Algumas vozes se levantam citando o Papa Francisco para defesa de práticas sincréticas dentro da Igreja Católica. Isso ocorre no Brasil, sobretudo em estados mais influenciados por religiões de matriz africana. Todos nós somos chamados ao respeito fraterno para com todos os homens, bem como ao diálogo com eles, mesmo aqueles que pensam diferente de nós. Mas… Até que ponto devemos nos anular a nós mesmos e desrespeitar nossas crenças pessoais em favor de uma concordância sem critérios e limites? Seria a reivindicação de alguns de que o Papa Francisco apoia o sincretismo legítima? Seria o Santo Padre a favor do sincretismo que promovem certos homens no Brasil e no mundo, desrespeitando a doutrina e a fé católica em nome de suas pautas? Vamos descobrir.
ALGUMAS CITAÇÕES DO PAPA FRANCISCO E O SINCRETISMO RELIGIOSO
“Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda. Por isso, é necessário postular um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida. Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste”
(Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n.º 228, 24 de novembro de 2013).
“É preciso prestar atenção a não cair nos laços de um sincretismo conciliador mas, no fundo, de um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo de valores (ibid., 251; 253). Uma abordagem cômoda e conciliadora, «que diga sim a tudo para evitar problemas» (ibid., 251), acaba por ser «um modo de enganar o outro e negar-lhe o bem que se recebeu como um dom para partilhar com generosidade» (ibid.). Isto convida-nos, em primeiro lugar, a voltar aos fundamentos”
(Papa Francisco, Aos participantes do Encontro promovido pelo Pontifício Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos, 24 de janeiro de 2015).
“Diversas são as nossas tradições religiosas. Mas, para nós, a diferença não é motivo de conflito, de polêmica ou de frio distanciamento. Hoje não rezamos uns contra os outros, como às vezes infelizmente sucedeu na História. Ao contrário, sem sincretismos nem relativismos, rezamos uns ao lado dos outros, uns pelos outros. São João Paulo II disse neste mesmo lugar: «Talvez nunca antes na história da humanidade, como agora, o laço intrínseco que existe entre uma atitude autenticamente religiosa e o grande bem da paz se tenha tornado evidente a todos» (Discurso, Praça inferior da Basílica de São Francisco, 27 de outubro de 1986, 6: o. c., 1268). Continuando o caminho iniciado há trinta anos em Assis, onde permanece viva a memória daquele homem de Deus e de paz que foi São Francisco, «uma vez mais nós, aqui reunidos, afirmamos que quem recorre à religião para fomentar a violência contradiz a sua inspiração mais autêntica e profunda» [João Paulo II, Discurso aos Representantes das Religiões, Assis, 24 de janeiro de 2002, 4: Insegnamenti XXV/1 (2002), 104], que qualquer forma de violência não representa «a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição» [Bento XVI, Intervenção na jornada de reflexão, diálogo e oração pela paz e a justiça no mundo, Assis, 27 de outubro de 2011: Insegnamenti VII/2 (2011), 512]. Não nos cansamos de repetir que o nome de Deus nunca pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa; não a guerra!”
(Papa Francisco, Visita a Assis para a Jornada Mundial de Oração pela Paz “Sede de paz. Religiões e Culturas em Diálogo”, 20 de setembro de 2016).
“Em vez disso, honremos a providente misericórdia divina para connosco com a oração assídua e o diálogo concreto, «condição necessária para a paz no mundo e, por conseguinte, é um dever para os cristãos e também para as outras comunidades religiosas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 250). Oração e diálogo estão profundamente relacionados entre si: partem da abertura do coração e tendem para o bem dos outros; por isso se enriquecem e reforçam mutuamente. Convictamente, em continuidade com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica «exorta os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os seguidores doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores socioculturais que entre eles se encontram» (Decl. Nostra aetate, 2). Não se trata de qualquer «sincretismo conciliador», nem de «uma abertura diplomática que diga sim a tudo para evitar problemas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 251), mas de dialogar com os outros e rezar por todos: estes são os nossos meios para mudar as lanças em foices (cf. Is 2, 4), para fazer surgir amor onde há ódio e perdão onde há ofensa, para não nos cansarmos de implorar e percorrer caminhos de paz”.
