Católicos e ortodoxos acreditam na Assunção de Maria?

Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Um dos teólogos vivos mais significativos e interessantes é o teólogo anglicano N.T. Wright, ex-bispo de Durham. No ano passado, Wright escreveu na Time Magazine que entendemos o Cristianismo de forma totalmente errada quando imaginamos que se trata de escapar da terra e ir para o céu, e que para os primeiros cristãos, “o ponto não era ‘ir para o céu’, mas que a vida do céu chegue à terra. Jesus ensinou seus seguidores a orar: ‘Venha o teu reino, assim na terra como no céu.’” Em outras palavras, estamos nos esforçando por aquele dado no qual podemos dizer: “Eis que a morada de Deus está com os homens. Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará no meio deles” (Ap 21:3). Essa é a promessa cristã: não a destruição do corpo ou da criação física, mas sua renovação e transformação radical.

 

Em que ponto Wright acerta

 

Eu acho que o argumento de Wright está correto. Um dos inimigos perenes do cristianismo é uma espécie de dualismo radical que trata o espírito como bom e o corpo como mau (e é fácil entender como alguém pode interpretar mal Romanos 8 dessa maneira, por exemplo). Jesus confronta essa ideia declarando que “não há nada fora do homem que, entrando nele, tenha poder para contaminá-lo; mas as coisas que saem do homem são as que o contaminam” (Marcos 7:14), e explicando que “do coração procedem os maus pensamentos, homicídio, adultério, fornicação, furto, falso testemunho, calúnia. Estas são as coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos não contamina o homem” (Mateus 15:19-20). Afinal, a origem do pecado não foi de um ser material, como um animal, mas de um ser espiritual, um anjo caído. E que maior afirmação do valor inerente da criação material podemos encontrar do que a própria Encarnação? “O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (João 1:14).

Apesar disso, esse tipo de rejeição persistente do corpo e da matéria é generalizada. Para dar apenas um exemplo, muitos católicos (bem como muitos evangélicos, até pessoas como John Piper a Ravi Zacharias) “citaram” C.S. Lewis com aprovação por ele ter supostamente dito: “Você não tem alma. Você é uma alma. Você tem um corpo”. Essa citação é falsa e, mais especificamente, é uma citação herética que Lewis teria negado. Lewis realmente acreditava que “assim como imagem e apreensão estão em uma unidade orgânica, assim também, da mesma maneira é para um cristão, o corpo humano e a alma humana”. Em outras palavras, você é a união entre o corpo e a alma, e a mensagem do cristianismo é que Jesus assumiu a carne para redimir ambos. A verdadeira posição de Lewis é a posição de dois mil anos de doutrina cristã, mas significa alguma coisa o fato de que muitos de nós ouvimos a falsa citação e suposição de Lewis sendo tratada como doutrina cristã.

 

Em que ponto Wright erra

 

Dito isso, há muito o que criticar no caso fundamental de Wright, particularmente quando ele volta seu olhar contra a visão católica. Em particular, quero abordar seus argumentos contra a Assunção de Maria (hoje) e o Purgatório (da próxima vez). Os argumentos em questão são apresentados em seu livro For All the Saints? Remembering the Christian Departed, e o trecho relevante está disponível na íntegra aqui (em inglês).

Seu primeiro argumento é simplesmente que a Escritura e a Igreja Primitiva se omitem sobre o assunto. Esse é um argumento do silêncio, e não é particularmente forte. Por quê? Bem, considerando o fato de que (pelo menos de acordo com a datação tradicional) praticamente todo o Novo Testamento foi escrito enquanto a Virgem Maria ainda estava viva na terra, não é de surpreender que não houvesse relatos de um evento que ainda não tivesse acontecido, assim como não nos surpreendemos por não vermos relatos históricos da Ressurreição no Antigo Testamento.

O único livro que parece ter sido escrito depois da Assunção é o Apocalipse, e é justamente nele que encontramos uma visão mística da Mãe de Jesus entronizada no Céu (Ap 12). Tudo bem dizer que é uma alegoria da Igreja e/ou Israel (tal crença não é contrária à afirmação de que também é uma representação de Maria), mas significa que encontramos o que parece ser uma referência à assunção de Maria no único livro em que poderíamos esperar encontrá-la. Os Padres da Igreja tratavam Maria como “o tipo da Igreja” (para usar a linguagem de Santo Ambrósio), então não precisa ser uma questão de escolha entre Maria ou a Igreja sendo assunta ao céu.

 

Mas estou ainda mais fascinado com o segundo argumento de Wright contra a Assunção, que é estranho:

 

E podemos notar que as igrejas ortodoxas orientais, tanto nisso como em outras coisas, concordam com os reformadores nesse ponto contra o ocidente latino. Embora sejam feitas tentativas de alinhar a “dormição” de Maria (seu “adormecimento”, ou seja, sua morte) com sua “assunção”, os dois são de fato significativamente diferentes. Os ortodoxos dizem que Maria morreu e que seu corpo está descansando e eventualmente se reunirá com sua alma; os romanos dizem que ela não morreu e que seu corpo e sua alma já estão no céu.

 

Digo que o argumento é estranho não porque seja incomum que os teólogos modernos duvidem ou neguem a Assunção (não é), mas porque seu argumento particular é tão obviamente falso. É verdade que a dormição de Maria (sua morte, ou “adormecimento”) é distinta de sua assunção (seu corpo e alma unidos a Cristo no céu), mas não é verdade que a Igreja Ortodoxa nega a Assunção de Maria.

