O apologista protestante Jason Engwer (palavras em vermelho vinho) declarou em 28/05/15: A evidência sugere que a oração aos mortos não era praticada pelos crentes na era bíblica, é por vezes contradita pelos autores bíblicos e foi rejeitada nas primeiras gerações do cristianismo patrístico.
E antes, em 09/06/08:
As evidências das primeiras fontes patrísticas também são contrárias à prática. Tertuliano, Orígenes e Cipriano escreveram tratados sobre o tema da oração sem encorajar orações aos mortos. Em vez disso, afirmam ou implicam que a oração deve ser oferecida apenas a Deus. Orígenes, em particular, é enfático nesse ponto (Contra Celso, 5:4-5, 5:11, 8:26; Sobre Oração, 10).
Gostaria de dar uma olhada em Orígenes (184 – 253) — suas palavras estarão em lilás—, o que ele afirmou, e se é consistente com a opinião de Jason ou com a católica (ou seja, de que tais coisas foram amplamente ensinadas pelos pais).
Pois realmente reconhecemos que os anjos são espíritos ministradores e dizemos que eles são enviados para ministrar àqueles que serão herdeiros da salvação; e que eles sobem, carregando as súplicas dos homens, ao mais puro dos lugares celestiais do universo, ou mesmo às regiões supercelestiais ainda mais imaculadas; e que deles descem, transmitindo a cada um, de acordo com seus méritos, algo ordenado por Deus para ser conferido por eles àqueles que serão os destinatários de Seus benefícios. . . . Pois toda oração, súplica, intercessão e ação de graças devem ser enviadas ao Deus Supremo por meio do Sumo Sacerdote, que está acima de todos os anjos, a Palavra viva e Deus. E também devemos orar e fazer intercessões ao próprio Verbo, e oferecer-Lhe ações de graças e súplicas, se tivermos a capacidade de distinguir entre o uso adequado e o abuso da oração. Pois invocar os anjos sem ter conhecimento de sua natureza superior à que os homens possuem seria contrário à razão. Mas, de acordo com a nossa hipótese, deixe que tal conhecimento acerca deles seja obtido, o que constitui algo maravilhoso e misterioso. Então tal conhecimento, revelando a nós a natureza deles, bem como os cargos para os quais foram designados, não nos permitirá orar com confiança a qualquer outro senão ao Deus Supremo, que é suficiente para todas as coisas, e este através do nosso Salvador, o Filho de Deus que é a Palavra, a Sabedoria e a Verdade, além de tudo mais que os escritos dos profetas de Deus e dos apóstolos de Jesus Lhe intitulam. E é suficiente garantir que os santos anjos de Deus sejam propícios a nós, e que façam todas as coisas em nosso favor, que nossa disposição mental para com Deus imite, tanto quanto estiver dentro do poder da natureza humana, o exemplo desses santos anjos, que novamente seguem o exemplo de seu Deus;
Duas coisas estão acontecendo aqui, as quais são complementares, não contraditórias: “ambos/e” e não “um ou outro”:
1) As orações, em última análise, vão para Deus, que decide como deseja abordá-las: concedendo ou recusando o pedido.
2) Anjos, santos e outros seres humanos (sejam vivos na terra ou habitando o outro mundo) podem interceder e apresentar os nossos pedidos, orações, súplicas, petições a Deus em nosso nome.
Orígenes (ao contrário de muitos, se não da maioria dos protestantes) não vê nenhuma contradição, desarmonia ou discórdia entre o número 1 e o número 2, e assim ele expressa ambos, assumindo casualmente que ambas as coisas são simultaneamente verdadeiras. Lembre-se, esta é uma das passagens apontadas por Jason aos seus leitores, de modo a estabelecer que Orígenes supostamente possui uma visão “protestante” da intercessão de santos e anjos. Acontece (que surpresa!) que ele é totalmente católico. As passagens que estão em negrito da citação acima demonstram que Orígenes acredita que os anjos intercedem por nós junto a Deus. As partes em itálico mostram que Deus é o destinatário final, o que concede ou nega os desejos expressos nas orações. Ambas as coisas são verdadeiras e estão em harmonia. A frase-chave relacionada à intercessão angélica aqui é “carregam as súplicas dos homens”. Súplicas são orações. A palavra inglesa aparece seis vezes na RSV do Novo Testamento, e seu significado é claro:
Efésios 6: 18 – Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem na oração por todos os santos.
Filipenses 4:6 – Não vos preocupeis com coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplica, com ação de graças, apresentai os vossos pedidos a Deus.
1 Timóteo 2:1 – Exorto, pois, antes de tudo, que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens,
1 Timóteo 5:5 – Aquela que é uma verdadeira viúva e foi deixada sozinha, colocou sua esperança em Deus e persevera em súplicas e orações noite e dia;
Hebreus 5:7 – Nos dias de sua carne, Jesus ofereceu orações e súplicas, com altos gritos e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte, e ele foi ouvido por seu temor piedoso.
