As Mulheres devem Ficar em Silêncio na Igreja?

Jimmy Akin

Jimmy Akin

O mundo antigo estava muito longe de ser politicamente correto e, como resultado, a Bíblia contém passagens que soam politicamente incorretas hoje. Por exemplo, em 1 Coríntios 14:34-35, São Paulo parece sugerir que as mulheres devem ficar totalmente em silêncio na igreja. Isso é verdade? Caso afirmativo, como podemos encaixá-lo com a prática da Igreja hoje? Esta é uma pergunta interessante.

Recentemente, um padre que é membro do Secret Information Club escreveu e disse:

 


 

Eu apreciaria seus pensamentos com respeito a 1 Coríntios 14:34-35. Ele é difícil de abordar na frente de um grupo de mulheres.

 


Eu entendo a dificuldade.

Lendo a própria passagem

Vamos começar olhando o que a passagem diz, com um pouco do contexto imediato:

1 Coríntios 14:

 

[34] Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres devem permanecer em silêncio nas igrejas. Pois elas não têm permissão para falar, mas devem ser submissas, como diz a própria lei.
[35] Se há alguma coisa que desejam saber, perguntem-na em casa a seus maridos. Pois é vergonhoso para uma mulher falar na igreja
[36] O quê! Porventura foi dentre vós que se originou a Palavra de Deus? Ou veio ela tão somente para vós?
[37] Se alguém pensa que é profeta ou espiritual, reconheça que aquilo que estou escrevendo a vós trata-se de um mandamento do Senhor.
[38] Se alguém não reconhece isso, ele não é reconhecido.

 

O contexto imediato não facilita, neste caso, as coisas. Na verdade, parece torná-las mais difíceis. São Paulo parece “aumentar a aposta” ao dizer que este é um mandamento do Senhor, e que qualquer um que rejeitar esta visão deve ter a sua visão rejeitada. Mas talvez o contexto mais amplo do pensamento de São Paulo possa colocar as coisas sob uma luz diferente. E, de fato, ele o faz. Mesmo apenas alguns capítulos anteriores em 1 Coríntios, São Paulo indica que as mulheres não precisam permanecer literalmente em silêncio na igreja…

 

O que São Paulo também diz sobre as mulheres falarem na Igreja

 

Quando ele lida com a questão de cobrir a cabeça na igreja, São Paulo escreve:

1 Coríntios 11:

 

[4] Qualquer homem que ora ou profetiza com a cabeça coberta desonra sua cabeça,
[5] mas qualquer mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta desonra a sua cabeça – é como se a sua cabeça fosse raspada.

 

A exigência de cobrir a cabeça era uma forma específica da cultura de expressar uma verdade particular e, como nossa cultura é diferente, a Igreja não considera a exigência de cobrir a cabeça obrigatória (veja abaixo).

A parte importante para nossos propósitos, no entanto, é São Paulo, falando acerca de uma mulher orando ou profetizando, e o contexto é litúrgico. São Paulo está lidando com atividades que as pessoas realizam na igreja. Caso contrário, ele estaria dizendo que as mulheres devem sempre usar coberturas na cabeça e os homens nunca devem usar coberturas na cabeça, o que nunca foi entendido dessa forma. Coberturas de cabeça eram utilizadas regularmente por ambos os sexos no mundo antigo, quando as pessoas não passavam a maior parte do tempo em ambientes climatizados e os óculos de sol ainda não haviam sido inventados. Isso significa que São Paulo reconhece que as mulheres podem orar e profetizar publicamente na igreja ambas as atividades envolvendo o ato de falar. Sendo assim, suas observações posteriores com respeito às mulheres permanecerem em silêncio não significam um silêncio total.

As mulheres podem então falar na igreja.

São Paulo deve querer dizer outra coisa na passagem posterior.