 

Os Ortodoxos negam a Assunção?

 

O que diz o site da Igreja Ortodoxa da América:

 

A festa da Dormição ou Adormecimento da Theotokos é celebrada no dia 15 de agosto, precedida por um jejum de duas semanas. Esta festa, que às vezes também é chamada de Assunção, comemora a morte, ressurreição e glorificação da Mãe de Cristo. Proclama que Maria foi “assunta” por Deus no reino celestial de Cristo na plenitude de sua existência espiritual e corporal.

 

Explicações semelhantes também podem ser encontradas no site da Arquidiocese Ortodoxa Grega da América. Ou você pode considerar as inúmeras igrejas e catedrais ortodoxas nomeadas em homenagem à Assunção de Maria. Ou pode ter em vista São João de Damasco, um Padre da Igreja venerado como santo tanto na Ortodoxia quanto no Catolicismo, que pregou numerosas homilias sobre a Assunção para a festa da Dormição. Ou simplesmente olhar para a própria liturgia ortodoxa: em 14 de agosto, véspera da Dormição / Assunção, os ortodoxos rezam: “A Mãe de Deus está prestes a subir em glória, / ascendendo da terra ao céu. / Nós a louvamos incessantemente na música como verdadeiramente Theotokos.” (A propósito, a Igreja Copta acredita na mesma coisa que os católicos e os ortodoxos – a principal diferença é que eles celebram a Dormição e a Assunção em dois dias separados, enquanto os ortodoxos e os católicos os celebram como uma festa só).

 

Os Católicos negam a Dormição?

 

Também não é verdade que a Igreja Católica diz que Maria não morreu. Pio XII, ao definir dogmaticamente a doutrina da Assunção de Maria, deixou claro que isso não significa (como afirma Wright) que Maria não morreu. De fato, ele citou o sacramentário que o Papa Adriano I (772 – 795) enviou a Carlos Magno, que dizia: “Venerável para nós, ó Senhor, é a festa deste dia em que a santa Mãe de Deus sofreu a morte temporal, mas ainda assim não pôde ser retida pelos laços da morte, aquela que gerou de si mesma o Vosso Filho nosso Senhor encarnado. Em vez disso, como Pio explica, a doutrina significa que, por uma graça singular, Maria “não estava sujeita à lei que sujeita os homens à permanência na corrupção da sepultura, e ela não teve de esperar até o fim dos tempos para a redenção de seu corpo. .”

Em apoio, o Papa Pio cita santos como São Francisco de Sales (“Que filho não traria sua mãe de volta à vida e não a traria ao paraíso depois de sua morte se pudesse?”) e Santo Afonso Ligouri (“Jesus não quis que o corpo de Maria fosse corrompido após a morte, uma vez que redundaria em sua própria desonra ter sua carne virginal, da qual ele mesmo havia assumido a carne, reduzida ao pó”) que têm como certo que Maria morreu, mas creem que seu corpo não viu corrupção na tumba.

 

Conclusão

 

Meu ponto hoje não é fazer uma defesa completa da doutrina da Assunção, embora eu ache que ela pode ser feita. O objetivo é apenas dizer que muitos dos argumentos contra a Assunção (mesmo vindos de teólogos inteligentes como Wright) são ruins, falsos e obviamente mais do mesmo. É uma reivindicação popular dos anglicanos de mentalidade tradicional afirmar que estão preservando parte da tradição da Igreja universal contra as estranhas aberrações do catolicismo medieval ou algo do tipo. Mas essas afirmações não são verdadeiras. Qualquer um que negue a Assunção deve saber que não está do lado dos ortodoxos orientais contra os católicos romanos ocidentais. Eles estão na verdade rejeitando o sólido consenso tanto do Oriente quanto do Ocidente de que Maria, no final de sua vida, foi levada em corpo e alma para o céu, e que seu corpo não viu corrupção na sepultura.

Um tópico final: quer Wright concorde com a Assunção de Maria ou não, o ponto que eu gostaria que ele reconhecesse é que a Assunção é o repúdio de toda a visão antimaterial e anticorporal da vida após a morte que ele parece atribuir ao catolicismo… Isto é, todo o ponto da doutrina da Assunção é que Deus não apenas salva a alma de Maria, Ele salva seu corpo também, e que Ele faz isso como um sinal para o resto de nós de que, em razão de nossa união com Cristo, podemos aguardar ansiosos pela ressurreição do nosso corpo. Maria simplesmente não descarta seu corpo como uma casca velha. Ele é preservado da corrupção precisamente porque o corpo é bom. É um tanto trágico que, no meio de um livro no qual Wright se empenha tanto para defender exatamente esse ponto acerca do corpo, da matéria e da criação, ele trave uma guerra infundada contra a doutrina que (depois da Ressurreição) é aquela que mais promove a defesa dessa verdade.

 

(Foto de  Assunção de Maria da Basílica de Santa Maria Gloriosa dei Frari (Winkimedia Commons – Domínio Público)

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do texto Do Catholics and Orthodox Believe the Same Thing About the Assumption of Mary?

 

 

REFERÊNCIAS

SHAMELESS POPERY

Picture of Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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