Então, o que esses anjos estão fazendo quando são descritos por Orígenes como “carregando as súplicas dos homens”? Eles estão obviamente intercedendo por eles a Deus, subindo às “regiões supercelestes” onde Deus habita, e “transmitindo” aos seres humanos “algo ordenado por Deus para ser conferido”. Eles não estão apenas envolvidos na oração a Deus, mas também no seu cumprimento da parte de Deus. Acho que os anjos descritos aqui estão fazendo exatamente o que vemos na seguinte passagem:
Apocalipse 8:3-4 – E veio outro anjo e pôs-se junto ao altar com um incensário de ouro; e lhe foi dado muito incenso para misturar com as orações de todos os santos no altar de ouro diante do trono; [4] e a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos da mão do anjo diante de Deus.
Em outra postagem de Jason (09/06/08), ele observa que tais orações “vão para Deus”. A verdade é que elas vão mesmo (ninguém nega isso):
Apocalipse 8:4: refere-se às orações dirigidas a Deus. . . Parece que a melhor explicação para as orações em Apocalipse 5 e Apocalipse 8 é que são orações a Deus, pedindo justiça na terra. Não são orações aos mortos.
Mas é claro que ele não entende o X da questão. Esses anjos e santos mortos (como em Apocalipse 5) estão de alguma forma envolvidos no processo de “chegada dessas orações a Deus”. Essa é precisamente a intercessão dos santos e dos anjos. Por que é que é assim? Como é isso? Se a oração deve ser realizada apenas entre um único crente cristão e o seu Deus, sem intermediário algum, por que “as orações dos santos” sobem a Deus “pela mão do anjo”? Da mesma forma, o que os “anciãos” (geralmente considerados homens mortos) estão fazendo com “as orações dos santos” em Apocalipse 5:8? Por que eles estão envolvidos nesse processo? Não sabemos o que Jason diria sobre isso porque ele ignora (como costuma fazer quando não tem alternativa plausível às afirmações católicas e bíblicas tradicionais). Mas está bastante claro que foi isso que Orígenes ensinou na passagem acima; e portanto, ele não serve como testemunha da agenda protestante anti-tradição de Jason no que diz respeito à intercessão de santos e anjos. Boa tentativa, mas não foi dessa vez; valeu pelo esforço.
Então, vejamos o que seus outros supostos “textos-prova” de Orígenes nos ensinam:
Nós julgamos impróprio orar àqueles seres que oferecem as orações (a Deus), visto que até eles próprios prefeririam que enviássemos nossos pedidos ao Deus a quem eles oram, em vez de enviá-los para baixo, a eles mesmos, ou repartir nosso poder de oração entre Deus e eles.*
Nosso dever é orar somente ao Deus Altíssimo e ao Unigênito, o Primogênito de toda a criação, e pedir a Ele, como nosso Sumo Sacerdote, que apresente as orações que ascendem de nós a Ele, ao Seu Deus e nosso Deus, ao Seu Pai e ao Pai daqueles que dirigem suas vidas de acordo com Sua palavra.
Em outras palavras, não oramos aos anjos e aos santos como se fossem eles que concedessem ou negassem as nossas orações, tendo o poder para realizá-las (como os destinatários finais). Ninguém discorda disso. Os próprios termos que os católicos usam pressupõem isto: intercessão dos santos (não “orações concedidas pelos santos”): é da mesma forma como intercedemos uns pelos outros na terra. Esse é o nosso termo usual. São os protestantes que sempre querem chamar isso de “oração aos santos” ou “oração aos mortos”. “Oração pelos mortos” é apropriado. Nós fazemos isso. Mas, em qualquer caso, é oração a Deus quando pedimos a uma pessoa santa ou a um anjo que reze por nós. Pedimos-lhes que orem e eles intercedem a Deus por nós. Portanto, Orígenes dizendo as coisas acima, e Jason citando-as, não refuta a prática católica. Os pensamentos de Orígenes em Contra Celsum V, 4-5 mostram que os dois são compatíveis, em seu pensamento, e de forma lógica. Sobre a Oração, de Orígenes (seção X), oferece muitos dos mesmos pensamentos expressos nos dois trechos anteriores. Pode ser lido online. Mais uma vez, o católico responde dizendo que pedimos aos santos que intercedam e rezem por nós: não que eles próprios respondam às nossas orações. É como pedir a um amigo que está no lugar certo para “interceder” e falar em nosso nome para conseguirmos algum emprego. Então, se conseguirmos, podemos agradecê-los dizendo: “você me conseguiu o emprego!” De certa forma, sim, mas é claro que, em última análise, foi o empregador quem decidiu. Os católicos invocam os santos e pedem-lhes que intercedam por nós por dois motivos:
1) Eles estão mais vivos do que nós e certamente são mais poderosos espiritualmente.
2) Tiago 5:14-18 diz: Está alguém entre vocês doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor; [15] e a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o ressuscitará; e se ele cometeu pecados, ele será perdoado. [16] Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros, para que sejam curados. A oração de um homem justo tem grande poder em seus efeitos. [17] Elias era um homem de natureza semelhante à nossa e orou fervorosamente para que não chovesse, e durante três anos e seis meses não choveu na terra. [18] Então ele orou novamente e o céu deu chuva, e a terra produziu seus frutos.