(Papa Francisco, Viagem Apostólica à Geórgia e Azerbaijão: Encontro Inter-religioso com o Chefe dos Muçulmanos do Cáucaso e os Representantes de outras Comunidades religiosas do país na Mesquita Heydar Aliyev, 2 de outubro de 2016).
“Contudo, o mistério da misericórdia não deve ser celebrado só com palavras, mas sobretudo com obras, com um estilo de vida realmente misericordioso, feito de amor abnegado, serviço fraterno, partilha sincera. É o estilo que a Igreja deseja assumir em maior medida, também «na sua função de fomentar a unidade e a caridade entre os homens» (Conc. Vat. II, Decl. Nostra aetate, 1). É o estilo ao qual estão chamadas também as religiões para serem, particularmente neste nosso tempo, mensageiras de paz e artífices de comunhão; para proclamar, diversamente de quem alimenta confrontos, divisões e fechamentos, que hoje é tempo de fraternidade. Por isso é importante procurar o encontro entre nós, um encontro que, sem sincretismos conciliantes, «nos torne mais abertos ao diálogo para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento e desprezo e de violência e discriminação» (Misericordiae Vultus, 23). Isto é agradável a Deus e é uma tarefa urgente, em resposta não só às necessidades de hoje, mas sobretudo ao apelo ao amor, alma de qualquer expressão religiosa autêntica”.
(Papa Francisco, Aos participantes de um Encontro Inter-religioso, 3 de novembro de 2016).
“Mas, com certeza, a religião não é chamada apenas a desmascarar o mal; traz em si a vocação de promover a paz, hoje como talvez nunca antes. Sem ceder a sincretismos conciliadores, a nossa tarefa é rezar uns pelos outros pedindo a Deus o dom da paz, encontrar-nos, dialogar e promover a concórdia em espírito de colaboração e amizade. Nós, enquanto cristãos – e eu sou cristão –, «não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos alguns homens, criados à sua imagem». Irmãos de todos. Além disso, reconhecemos que, imersos numa luta constante contra o mal que ameaça o mundo para deixar de ser «um lugar de verdadeira fraternidade», àqueles que «acreditam no amor de Deus [é-lhes dada por Deus] a certeza de que o caminho do amor está aberto para todos e que o esforço para estabelecer a universal fraternidade não é vão». Antes pelo contrário, são essenciais. Com efeito, de pouco ou nada serve levantar a voz e correr ao rearmamento para se proteger: hoje há necessidade de construtores de paz, não de armas; hoje há necessidade de construtores de paz, não de provocadores de conflitos; de bombeiros e não de incendiários; de pregadores de reconciliação e não de arautos de destruição”.
(Papa Francisco, Viagem Apostólica ao Egito: Aos participantes na Conferência Internacional em prol da Paz, 28 de abril de 2017)
“A verdade revelada deve ser considerada também em conexão com as conquistas científicas do tempo que vai evoluindo, de molde a que se veja claramente «como a fé e a razão se encontram na única verdade» (Gravissimum educationis, 10: AAS 58 [1966] p. 737; Encíclica Veritatis splendor: AAS 85 (1993) 1133 s.[6 de Agosto de 1993] e Encíclica Fides et ratio: AAS 91 (1999) 5 ss. [14 de Setembro de 1998]), e a sua exposição há-de ser feita de tal modo que, sem alterar a mesma verdade, esta seja adaptada à natureza e à índole de cada cultura, tendo em particular consideração a filosofia e a sapiência dos povos, mas excluída toda a espécie de sincretismo ou de falso particularismo (cf. Ad gentes, 22: AAS 58 [1966] 973 ss.)”.
