. Um ano depois, Pio XI publicou o Ecclesium Dei, no qual encorajava o estudo e o abandono de preconceitos:
Estamos convencidos de que a partir do conhecimento correto dos fatos isso resultará numa justa apreciação dos homens e, ao mesmo tempo, naquele espírito reto de boa vontade que, unido ao amor de Cristo, não pode deixar de assistir grandemente, auxiliando Deus, na realização da unidade religiosa (ECCLESIUM DEI 20).
O que é muito mais importante é que, se os homens obedecerem escrupulosamente aos ensinamentos do mesmo Apóstolo, eles não apenas deixarão de lado seus preconceitos, como também vencerão suas vãs suspeitas uns para com os outros, seus enganos e ódios, e em resumo, todas essas animosidades tão contrárias ao espírito de amor cristão, que separa as nações umas das outras (ECCLESIUM DEI 21).
Pio XI escreveu Ecclesiam Dei para alcançar as Igrejas Orientais, que têm ordens sagradas válidas e sucessão apostólica. Esta é claramente uma situação diferente daquela situação em que se encontram as comunidades eclesiais que se desenvolveram a partir da Reforma Protestante, embora os princípios de diálogo e respeito mútuo expressos na encíclica possam ser facilmente traduzidos para as comunidades protestantes.
DEBATES DE ABERTURA COM PROTESTANTES
Outra indicação da verdadeira atitude do Papa Pio XI em relação ao ecumenismo são as Conversas Malines, uma série de encontros realizados durante um período de seis anos entre anglicanos e católicos com o objetivo de estabelecer um diálogo ecumênico. Eles não foram iniciados principalmente para negociar os termos da reunião, mas sim para discutir diferenças doutrinárias por uma questão de clareza. Na verdade, os participantes das conversas não tinham autoridade sobre o reencontro; eles se encontraram simplesmente como teólogos. Pio XI expressou apoio a essas conversas. O secretário de Estado do Vaticano, Pietro Cardinal Asparri, conforme escreveu Cardeal Joseph Mercier, arcebispo de Malinas, disse o seguinte sobre as conversas:
O Santo Padre autoriza Vossa Eminência a dizer aos anglicanos que aprova e encoraja suas conversas e reza de todo o coração para que o bom Deus os abençoe.
Nas Conversas de Malinas, os princípios estabelecidos por Pio XI em relação às Igrejas Orientais foram aplicados aos anglicanos. O foco era estudar, esclarecer e aumentar a caridade, não converter ou expressar a superioridade da Igreja Católica. Seu apoio a essas conversas demonstra que ele acreditava que os católicos poderiam discutir doutrina com não-católicos em caridade e compreensão e que nem todas as conversas com não-católicos precisavam ter o único propósito de convertê-los à fé católica.
SEGUINDO A TRADIÇÃO
Com esta visão mais completa de Pio XI, podemos ver que ele não se opôs ao ecumenismo em geral, como pode ser visto em trechos isolados do Mortalium Animos. Ele condenou os erros e excessos que caracterizavam o movimento ecumênico inicial e defendeu ativamente a doutrina da Igreja contra aqueles que negavam sua existência visível e sua unidade inerente. Ele se recusou a participar ou permitir que os católicos participassem de congressos que buscavam unir todas as igrejas em uma única igreja — isso exigiria que a Igreja Católica mudasse suas doutrinas. De fato, o zelo e a esperança prematura do incipiente movimento ecumênico levavam à confusão e à superficialidade teológica. Pio XI escolheu um caminho de prudência com o fim de manter a Igreja Católica a salvo dos erros do “pancristianismo”.
Mas ele também estabeleceu princípios para o verdadeiro ecumenismo. Nas suas relações com as Igrejas orientais e com a comunhão anglicana, demonstrou equilíbrio entre reserva e abertura. O diálogo, segundo Pio XI, deve basear-se num estudo doutrinal sério. Nenhum diálogo pode ser frutífero se as posições reais das partes não forem compreendidas e claramente expressas. O conhecimento preciso das doutrinas do outro lado é a chave para qualquer esforço de reunião. O diálogo deve visar a compreensão e a correção de mal-entendidos. Além disso, o respeito mútuo e a caridade são características de qualquer verdadeiro ecumenismo. Esses princípios estabelecidos por Pio XI formam a base do ecumenismo na Igreja hoje. Discussão doutrinária, compreensão e caridade ainda são as chaves para um ecumenismo eficaz; mas uma negação da necessidade de unidade de crença como base para a unidade da Igreja ainda é condenada. Décadas depois, o Concílio Vaticano II afirmou esse princípio. O Unitatis Redintegratio afirma:
O modo e o método de formular a doutrina católica de forma alguma devem transformar-se em obstáculo por diálogo com os irmãos. É absolutamente necessário que toda a doutrina seja exposta com clareza. Nada tão alheio ao ecumenismo como aquele falso irenismo pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e é obscurecido o seu sentido genuíno e certo. (UNITATIS REDINTEGRATIO 11).
Foto de Philip Alexius de László via Winkipedia Commons
Tradução de Kertelen Ribeiro do texto Pope Pius XI and Ecumenism
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REFERÊNCIA