Orígenes, em sua obra mais conhecida, Contra Celsum, endossa explicitamente a noção de santos e anjos orando por nós e conosco (o que implica fortemente também a nossa invocação deles), no Livro VIII, 64:
Há, portanto, Alguém cujo favor devemos buscar, e a quem devemos orar para que Ele seja misericordioso conosco – o Deus Altíssimo, cujo favor é obtido pela piedade e pela prática de todas as virtudes. E se Ele deseja que busquemos o favor de outros segundo o Deus Altíssimo, que ele considere que, assim como o movimento da sombra segue o do corpo que a projeta, da mesma maneira segue-se que, quando temos o favor de Deus, temos também a boa vontade de todos os anjos e espíritos que são amigos de Deus. Pois eles sabem quem são dignos da aprovação divina, e não apenas se mostram bem dispostos a eles, mas cooperam com eles em seus esforços para agradar a Deus: eles buscam Seu beneplácito em favor deles; com as orações deles, eles unem suas próprias orações e intercessões por eles. De fato, podemos dizer com ousadia que os homens que aspiram os bens superiores possuem, quando oram a Deus, dezenas de milhares de poderes sagrados ao seu lado. Estes, mesmo quando não solicitados, oram com eles, trazem socorro à nossa raça mortal e, se assim posso dizer, pegam em armas ao lado dela: pois demônios surgem guerreando e lutando mais intensamente contra a salvação daqueles que se dedicam a Deus, . . . (meu negrito)
Observe, de modo especial, como Orígenes declara casualmente: “Estes [santos e anjos que partiram], mesmo quando eles não pedem, oram com eles…” O uso de “mesmo” mostra que Orígenes assume que também é o caso de eles orarem por nós quando solicitados [peticionados]; ou seja, invocados. Então só temos isso. Orígenes não é protestante e ensina exatamente o que a Igreja Católica ensina sobre este assunto.
Tradução de Jason Engwer, Origen, & Intercession of Saints
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NOTAS
* O Trecho citado por Orígenes trata claramente de um contexto de adoração, no qual a oração estava sendo usada para opor seres criados ao único Deus, tratando-os como divindades capazes de atender os pedidos que lhes eram dirigidos: Contra Celsum Cap. 11 -“Mas mesmo esta luz racional em si não deve ser adorada por aquele que contempla e compreende a verdadeira luz, através da qual estes também são iluminados; nem por aquele que contempla a Deus, o Pai da verdadeira luz – de quem foi dito: Deus é luz, e Nele não há treva alguma. Aqueles que, de fato, adoram o sol, a lua e as estrelas porque sua luz é visível e celestial, não se curvariam diante de uma faísca de fogo ou de uma lâmpada na terra, porque veem a incomparável superioridade daqueles objetos que são considerados dignos de homenagem à luz das faíscas e das lâmpadas. Portanto, aqueles que entendem que Deus é luz, e que apreenderam que o Filho de Deus é a verdadeira luz que ilumina todo homem que vem ao mundo, e que compreendem também como Ele declara: Eu sou a luz do mundo, não iriam oferecer racionalmente adoração àquilo que é, por assim dizer, uma centelha no sol, na lua e nas estrelas, em comparação com Deus, que é a luz da verdadeira luz. Nem é com o objetivo de depreciar essas grandes obras do poder criativo de Deus, ou de chamá-las, à moda de Anaxágoras, de massas ígneas, que falamos assim do sol, da lua e das estrelas; mas porque percebemos a inexprimível superioridade da divindade de Deus e de Seu Filho unigênito, que supera todas as outras coisas. E estando persuadidos de que o próprio sol, a lua e as estrelas oram ao Deus Supremo através de Seu Filho unigênito, julgamos impróprio orar àqueles seres que oferecem orações (a Deus), visto que até eles mesmos prefeririam que enviássemos nossos pedidos ao Deus a quem eles oram, em vez de enviá-los para baixo, para eles mesmos, ou repartir nosso poder de oração entre Deus e eles. E aqui posso empregar esta ilustração, relacionada a este ponto: Nosso Senhor e Salvador, ouvindo em uma ocasião que ele mesmo fora chamado de Bom Mestre, fazendo referência a Seu próprio Pai, disse: Por que me chamas bom? Não há ninguém bom senão um, isto é, Deus Pai (Mateus 19:17). E visto que estava de acordo com a boa razão que isso deveria ser dito pelo Filho sobre o amor de Seu Pai, como sendo a imagem da bondade de Deus, por que o sol não deveria dizer com maior razão àqueles que se curvam a ele: Por que você me adora? pois adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás; pois é Ele a quem eu e todos os que estão comigo servimos e adoramos. E embora alguém possa não ser tão exaltado (como o sol), que tal pessoa ore à Palavra de Deus (que é capaz de curá-lo), e ainda mais ao Seu Pai, que também aos justos de tempos passados enviou Sua palavra, e os curou e os livrou de suas destruições.
REFERÊNCIA




