Os Deuterocanônicos e a Comunhão dos Santos

Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Se os católicos estão certos com respeito aos livros que compõem a Bíblia, também estamos certos com respeito à Comunhão dos Santos. De fato, se o Segundo Livro dos Macabeus é verdadeiro (independentemente da resposta, o Livro é Escritura inspirada), então as doutrinas católicas sobre a Comunhão dos Santos também são verdadeiras. Como posso dizer isso? Porque a Comunhão dos Santos, a ideia de que os fiéis que partiram estão vivos e intercedendo por nós no Céu, está claramente exposta em 2 Macabeus. Antes da última batalha com Nicanor, Judas Macabeu armou seus homens “não com a segurança que vem das lanças e dos escudos, mas com a coragem que suscitam as boas palavras, e animou a todos narrando-lhes ainda uma visão digna de fé” (2 Mac. 15:11).

2 Macabeus 15:8-16 então descreve o sonho profético de Macabeus:

 

Visão dos Macabeus de Judá (c. 1866)

O que viu foi o seguinte: Eis que Onias, que havia sido sumo sacerdote, homem nobre e bom, modesto em seu aspecto, de caráter ameno, distinto em sua linguagem e exercitado desde menino na prática de todas as virtudes, com as mãos levantadas, orava por todo o povo judeu. Em seguida, apareceu do mesmo modo um homem com os cabelos todos brancos, de aparência muito venerável e nimbado por uma admirável e magnífica majestade. Então, tomando a palavra, disse-lhe Onias: “Este é um homem que ama os seus irmãos,  que ora muito pelo povo e pela cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus’. E Jere­mias, estendendo a mão, entregou a Judas uma espada de ouro, dizendo estas palavras ao entregá-la: ‘Toma esta santa espada que Deus te concede e com a qual esmagarás os inimigos’”.

 

Ambos Onias e Jeremias já haviam morrido.

Jeremias morreu mais de quatrocentos anos antes da Revolta dos Macabeus, enquanto o sumo sacerdote Onias foi assassinado em 2 Macabeus 4:34-35. No entanto, Onias e Jeremias estão claramente vivos e intercedendo por Judas Macabeu. Na verdade, é precisamente dessa forma que Onias apresenta Jeremias a Macabeu: explicando que Jeremias é “um homem que ama os irmãos e ora muito pelo povo e pela cidade santa”. O sonho profético de Macabeu é um ponto de virada, pois ele inspira as forças judaicas a atacar diretamente as forças que sitiam sua cidade e seu templo (2 Mac. 15:17-18). Eles levantaram o cerco com sucesso, matando o general inimigo Nicanor no processo e puseram fim à guerra.

E este é o ponto onde as coisas ficam estranhas para os protestantes que negam a canonicidade de 2 Macabeus e a intercessão dos santos no céu: em João 10:22, Jesus celebra Chanucá.

 


Fragmento em grego de Macabeus

 

Por que isso importa? Por duas razões.

 

    • Primeiro, porque os únicos livros da Bíblia que prescrevem o Hanucá são 1 e 2 Macabeus (1 Mac. 4:59; 2 Mac. 1:18). Sendo assim, se Cristo não trata os livros dos Macabeus como Escritura, Ele ao menos confia na Tradição extra-escriturística (a qual também é rejeitada pelos protestantes).

 

    • Em segundo lugar, porque o Hanucá é o feriado que comemora a reinauguração do Templo por Macabeu e o milagre das luzes. Mas se Macabeu é um herege por acreditar na Comunhão dos Santos e inspirar seus homens declarando-lhes uma visão da intercessão de Onias e Jeremias, por que Jesus endossaria um feriado que celebra a sua vitória?

 

Em um post anterior, sobre as orações pelos mortos (que são descritas em 2 Macabeus 12:38-46), listei como uma das muitas razões para se aceitar a canonicidade dos Livros dos Macabeus a seguinte:

 

  1. Com base em quê você pode demonstrar que 2 Macabeus não é Escritura Sagrada? Eu mencionei antes que ninguém na Igreja Primitiva pensava que o cânon protestante de 66 livros era o cânon correto das Escrituras. Então, se os protestantes não podem mostrar o motivo de seu próprio cânon estar correto, então eu não vejo como isso constitui uma base para a rejeição de 2 Macabeus.

 

2. Macabeus era crido como Escritura inspirada pela Igreja primitiva. Ele é citado como canônico por Orígenes, Agostinho, Jerônimo e por muitos outros Padres. Existem razões para acreditar que sabemos mais do que eles acerca desse tema?

 

3. Há uma boa razão para acreditar que Jesus tratava 1 e 2 Macabeus como Escritura. O feriado judaico Hanuká celebra a reinauguração do Templo realizada pelos Macabeus. Tanto o Primeiro quanto o Segundo Macabeus exigem que ele seja celebrado, e estas são as únicas Escrituras que mostram isso (lembre-se, o Talmude e a Mishná ainda não haviam sido escritos e nunca foram considerados Escritura). E vemos o próprio Jesus Cristo celebrando o Hanuká em João 10:22.

 

 

E mesmo que não seja parte da Escritura, ainda é verdade. Mesmo que alguém se recuse a aceitar o Segundo Livro dos Macabeus como Escritura inspirada, isso não significa que o livro seja falso. Se você não quer tratá-lo como Escritura, pelo menos trate-o como um livro de história. E ele mostra que os judeus piedosos de Israel acreditavam na oração pelos mortos. Judas Macabeu convoca a oração, e não há indícios de que alguém achava isso estranho. O autor de 2 Macabeus ainda fala sobre como essa prática prova a existência da vida após a morte, uma doutrina rejeitada por muitos dos judeus que rejeitaram esses livros (Lucas 20:27). Portanto, a parte controversa não era o fato de Judas ter orado pelos mortos, mas sim o ensino de que havia vida após a morte. Mesmo que fosse falso, ainda teria algo a nos dizer. Mesmo que o autor de 2 Macabeus estivesse inventando completamente esse relato, nós ainda poderíamos dizer que havia judeus antes de Cristo que acreditavam em orações pelos mortos. Afinal, o autor elogia explicitamente a prática.
Se aplicarmos o mesmo raciocínio aqui, fica claro que Judas Macabeu, os judeus macabeus e o autor de 2 Macabeus acreditavam na Comunhão dos Santos. O mesmo pode ser dito das comunidades judaica e cristã que abraçaram este Livro como parte da Escritura, bem como daqueles indivíduos que o consideraram histórico (aceitando ou não sua historicidade). E considerando que Jesus Cristo celebrou o Hanucá, nós mesmos (sendo protestantes ou católicos) temos boas razões para confiar na historicidade de 2 Macabeus… o que significa que temos boas razões para acreditar que o sonho profético de Macabeu é verdadeiro.

Tudo isso é um longo caminho para dizer que os santos que partiram desta vida antes de nós estão intercedendo a Deus por nós, e que podemos saber disso com base em 2 Macabeus, quer você trate esse livro como Escritura, ou simplesmente como história.

 

 

Pintura: Os Sete Mártires dos Macabeus, sua mãe Santa Salomão e seu rabino São Eleazar

 

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do texto The Deuterocanon and the Communion of Saints

 

REFERÊNCIAS

SHAMELESS POPERY

BÍBLIA ONLINE

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Joe Heschmeyer

Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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