Uma Breve resposta ao Rev. Augustus Nicodemus sobre os protestantes holandeses durante a invasão do século XVII

Victor Rodrigues

Victor Rodrigues

No século XVI, os holandeses invadiram o Brasil. Nessa ocasião o protestantismo tentou se estabelecer no país. O teólogo protestante calvinista Augustus Nicodemus fala sobre isso em um de seus livros.

 

[…] houve uma segunda tentativa de evangelização por parte dos protestantes no Brasil, que foi o período da dominação holandesa no Nordeste. Os holandeses, ao contrário dos portugueses, eram protestantes. Junto com os soldados enviados, vieram pastores, com a missão de pregar e ensinar o evangelho de Cristo. Em cerca de vinte anos, os protestantes holandeses catequisaram índios, pregaram o evangelho e acabaram sendo expulsos pelos portugueses”.

Augustus Nicodemus. Cristianismo Simplificado

 

E foi só isso? Quem lê esse trecho do livro do sr. Augustus Nicodemus imagina que os protestantes simplesmente pregaram pacificamente, e depois, coitados, acabaram sendo expulsos de maneira injusta pelos portugueses católicos que aqui estavam. Porém, as coisas não foram tão simples assim! O livro Brasileiros Heróis da Fé (Vol. I), do autor Manuel E. Altenfelder Silva, narra em detalhes algumas das coisas que os tais protestantes fizeram no Nordeste brasileiro durante a invasão holandesa. Cito aqui em alguns trechos:

 

“Duras, honrosas e por demais humilhantes foram as provações por que passaram milhares de brasileiros, durante os vinte e quatro anos em que os holandeses permaneceram em nossa pátria.

Repetiram-se, então, aquelas cenas diabólicas […] ocorridas durante os reinados de Henrique VIII e Isabel, da Inglaterra, contra os católicos de seu país.

Protestantes, trazendo na alma sentimentos de ódio aos adeptos do catolicismo, e de desenfreada cobiça, os invasores holandeses por toda parte semearam a morte, tingiam as mãos no sangue de inocentes vítimas, violaram lares, profanavam templos, praticavam, enfim, crimes os mais hediondos.

Deus, entretanto, protegia a Terra de Santa Cruz, suscitando para sua defesa bravos e heroicos cabos de guerra, como Antônio Felipe Camarão, Henrique Dias, Vidal de Negreiros, e outros que varreram do solo sagrado do Brasil os pérfidos invasores.

Um dos primeiros gestos dos hereges, chegando a Pernambuco, foi a prisão de padres do clero secular e regular, que metidos nos porões de navios, depois de torturados e insultados, eram desembarcados em longínquas praias, onde encontravam a morte.”

 

Os protestantes holandeses faziam questão de mostrar o que mais odiavam na doutrina católica: a Eucaristia. É conhecido de todos que os católicos creem que, após a consagração, o pão e o vinho se tornam verdadeiramente o Corpo e o Sangue de Cristo, e entre os protestantes não existe doutrina como essa.

 

“Chegando o holandês Jacob à povoação de Cunhaú, a 15 de junho de 1645, mandou logo afixar editais, ordenando, em nome do governador, que a população se reunisse na igreja, a fim de lhes falar.”

“Permitia-lhes, entretanto, o herege, que essa reunião se realizasse no dia seguinte, que era domingo, depois da Missa, para cuja celebração ele dava consentimento.

Encheu-se a igreja, com exclusão de alguns moradores do lugar, que desconfiados das intenções de Jacob, se refugiaram nos engenhos. A Missa andava pela metade. No momento em que o celebrante elevava o Corpo Divino de Jesus, para adoração dos fiéis, eis que os hereges invadem a igreja, e dão início à carnificina.”

 

O protestantismo desse período histórico ainda era predominantemente enraizado, não só nas ideias de Lutero e Calvino, mas também na sua intolerância, que ainda eram as mesmas do século anterior, quando o protestantismo se iniciou na Europa. Essas ideias que bagunçaram o continente europeu estavam agora entrando em solo brasileiro. Pregando um cristianismo baseado na opinião desses dois homens, os holandeses insistiam em tirar os católicos da Igreja de Cristo. Como muitos se negavam a isso, eram martirizados.

