Só a Graça (Sola Gratia) é um Ensinamento perfeitamente Católico

Dave Armstrong

Dave Armstrong

N.T. Dave Armstrong responde católico que argumentou que o Sola Gratia era intrinsecamente Herético. O apologista americano discorda, elencando argumentos que provam ser a doutrina compatível com o Catolicismo

 

Escrevi isso em resposta a um crítico meu, chamado Juan (palavras em  vermelho-vinho), que participa ativamente de uma discussão acalorada sobre mérito e questões relacionadas  que está ocorrendo no  Fórum da Comunidade Católica. Os apologistas católicos (e meus amigos pessoais) John Martignoni e Jimmy Akin também estão sendo acusados ​​de deturpação da fé católica e de “erro grave”. Tenho orgulho de estar do lado deles. Nenhuma das acusações resiste a um exame minucioso. Já abordei a doutrina católica sobre mérito e essas falsas acusações em um artigo anterior. A Igreja Católica ensina que boas obras podem ser verdadeiramente boas antes da regeneração e justificação (em oposição à doutrina da depravação total), mas não que elas podem, em qualquer sentido, nos justificar ou ser meritórias.

 

Domínio Público

Shealeah Craighead


Boas obras feitas  após  a justificação  são  (se certas condições forem atendidas) meritórias e podem contribuir para a salvação e obtenção da vida eterna, mas somente se elas estiverem acompanhadas a graça, que as absorve e as capacita, sendo esta graça a única coisa que nos salva de fato. Os católicos acreditam em  sola gratia. Mas essa fé não é separada das obras (segundo Tiago). A fé inerentemente inclui tais obras (até Lutero e Calvino concordam com isso). Mas não somos salvos somente pela fé (é aí que o protestantismo erra); somos salvos somente pela graça. Esse é o ensinamento católico.

 

SOTERIOLOGIA

 

Duas audiências gerais dadas pelo Papa Bento XVI são excelentes exposições da soteriologia católica:

19 de novembro de 2008

26 de novembro de 2008


Juan [católico]:

A Igreja Católica ensina a salvação pelas obras. Ela também ensina a salvação pela fé.  E a salvação pela graça. A Igreja Católica não ensina a salvação somente pelas obras,  nem a salvação somente pela fé,  nem a salvação somente pela graça. A Igreja Católica não ensina que Jesus é Deus ou homem.  Mas que Jesus é Deus e homem.  É  ambos/e. Não um ou outro. PELA GRAÇA DE DEUS, somos salvos por meio da nossa fé e obras.

 

Minha resposta: É preciso entender que, quando um protestante ouve “salvação pelas obras”, imediatamente ele pensa em “pelagianismo”. E isso não é um comportamento irracional, pois essa heresia ensinava de fato que a salvação era pelas obras. Portanto, é imprudente afirmar sem qualquer reserva: “A Igreja Católica ensina a salvação pelas obras”. Sua fórmula final foi, creio eu, muito melhor:

 

PELA GRAÇA DE DEUS, somos salvos por meio da nossa fé e obras.

 

Ficou bom. Mas ainda pode ser mal interpretado pelos protestantes como semipelagianismo (acontece o tempo todo; acredite, eu  sei bem, por ter lidado com eles durante 18 anos e por ter sido um deles). Eu modificaria ainda um pouco mais, para o seguinte:

 

PELA GRAÇA DE DEUS, somos salvos por meio da nossa fé; essa fé implica, por sua própria natureza, boas obras, sempre possibilitadas pela graça prévia, sem a qual ela é morta.

 

Essas são as distinções necessárias que devemos fazer para não sermos mal interpretados como pelagianos ou semipelagianos. Além disso, ensinamos a salvação somente pela graça, na medida em que a graça capacita toda a fé e as boas obras meritórias, as quais fazem parte do pacote de justificação/santificação e da eventual salvação final. A graça é primordial em todo o processo, portanto, nesse sentido muito verdadeiro, podemos dizer “somos salvos somente pela graça” — ao passo que nunca podemos dizer “somos salvos somente pela fé” (ou seja, sem que as obras desempenhem qualquer papel no processo) — o que constitui uma heresia protestante clássica. Assim como também não podemos dizer: “somos salvos somente pelas obras” — que é a heresia pelagiana, contra a qual Santo Agostinho lutou tão vigorosamente.

