Vi recentemente um protestante usar como base argumentativa contra o catolicismo a definição de um dicionário de língua portuguesa da palavra veneração, que a apresenta como sinônimo de adoração. Segundo ele, essa era a prova cabal de que os católicos são idólatras.
É no mínimo pueril usar o dicionário português para embasar algo que é universal (prática de veneração); todavia, mesmo nos atendo ao português, existe um detalhe interessante: as vírgulas, que trazem mais de um significado para a mesma palavra. Venerar também é: admiração, consideração, reverência etc. Por exemplo: no nosso dicionário, podemos encontrar para a palavra “amor” desde forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade etc… Até atração baseada no desejo sexual. Aqui percebe -se como é complicado usar como argumento contra a prática católica o fato de que no dicionário em português, um dos significados de venerar é adorar. Ao se propor que os católicos pontuem as diferenças práticas entre veneração, hiperdulia e adoração, a reposta é simples.
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- Veneração aos santos: é uma profunda admiração que podemos expressar em músicas, gestos (ajoelhar-se, por exemplo) e na busca por relacionar-se (pedido de intercessão, uso de imagens sacras representativas etc.)
- Hiperdulia: se trata de uma veneração mais especial, devido à dignidade de Maria (ser mãe de Deus), que nos faz ter as práticas mais arraigadas e “apaixonadas” da veneração. Por exemplo: recordamos mais de Maria do que de Santo Tomás de Aquino, por exemplo. Ela está mais presente na liturgia, nas datas comemorativas, etc. Nutrimos um amor especial pela mãe do Nosso Senhor.
- Adoração: a adoração por excelência na fé católica é o Santo Sacrifício da Missa. O Sacrifício da Missa pode, é verdade, ser em honra de algum santo, por alguma intenção específica também etc. Porém, o oferecimento da Missa é somente a Deus Nosso Senhor. Na liturgia romana é dito: (o povo) “receba o Senhor por tuas mãos esse sacrifício.”, (Padre): “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso…” Etc.
O catecismo da Igreja Católica, responde a questão:
“A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso. <<Ao Senhor te Deus adorarás, só a Ele prestarás culto>> (Lc 4,8) – diz Jesus, citando Deuteronômio (Dt 6,13)”
Observe a sutileza de tal argumentação:
Um beijo é um ato que exprime afeto;
Judas Iscariotes escolheu trair Jesus tendo esse ato como sinal;
certamente a Mãe do Senhor, Maria, já o beijou;
logo, a Mãe do Senhor traiu Jesus.
É absurdo afirmar a lógica desse argumento, certo? Logo, dizer que atos de ajoelhar-se, prestar homenagem, ter imagem constitui uma prova de adoração ilícita a um falso deus per si, ou seja, que por si só tais práticas implicam necessariamente esse pecado é ilógico. Se somente porque houve no mundo pessoas que atuaram adorando ídolos por meio de tais gestos provasse que venerar é o mesmo que adorar, então o fato de Judas e Maria terem realizado o mesmo gesto em direção a Jesus prova que ambos são a mesma coisa, o que é uma falsa abordagem, somente pelo fato de esses atos também serem repetidos para adoração e veneração, como o exemplo do beijo. Recomendo três livros a todos:
1- Catecismo da Igreja Católica (o amarelo).
2- Está na bíblia. Os versículos católicos. Autor: Dave Armstrong.
3-Manual da Santa Missa. Autor: Rafael Brodbeck.
Via de regra, protestantes confundem atos de veneração com adoração, porém parte disso tem sua raiz no fato de terem rompido com o sacramento da Ordem e, consequentemente, com a Santa Missa. Assim, quando se substitui o Santo Sacrifício da Missa, qualquer ato de veneração é adoração. Santo Agostinho muito bem explicou que os cristãos não ofertam o sacrifício da Missa aos santos, mas apenas a Deus, e que o sentimento que nutrem pelos mártires não induz à idolatria:
É verdade que os cristãos prestam honra religiosa à memória dos mártires, tanto para nos estimular a imitá-los como para obtermos a participação em seus méritos e a ajuda de suas orações. Mas nós construímos altares não para qualquer mártir, mas para o Deus dos mártires, embora seja em memória aos mártires. Ninguém oficiando no altar no cemitério dos santos jamais declara: Nós trazemos uma oferta a você, ó Pedro! Ou a ti, ó Paulo! Ou a tu, ó Cipriano! A oferenda é feita a Deus, que deu a coroa do martírio, enquanto é realizada em memória dos que foram assim coroados. A emoção aumenta pelas associações do lugar, e o amor é estimulado tanto por aqueles que são nossos exemplos (os santos) quanto por Aquele por cuja ajuda podemos seguir tais exemplos. Consideramos os mártires com a mesma intimidade afetuosa que sentimos para com os homens santos de Deus nesta vida (na terra), quando tomamos ciência de que seus corações estão preparados para suportar o mesmo sofrimento pela verdade do evangelho. Há mais devoção em nosso sentimento para com os mártires, porque sabemos que seu conflito acabou; e podemos falar com maior confiança em louvor daqueles que já são vencedores no céu, do que daqueles que ainda estão na batalha aqui. O que é culto propriamente divino, aquilo que os gregos chamam de LATRIA, e para o qual não existe palavra em latim, tanto na doutrina quanto na prática, nós damos somente a Deus. A este culto pertence a oferta de sacrifícios; como vemos na palavra idolatria, que significa dar esta adoração a ídolos. Sendo assim, nunca oferecemos, ou exigimos que alguém ofereça, sacrifício a um mártir, ou a uma alma santa, ou a qualquer anjo. Qualquer pessoa que caia nesse erro é logo instruída pela doutrina, seja no sentido de correção ou para ter cautela […] Sacrificar aos mártires, mesmo em jejum, é pior do que retornar para casa embriagado da festa: digo sacrificar aos mártires, que é diferente de sacrificar a Deus em memória dos mártires, como fazemos constantemente, em conformidade com a maneira exigida desde a revelação do Novo Testamento.
– Santo Agostinho, Contra Faustum, Livro XX, 397 d. C.
Para quem não sabe o que é amor, qualquer paixão juvenil é amor. Portanto, para alguém que vê em qualquer gesto de devoção um gesto de adoração, é difícil explicar-lhe a complexidade do próprio coração humano, com suas disposições internas profundas e os níveis de piedade. Mas é necessário, se quisermos defender nossa religião e criar um diálogo fraterno e sério com vertentes e posicionamentos opostos. Devemos sempre começar demonstrando pela própria razão humana que naturalmente há diversos graus de amor no relacionamento inter-pessoal e até mesmo um amor que é superior a todos os afetos existentes, constituindo adoração.
Foto de Josh Applegate na Unsplash