 

“Os hereges, depois de fazerem apologia dos ensinamentos de Lutero e Calvino, convidaram-nos a renegar o catolicismo, sob pena de morte. Os invictos católicos, firmes na fé, responderam que não trocavam a Religião divina a que tinham a ventura de pertencer, desde berço, pelos infames ensinamentos de homens vis como Lutero e seus sequazes.

Ainda mais enfurecidos os hereges, com tão nobre resposta, caíram sobre eles e os martirizaram.”

“Mas, nem todos sofreram o mesmo gênero de martírio. Antônio Baracho e Matheus Moreira, por exemplo, foram amarrados a troncos de árvores e açoitados; em seguida, arrancaram-lhes as entranhas e encheram o vácuo com brasa. Que outro martírio mais doloroso poderiam proporcionar-lhes seus algozes?”

 

Algumas das vítimas desses massacres são conhecidas como “os mártires de Cunhaú e Uruaçú”, que, inclusive, foram beatificados pelo Papa São João Paulo II no ano 2000, e que foram canonizadas pelo Papa Francisco em 2017. Estes são os primeiros santos mártires do Brasil. Os relatos desses massacres não são contados somente por autores católicos, mas também podem ser facilmente encontrados em sites e livros seculares. Cunhaú e Uruaçú correspondem atualmente às cidades de Canguaretama e São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte.

 

 Uma batalha perto de uma costa entre espanhóis e holandeses desembarcando – 1641
Por Abraham Willaerts – Domínio Público

 

Não quero com isso sugerir que nada de bom houve na presença holandesa no Brasil no que diz respeito a diversas questões, nem agir com algum viéis anacrônico, sem a devida compreensão da mentalidade da época, mas a verdade deve ser dita com clareza. O trecho do livro do Rev. Augustus Nicodemus é extremamente raso e omite informações importantíssimas sobre o assunto. Acaba por ser pobre de conteúdo. Isso prejudica o entendimento do leitor, e faz acreditar que, nessa ocasião, os católicos perseguiram os protestantes e os expulsaram simplesmente porque eles estavam pregando o Evangelho. Vimos que o que ocorreu foi algo bem diferente. Todavia, essa forma rasa de falar de questões históricas não é uma novidade. Muitos protestantes tornaram a figura de Lutero num “piedoso padre alemão que só queria que as pessoas pudessem ler a Bíblia, pois a Igreja os proibia”. Uma fantasia foi criada e colocada no lugar da história real. Essa fantasia esconde que, na verdade, a Reforma Protestante, e muitos dos movimentos religiosos subsequentes que surgiram por conta dela, foram extremamente sangrentos e intolerantes com aqueles que não comartilhavam de seus ideais ou que não estavam dispostos a abraçar a nova fé. Não houve verdadeira reforma, o que houve foi uma revolta contra a autoridade da Igreja de Cristo e a tentativa de substituir seu Magistério por um novo, composto por aqueles homens que encabeçaram o movimento.

O que podemos perceber com isso é que ao tratar de determinadas questões históricas, alguns dos teólogos protestantes omitem diversas coisas, principalmente as que demonstram quem realmente eram os fundadores ou bastiões do protestantismo, seja a natureza do movimento, o caráter de suas figuras centrais ou as ações e resultados delas decorrentes, tanto com reação aos homens que invadiram o Brasil quanto que perturbaram a Europa.

 

By Cornelis Golijath/ Georg Marcgrave/ Joan Blaeu – This digital media file – and/or the physical objects depicted on it – originates from the digital and/or physical collections of the Koninklijke Bibliotheek, national library of the Netherlands., Domínio Público

 

 

 

 

Picture of Victor Rodrigues

Victor Rodrigues

Antônio Victor Matos Rodrigues, formado em Administração de Empresas e escritor independente, convertido ao catolicismo após viver como protestante desde a infância até os 27 anos.

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Antônio Victor Matos Rodrigues, formado em Administração de Empresas e escritor independente, convertido ao catolicismo após viver como protestante desde a infância até os 27 anos.

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