 

Juan [católico]:

 

Agradeço sua preocupação com a minha fraseologia. Mas tenho as mesmas preocupações com a sua.  A Igreja Católica ensina a salvação pelas obras.  Ela também ensina a salvação pela fé. E a salvação pela graça. Negar qualquer uma dessas três é negar a Doutrina Católica. Pura e simplesmente. Isso é grave o suficiente, mas…  Também me preocupo com meus irmãos católicos, que sempre aprenderam que as boas obras são necessárias para a salvação. Acredito que afirmações como a que você fez: “Eles pensam erroneamente que o catolicismo ensina a salvação pelas obras, então sempre que um católico fala sobre justificação pela fé, eles pensam falsamente (com base em suas falsas premissas) que ele viu a luz e agora está pensando como um protestante”. confundem os bons devotos católicos que acreditam exatamente nisso. E com razão, já que é verdade.

 

Minha resposta:

Também ensinamos a salvação somente pela graça.

 

Juan [católico]: Não, não ensinamos. Essa é a heresia conhecida como “monergismo”.

 


Foi o Juan que em parte caiu na armadilha do pensamento “ou isto ou aquilo”, o que é estranho, já que ele postou um link para uma página que se opunha a esse tipo de raciocínio com razão.

 

Minha resposta:

 

Você quer se reservar o direito de dizer “salvação pelas obras” como se essa fosse uma afirmação verdadeira por si só. Mas a verdadeira posição católica sempre incluirá as obras  ao lado  da graça e da fé. Ambas/e… assim como Escritura/Tradição/Igreja são  ambas/e  e não  “uma coisa ou outra” [como se fossem autoexcludentes]. Não ensinamos nem sola Scriptura, nem  sola ecclesia, nem sola traditio. O mesmo ocorre com o triunvirato fé/obras/graça. Mas se alguma coisa pode ser considerada primária, em qualquer sentido da palavra (falo amplamente de maneira retórica aqui), é certamente a graça, não as obras ou a fé.

 

O Monergismo e o Sola Gratia

 

Minha resposta: Você diz que a graça somente [sola gratia] é “monergismo”, mas isso está incorreto. O monergismo [conforme entendido em comunidades protestantes] é a heresia do calvinismo ou da dupla predestinação. A graça somente [sola gratia] é uma categoria mais ampla do que isso e não deve ser reduzida apenas ao calvinismo. A posição católica é que a graça é a causa última de nossas decisões de livre-arbítrio e de nossas boas obras, em cooperação com essa graça, enquanto o calvinismo/monergismo rejeita o livre-arbítrio por completo (essa era a essência do debate entre Lutero e Erasmo, que tenho estudado ultimamente) e todas as boas obras antes da regeneração (ou seja, uma depravação total, que os católicos também negam veementemente). Além disso, você não precisa me informar sobre a necessidade de boas obras como parte do processo de salvação (além da mera santificação, onde os protestantes as colocam em relação à salvação). Pois já tenho um artigo online com 50 passagens mostrando a centralidade das obras como o critério central pelo qual Deus julga se alguém é salvo ou não: “O Juízo Final nas Escrituras está Sempre Associado às Obras e Nunca Somente à Fé (50 Passagens)”.


Mesmo assim, eu jamais descreveria a soteriologia católica como “salvação pelas obras”, pelas importantes razões que expliquei acima. O único ponto de vista ao qual essa descrição pode ser adequadamente atribuída é à heresia do pelagianismo.

