Porque a mínima partícula de uma hóstia, ou mesmo a menor gota do vinho é o Corpo de Cristo, Sangue, Alma e Divindade de nosso Senhor. A Igreja entendeu que se agarrar excessivamente à forma, isto é, formalismo, não revela a essência do que a Eucaristia é, pois o milagre é que ali consiste em Jesus Cristo por inteiro. Caso uma pessoa não pudesse comungar uma hóstia inteira por falta, ou mesmo por necessidade houvesse uma situação em que o padre não fosse capaz de fornecer o vinho, o fiel não deixaria de comungar plenamente. Alguns respondem em oposição:
Mas o Texto Bíblico faz da Ceia uma ordenança! E diz expressamente Tomai e Bebei. Ou seja, é necessário beber também, e não somente tomar. Não devemos ter só a metade, mas tudo que está escrito, e assim cumpriremos o preceito em memória do Salvador!
E a resposta a isso é: Vamos por partes. Primeiramente, a Eucaristia não é uma simples ordenança, mas um SACRAMENTO. Além disso, embora seja feito em memória, não é só uma memória. Strong #364 (anamnesis) – termo “em memória”: trazer à mente para meçhor apreciar seus efeitos; trata-se de sacrifício memorial. Claro que não se repete o Sacrifício (Hebreus 10: 12-13), mas ele é atualizado, ou seja, feito atual, por nós. E quanto ao vinho, tal argumento só é válido caso você considere a Bíblia como um princípio regulador do culto, e não normativo. A má notícia é que apenas alguns protestantes usam o princípio regulador. Existem muitos exemplos da antiguidade onde só se comungava o pão. Deixo aqui alguns apontamentos de São Henry Newman com respeito ao tema:
[…] uma vez que se deve crer firmemente, e em nenhum caso duvidar, de que todo o Corpo e Sangue de Cristo está verdadeiramente contido tanto na espécie do pão, como na espécie do vinho.
[…] Além disso, era costume na Igreja Primitiva, sob determinadas circunstâncias, comungar sob apenas uma espécie, como atestam São Cipriano, São Dionísio, São Basílio, São Jerônimo e outros. Por exemplo, São Cipriano fala da comunhão de uma criancinha pelo Vinho, e da de uma mulher pelo Pão; Santo Ambrósio fala de seu irmão, em um naufrágio, guardando o pão consagrado em um lenço e colocando-o em volta do pescoço; e dificilmente se pode supor que os monges e eremitas do deserto pudessem ter, cotidianamente, acesso ao Vinho consagrado da mesma forma como ao Pão. A partir da segunda carta de São Basílio, parece que não apenas os monges, mas todos os leigos do Egito normalmente só comungavam sob o Pão. Seu correspondente parece ter-lhe perguntado se, em tempo de perseguição, era lícito, na ausência de sacerdote ou diácono, tomar a comunhão “em sua própria mão” – o que, claramente, se refere ao Pão. Ele responde que isso pode ser justificado pelos seguintes casos equivalentes, ao mencionar os quais ele nada diz sobre o Cálice: “Evidentemente não é uma falta”, diz ele, “pois um costume já antigo fornece exemplos suficientes para sua aprovação. Todos os monges no deserto, onde não há sacerdote, mantêm a comunhão em sua casa e a tomam por si mesmos. Também em Alexandria e no Egito, cada um dos leigos, em sua maior parte, tem a Comunhão em sua casa, e quando querem, comungam por si mesmos. Pois, uma vez que o sacerdote celebrou o Sacrifício e o distribuiu, aquele que o toma como um todo e depois dele participa diariamente, pode razoavelmente pensar que comunga e recebe do sacerdote o que lhe deu…” (Epístola 93 de São Basílio).
Ensaio Sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, p. 165 e 167, Ed. 2020.
Todo sacerdote age na pessoa de Cristo. O sacerdote em si não é o foco, mas quem ele representa. E de fato, a comunhão sob uma espécie é uma prática que possui historicidade em ciscunstâncias determinadas (em situação de perseguição, por exemplo, mas que se tornou disciplinar com o tempo, isto é, virou comum, mas é uma simples questão de disciplina. Isso pelo fato de que, como Newman destacou, ‘todo o Corpo e Sangue de Cristo está verdadeiramente contido tanto na espécie do pão, como na espécie do vinho’. E é nisso que nós cremos.
Foto de Anna Hecker via Unsplash