Antes de chegarmos ao que ele quer dizer, é importante reconhecer algo mais sobre seu pensamento…

 

Igualdade Fundamental

 

São Paulo acredita que homens e mulheres são fundamentalmente iguais perante Deus. De fato, é a ele que devemos a seguinte declaração apaixonada com respeito à igualdade humana:

Gálatas 3

 

[27] Porque todos quantos fostes batizados em Cristo, já vos revestistes de Cristo.
[28] Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vocês são um em Cristo Jesus.

 

São Paulo reconheceu as diferenças entre os sexos, mas essas diferenças são compreendidas dentro da estrutura da igualdade fundamental diante de Deus em Cristo.

 

Sobre as Mulheres Falarem na Igreja Hoje

 

É claro que, assim como os homens, as mulheres falam na igreja de várias maneiras hoje. Mas ainda hoje existe uma forma de falar na igreja que as mulheres não fazem, e a grande maioria dos homens também não. Trata-se de dar a homilia.

Segundo o Código de Direito Canônico:

 

Cânone 767 §1. 7 — § 1. Entre as várias formas de pregação destaca-se a homilia, que é parte da própria liturgia e é reservada ao sacerdote ou ao diácono; na homilia, os mistérios da fé e as normas da vida cristã são explicados a partir do texto sagrado durante o ano litúrgico.

 

A Igreja entendeu que certas funções oficiais de ensino, tais como a homilia, devem ser reservadas para aqueles que receberam o sacramento da ordem sagrada. Na liturgia, a homilia conta como uma delas. Fora da liturgia, também estão nesta categoria os atos do Magistério, pois somente os bispos podem exercer o Magistério da Igreja. As mulheres podem hoje ensinar em outras funções na Igreja. Eles podem ser qualquer coisa, desde professores de Catequese a professores de Teologia [mas não podem dar homilia]. E mesmo no primeiro século, as mulheres incluindo as mulheres que Paulo conhecia podiam ensinar em funções não litúrgicas e não magisteriais. Por exemplo, Priscila ajudou a dar instruções particulares ao evangelista Apolo com respeito ao verdadeiro papel de Jesus (Atos 18:26). De fato, Priscila parece ter assumido o papel principal, já que é mencionada antes de seu marido, Áquila, na passagem. É possível que as observações de São Paulo com respeito às mulheres não falarem na igreja tenham a ver com esta questão – isto é, a de evitar que elas adotem funções de ensino próprias dos ordenados?

Na verdade, esse é o entendimento da Congregação para a Doutrina da Fé.

Inter Insigniores

 

Em 1976, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma instrução chamada Inter Insigniores sobre a admissão de mulheres ao sacerdócio ministerial. Ao colocar esta questão em um contexto mais amplo, a Congregação tocou em algumas das passagens nas quais São Paulo fala sobre as mulheres. Em particular, a Congregação escreveu:

 

Outra objeção [à prática da Igreja de não ordenar mulheres] é baseada no caráter transitório que se afirma ver hoje em algumas das prescrições de São Paulo com respeito às mulheres e nas dificuldades que alguns aspectos de seu ensinamento levantam a esse respeito. Mas deve-se notar que essas ordenanças, provavelmente inspiradas nos costumes da época, dizem respeito apenas a práticas disciplinares de menor importância, como a obrigação imposta às mulheres de usar véu na cabeça (1 Cor 11:2-16 ); tais requisitos não têm mais valor normativo. No entanto, a proibição do Apóstolo de as mulheres falarem nas assembleias (1 Cor 14,34-35; 1 Ti, 2,12) é de natureza diferente, e os exegetas definem seu significado desta forma: Paulo de forma alguma se opõe ao direito, que em outro lugar ele reconhece como possuído por mulheres, de profetizar na assembleia (1 Cor 11:5); a proibição diz respeito apenas à função oficial de ensinar na assembleia cristã.