Toda heresia isola e exagera grosseiramente um aspecto da fé (Eis aí a mentalidade de “ou isto ou aquilo” novamente), em vez de incorporá-lo em uma relação orgânica com outros aspectos da mesma fé: dos quais não pode ser extraído. É ísso que muitos católicos fazem, quando falam de forma prejudicial de “salvação pelas obras”. Já expliquei  exatamente o que quis dizer com “somente a graça”. Eu me referi em relação às obras e com respeito à fé, não isolada delas. Essa é a chave. É assim que devemos entender e explicar aos outros. Além disso, ignorar o aspecto contextual e social da nossa linguagem e dos termos usados, em relação aos protestantes que nos observam – alguns dos quais podem até se tornar católicos no futuro – de modo que podem muito bem interpretar mal a fé católica, é ignorar o conselho muito sábio e magistral do Concílio Vaticano II:

 

[…] primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e ações que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles… depois, o «diálogo» estabelecido entre peritos competentes, em reuniões de cristãos das diversas Igrejas em Comunidades, organizadas em espírito religioso, em que cada qual explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da vida de cada Comunhão […]  É preciso conhecer a mente dos irmãos separados. Para isso, necessariamente se requer um estudo, a ser feito segundo a verdade e com animo benévolo. Católicos devidamente preparados devem adquirir um melhor conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica, da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos. Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar principalmente de questões teológicas, onde cada parte dever agir de igual para igual, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos. De tal diálogo também se ver mais claramente qual é a situação real da Igreja católica. Por esse caminho se conhecer outrossim melhor a mente dos irmãos separados e a nossa fé lhes ser mais aptamente exposta. 

Decreto sobre o Ecumenismo  [ Unitatis Redintegratio ], 4, 9)

 

Estudando, sob a orientação do magistério, a Sagrada Escritura, os santos Padres e Doutores, e as liturgias das Igrejas, expliquem como convém as funções e os privilégios da Santíssima Virgem, os quais dizem todos respeito a Cristo, origem de toda a verdade, santidade e piedade. Evitem com cuidado, nas palavras e atitudes, tudo o que possa induzir em erro acerca da autêntica doutrina da Igreja os irmãos separados ou quaisquer outros.

(Constituição dogmática sobre a Igreja [ Lumen Gentium ], 67)

 

 

Você pode não gostar da terminologia “somente a graça”, mas o Santo Padre, o Papa Bebnto XVI gosta (e no mesmo sentido em que eu a empreguei):

 

De fato, é a ele e meramente à sua graça que devemos o que somos como cristãos.

(Audiência Geral, 8 de novembro de 2006 )

 

A consciência de que só a graça divina tinha podido realizar uma tal conversão nunca abandonou Paulo. Quando já tinha dado o melhor de si, consagrando-se incansavelmente à pregação do Evangelho, escreveu com renovado fervor: “tenho trabalhado mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus, que está comigo” (1 Cor 15, 10). Incansável como se a obra da missão dependesse totalmente dos seus esforços, São Paulo foi contudo sempre animado pela profunda persuasão de que a sua força provinha da graça de Deus que agia nele.

(Homilia de  25 de janeiro de 2008 )

Como sempre, seguirei seu exemplo e recomendo fortemente que outros façam o mesmo.

 

Foto: Francisco de Zurbarán (1598–1664)

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Dave Armstrong

Dave Armstrong é um apologista católico americano e escritor de inúmeros livros, cujo site "Biblical Evidence for Catholicism" (www.biblicalcatholic.com) inclui material robusto e de grande valor para aqueles que desejam conhecer mais profundamente a doutrina da Igreja Católica. Com mais de 2.500 artigos defendendo o catolicismo, foi premiado pela Revista Envoy em 1998 e conta com mais de dois milhões de visitantes regularmente. Dave Armstrong tem proclamado e defendido ativamente o cristianismo desde 1981 e foi recebido na Igreja Católica em 1991.

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Dave Armstrong é um apologista católico americano e escritor de inúmeros livros, cujo site "Biblical Evidence for Catholicism" (www.biblicalcatholic.com) inclui material robusto e de grande valor para aqueles que desejam conhecer mais profundamente a doutrina da Igreja Católica. Com mais de 2.500 artigos defendendo o catolicismo, foi premiado pela Revista Envoy em 1998 e conta com mais de dois milhões de visitantes regularmente. Dave Armstrong tem proclamado e defendido ativamente o cristianismo desde 1981 e foi recebido na Igreja Católica em 1991.

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