(Papa Francisco, Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, art. 71, §1º, 8 de dezembro de 2017)
“De fato, sabei que a verdadeira fraternidade só pode ser vivida com esta atitude de abertura aos outros, que nunca procura um sincretismo conciliador; ao contrário, procura sempre sinceramente enriquecer-se com as diferenças, com a vontade de as compreender para melhor as respeitar, pois o bem de cada um reside no bem de todos. Por conseguinte, convido-vos a testemunhar com a qualidade das vossas relações que «a religião […] não constitui um problema mas é parte da solução: […] a religião lembra-nos que é necessário elevar o espírito para o Alto a fim de aprender a construir a cidade dos homens» (ibid.)”.
(Papa Francisco, À Delegação da “Emouna Fraternité Alumni”, 23 de junho de 2018)
“É certo que, «apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma natureza e a mesma dignidade, a fraternidade exprime também a multiplicidade e a diferença que existe entre eles». Expressão disso mesmo é a pluralidade religiosa. Neste contexto, a atitude correta não é a uniformidade forçada nem o sincretismo conciliador: o que estamos chamados a fazer como crentes é trabalhar pela igual dignidade de todos em nome do Misericordioso, que nos criou e em cujo Nome se deve buscar a composição dos contrastes e a fraternidade na diversidade. Gostaria, aqui, de reiterar a convicção da Igreja Católica, segundo a qual «não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos alguns homens, criados à sua imagem»”.
(Papa Francisco, Viagem Apostólica aos Emirados Árabes Unidos: Encontro inter-religioso no Founder’s Memorial, 4 de fevereiro de 2019)
“Várias vezes propus «um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. (…) Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que preserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste». Sabemos bem que, «todas as vezes que aprendemos, como pessoas e comunidades, a olhar para mais alto do que nós mesmos e os nossos interesses particulares, a compreensão e o compromisso recíprocos transformam-se em solidariedade; (…) numa área onde os conflitos, as tensões e mesmo aqueles a quem seria possível considerar como contrapostos no passado, podem alcançar uma unidade multiforme que gera nova vida»”.
(Papa Francisco, Encíclica Fratelli Tutti, n.º 245, 3 de outubro de 2020)
“Um só batismo . Caros irmãos e irmãs, tudo o que a graça de Deus nos está a proporcionar a alegria de experimentar e partilhar — a crescente superação das divisões, a cura progressiva da memória, a colaboração reconciliada e fraterna entre nós — encontra fundamento precisamente no «único batismo para a remissão dos pecados» (Credo niceno-constantinopolitano ). O santo batismo é o dom divino original, que está na base de todos os nossos esforços religiosos e de todo o empenho em alcançar a unidade plena. Sim, porque o ecumenismo não é um exercício de diplomacia eclesial, mas um caminho de graça . Não se baseia na mediação e acordos humanos, mas na graça de Deus, que purifica a memória e o coração, supera a rigidez e orienta-se para uma comunhão renovada: não para acordos descendentes ou sincretismos conciliatórios, mas para uma unidade reconciliada nas diferenças. Nesta perspetiva, gostaria de encorajar todos aqueles que estão envolvidos no diálogo católico-luterano a continuarem com confiança na oração incessante, no exercício da caridade partilhada e na paixão pela busca de uma maior unidade entre os vários membros do Corpo de Cristo”.
(Papa Francisco, Aos representantes da Federação Luterana Mundial, 25 de junho de 2021)
“Queridos irmãos e irmãs, avancemos juntos, para que seja cada vez mais amistoso o caminho das religiões. Abai dizia que «o falso amigo é como uma sombra: quando o sol brilha sobre ti, não te livrarás dele, mas quando as nuvens se acumularem sobre ti, não se fará ver em parte alguma» (Palavra 37). Que isso não aconteça connosco! O Altíssimo liberte-nos das sombras da suspeita e da falsidade; conceda-nos cultivar amizades ensolaradas e fraternas, através do diálogo frequente e da sinceridade luminosa das intenções. E desejo agradecer aqui o esforço do Cazaquistão neste ponto: sempre procura unir, sempre procura incentivar o diálogo, sempre procura construir a amizade. Isto é um exemplo que o Cazaquistão dá a todos nós e devemos segui-lo, apoiá-lo. Não procuremos falsos sincretismos conciliatórios – não servem –, mas guardemos as nossas identidades abertas à coragem da alteridade, ao encontro fraterno. Só assim, por este caminho, nos tempos sombrios que vivemos, poderemos irradiar a luz do nosso Criador. A todos vós, obrigado!”
