Santo Agostinho Acreditava na Salvação somente pela fé?

Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Se há um Pai da Igreja que os protestantes tendem a respeitar (e querem recrutar para seu lado nas questões católico-protestantes), é Santo Agostinho. Martinho Lutero disse que Agostinho “fez mais do que todos os bispos e papas, os quais não podem se comparar a ele” e ainda disse: “se ele vivesse agora, ficaria do nosso lado, mas Jerônimo nos condenaria”. É popular ouvirmos alguma afirmação assim… que se Agostinho estivesse vivo no século 16 (ou mesmo hoje), ele seria um protestante. B.B. Warfield afirmou que “a Reforma, considerada internamente, foi apenas o triunfo final da doutrina da graça de Agostinho sobre a doutrina da Igreja de Agostinho”.

Obviamente, Agostinho era um bispo católico, e os protestantes não podem aceitar isso. Mas teologicamente, os protestantes às vezes gostam de reivindicar Agostinho como um deles em questões como a justificação. Os protestantes tendem a acreditar na justificação (que é a justificação somente pela fé), enquanto os católicos acreditam que, embora a justificação inicial seja somente pela fé, essa fé deve ser acompanhada por caridade ativa (tomando a forma de boas obras), ou não tem valor. Nathan Busenitz, adotando a visão protestante, afirma que “o sola fide não foi uma invenção do século XVI” e diz “Agostinho – cujo ensino sobre a justificação é fortemente debatido – pode de fato ser visto como um antepassado teológico dos reformadores”. Vale a pena notar que Lutero (que inventou o sola fide) na verdade rejeitou tal ideia, dizendo que “embora bom e santo, ele [Agostinho] ainda carecia da verdadeira fé, assim como os outros pais”. Quando os católicos dizem que a posição de Lutero sobre a justificação é contrária a todos os Pais da Igreja, eles estão apenas concordando com o próprio fundador do protestantismo. Mas e Agostinho?

Para ser honesto, parte de mim questiona a integridade intelectual das pessoas que tentam reivindicar Agostinho como protestante na justificação, por três razões. Primeiro, porque os próprios reformadores pareciam estar cientes de que estavam rejeitando Agostinho (e todos os outros) nesse ponto. Em segundo lugar, porque as pessoas que fazem essa afirmação tendem a argumentar contra um completo espantalho da visão católica, como se estivéssemos ensinando Pelagianismo ou Semipelagianismo (e quem pensa dessa forma ou não estudou, ou não entende a posição católica). E terceiro, porque as pessoas que afirmam que Agostinho rejeitou a salvação pela fé e pelas obras tendem a ignorar totalmente o livro que ele escreveu chamado Sobre Fé e Obras. Se você estivesse realmente tentando descobrir no que o homem acreditava (em vez de enviar um texto prova para levá-lo a concordar com suas crenças preexistentes), não seria de maior ajuda ler o livro que ele mesmo escreveu sobre o assunto? E de fato, Agostinho não poderia ser mais claro:

 

Consideremos agora a questão da fé. Em primeiro lugar, sentimos que devemos advertir os fiéis que eles colocariam em perigo a salvação de suas almas se agissem com base na falsa certeza de que somente a fé é suficiente para a salvação ou que não precisam realizar boas obras para serem salvos. Isso, de fato, é o que alguns pensavam mesmo no tempo dos apóstolos. Pois naquela época havia alguns que não entendiam certas passagens um tanto obscuras de São Paulo, e que pensavam, portanto, que ele havia dito: Façamos o mal para que venha o bem [Rom. 3:8]. [….] Quando São Paulo diz, portanto, que o homem é justificado pela fé e não pela observância da lei [Rom. 3:28], ele não quer dizer que as boas obras não sejam necessárias ou que basta receber e professar a fé e nada mais. O que ele quer dizer e o que ele deseja que entendamos é que o homem pode ser justificado pela fé, mesmo que ele não tenha realizado anteriormente nenhuma obra da lei. Pois as obras da lei são meritórias não antes, mas depois da justificação. Todavia, não há necessidade de discutir mais este assunto, especialmente porque já tratei dele longamente em outro livro intitulado Sobre a Letra e o Espírito. Como dissemos acima, esta opinião se originou no tempo dos apóstolos, e é por isso que encontramos alguns deles, por exemplo, Pedro, João, Tiago e Judas, escrevendo contra ela em suas epístolas e afirmando fortemente que a fé não é boa sem as obras. [….] Podemos ver, então, por que São Pedro em sua segunda epístola exorta os fiéis a viver uma vida boa e santa, lembrando-os de que este mundo passará e que eles devem procurar novos céus e uma nova terra que os justos habitarão e, consequentemente, devem viver de modo a serem dignos de tal morada. Ele estava ciente do fato de que certos homens injustos haviam interpretado algumas passagens um tanto obscuras de São Paulo como significando que eles não deveriam levar uma vida boa, uma vez que tinham certeza da salvação desde que tivessem fé. Ele os adverte que, embora existam certas passagens nas epístolas de São Paulo que são difíceis de entender – passagens que alguns interpretaram mal, e outras da Sagrada Escritura, mas isso para sua própria ruína -, no entanto, São Paulo tem a mesma opinião sobre a questão da salvação eterna como todos os outros apóstolos, ou seja, que a salvação eterna não será dada exceto para aqueles que levam uma vida justa.

 

Então, o que podemos tirar disso?

 

  • Agostinho acreditava (como a Igreja Católica acredita hoje) que a justificação inicial é somente pela fé, mas que boas obras são necessárias para a salvação depois disso;
  • Agostinho acreditava que essas boas obras eram meritórias;
  • Agostinho rejeitou explicitamente a ideia de salvação somente pela fé;
  • Agostinho acreditava que essa heresia existia no tempo dos apóstolos e que grandes passagens do Novo Testamento foram escritas refutando-a;
  • Agostinho acreditava que é possível ter fé e não amor, e que tal fé não salva (em outras palavras, ele rejeitava o mito protestante moderno de que se você tiver fé, você terá “naturalmente” a virtude teológica da caridade, ou “automaticamente” fará boas obras); e
  • Agostinho acredita que São Pedro, em 2 Pedro 3:14-17, está especificamente alertando as pessoas que entendiam mal aquilo que Paulo queria dizer, interpretando que ele estava ensinando o sola fide quando na verdade ele não estava.
  • Tudo isso é exatamente o que os católicos modernos acreditam, e Agostinho não faz rodeios ao dizer nada disso. Uma das implicações deve ficar clara: nem todo mundo que rejeita sola fide é pelagiano! Agostinho foi a figura mais importante responsável por impedir a disseminação do pelagianismo e do semipelagianismo, e ele o fez sem se apegar ao sola fide. Portanto, os apologistas protestantes que tratam o pelagianismo e o protestantismo como as duas únicas opções estão claramente errados.

 

Agora, se, como protestante, você lê isso e diz: “As opiniões de Agostinho são minhas também!” então parabéns, e você acredita na mesma coisa que a Igreja Católica. Isso é ótimo! Por outro lado, há protestantes que pensam que qualquer um (incluindo Agostinho!) que acredita nessas coisas não pode ser considerado cristão. Mas aí que está. São essas as apostas. Você pode concordar com Agostinho sobre a justificação, ou pode concordar com os reformadores, mas não pode fingir que os dois concordam um com o outro ou que ambos estão ensinando a mesma coisa.

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do texto Did St. Augustine Believe in Salvation by Faith Alone?

 

 

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Joe Heschmeyer

Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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