(Papa Francisco, Viagem Apostólica ao Cazaquistão:
Abertura e Sessão Plenária do “VII Congress of Leaders of World and traditional Religions”, Palácio da Independência, 14 de setembro de 2022).
“O homem religioso, o homem de paz, opõe-se também à corrida ao rearmamento, aos negócios da guerra, ao mercado da morte. Não sustenta «alianças contra ninguém», mas caminhos de encontro com todos: sem ceder a relativismos ou sincretismos de qualquer espécie, segue apenas uma estrada, a da fraternidade, do diálogo, da paz. Estes são os seus «sins». Percorramos, queridos amigos, este caminho: alarguemos o coração ao irmão, avancemos no percurso de conhecimento recíproco. Estreitemos entre nós laços mais fortes, sem duplicidade nem medo, em nome do Criador que nos colocou juntos no mundo como guardiões dos irmãos e das irmãs. E, se vários poderosos negoceiam entre si por interesses, dinheiro e estratégias de poder, demonstremos que é possível outro caminho de encontro; possível e necessário, porque a força, as armas e o dinheiro nunca colorirão de paz o futuro. Portanto encontremo-nos para o bem do homem e em nome d’Aquele que ama o homem, cujo Nome é Paz. Promovamos iniciativas concretas, para que o caminho das grandes religiões seja cada vez mais concreto e constante, seja consciência de paz para o mundo! E aqui dirijo a todos o meu veemente apelo a fim de que se ponha fim à guerra na Ucrânia e se dê início a sérias negociações de paz”.
(Papa Francisco, Viagem Apostólica ao Reino do Bahrein:
Conclusão do “Bahrain Forum for Dialogue: East and West for Human Coexistence”, 4 de novembro de 2022)
“Saúdo-vos cordialmente e lamento profundamente não poder estar convosco. Confio ao Cardeal Parolin as palavras que vos queria dirigir. Quero dizer-vos: «Obrigado»! Obrigado porque realizastes, pela primeira vez, um pavilhão religioso no âmbito duma COP. E obrigado porque isso é testemunho da vontade que tendes de trabalhar juntos. O mundo, hoje, precisa de alianças que não sejam contra alguém, mas a favor de todos. Urge que as religiões, sem cair na armadilha do sincretismo, deem o bom exemplo de trabalharem juntas, não para os próprios interesses nem para os interesses duma parte, mas para os interesses do nosso mundo. Entre estes, os mais importantes hoje são a paz e o clima”.
(Videomensagem do Santo Padre Francisco por ocasião da inauguração do «Pavilhão da Fé» no Dubai, 3 de dezembro de 2023).
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A verdade é que o Papa Francisco não somente condena o sincretismo, mas também o relativismo, que fundamenta o primeiro:
Mas há ainda outra pobreza: é a pobreza espiritual dos nossos dias, que afeta gravemente também os países considerados mais ricos. É aquilo que o meu Predecessor, o amado e venerado Bento XVI, chama a «ditadura do relativismo», que deixa cada um como medida de si mesmo, colocando em perigo a convivência entre os homens. E assim chego à segunda razão do meu nome. Francisco de Assis diz-nos: trabalhai por edificar a paz. Mas, sem a verdade, não há verdadeira paz. Não pode haver verdadeira paz, se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e só os direitos próprios, sem se importar ao mesmo tempo do bem dos outros, do bem de todos, a começar da natureza comum a todos os seres humanos nesta terra.
Papa Francisco, Ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, 22 de março de 2013