Inter Insigniores, 4

 

Para São Paulo, esta prescrição está ligada ao desígnio divino da criação (1 Cor 11,7; Gn 2,18-24): seria, portanto, difícil ver nela a expressão de um fato cultural. Também não se deve esquecer que devemos ao apóstolo um dos textos mais poderosos do Novo Testamento com respeito à igualdade fundamental entre o homem e a mulher, na qualidade de filhos de Deus em Cristo (Gl 3,28). Portanto, não há razão para acusá-lo de preconceito contra as mulheres, quando notamos a confiança que ele demonstra depositar nelas e a colaboração que solicita de cada uma delas em seu apostolado.

 

Papa Bento XVI na passagem

 

Papa Bento XVI colocando uma coroa em Nossa Senhora de Lourdes em 11 de fevereiro de 2007

Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0

 

A declaração magistral mais recente acerca da passagem que eu conheço é de uma das audiências gerais do Papa Bento XVI em 2007. Ele apenas tratou da passagem brevemente e encaminhou o assunto para exegetas (estudiosos da Bíblia) de modo a articular mais completamente, todavia, ele também entendeu a aparente proibição de uma forma condicionada, que não requer silêncio literal:

 

O Apóstolo admite como algo normal que na comunidade cristã a mulher possa “profetizar” (1 Cor 11, 5), isto é, pronunciar-se abertamente sob a influência do Espírito, contanto que isto seja para a edificação da comunidade e feito de modo digno. Portanto, a sucessiva, bem conhecida, exortação para que «”as mulheres estejam caladas nas assembleias” » (1 Cor 14, 34) deve ser antes relativizada. Deixemos aos exegetas o consequente problema, muito discutido, da relação entre a primeira frase as mulheres podem profetizar nas Igrejas e a outra frase não podem falar; ou seja, a relação entre estas duas instruções aparentemente contraditórias. Não se pode discuti-lo aqui. 

 

Audiência Geral, 14 de fevereiro de 2007

 

São Paulo pode ser difícil de entender

 

Os escritos de São Paulo podem ser difíceis de entender às vezes. O próprio São Pedro percebeu isso, quando escreveu:

2 Pedro 3

 

[15b] Assim também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada,
[16] falando disso como ele faz em todas as suas cartas. Há algumas coisas nelas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis distorcem para sua própria destruição, como fazem com as outras escrituras.

 

É possível que a maneira precisa de enquadrarmos o que São Paulo diz com respeito ao papel da mulher na Igreja caia na categoria “difícil de entender”, mas podemos fazer a abordagem do texto reconhecendo a igualdade fundamental dos sexos que São Paulo enfatiza e o fato de que a declaração que ele faz sobre as mulheres ficarem em silêncio na igreja não requer aquilo que pensaria caso a passagem fosse tomada isoladamente.

Por falar nisso . . .

Mencionei que o padre que me escreveu é membro do Clube de Informações Secretas. Este é um serviço gratuito que eu ofereço por e-mail, no qual envio informações sobre uma variedade de temas fascinantes relacionados à fé católica. A primeira coisa que você receberá se você se inscrever é uma “entrevista” que fiz com o Papa Bento XVI sobre o livro do Apocalipse. O que fiz foi compor perguntas que dizem respeito ao livro de Apocalipse e tirei as respostas de seus escritos. Ele tem muitas coisas interessantes para dizer!

Se você quiser descobrir quais são, basta se inscrever em www.SecretInfoClub.com.

 

Foto de Josh Applegate via Unsplash

Tradução de Kertelen Ribeiro do Texto Should Women Keep Silence in Church?

 

REFERÊNCIAS

NATIONAL CATHOLIC REGISTER

Picture of Jimmy Akin

Jimmy Akin

Jimmy Akin é um autor e palestrante conhecido internacionalmente. Como apologista sênior da Catholic Answers, ele tem mais de vinte e cinco anos de experiência defendendo e explicando a fé da Santa Igreja. Jimmy é um convertido à fé católica e tem uma extensa experiência em Bíblia, teologia, na doutrina dos Pais da Igreja, em filosofia, direito canônico e liturgia. Seu site pessoal é JimmyAkin.com.

Picture of Jimmy Akin

Jimmy Akin

Jimmy Akin é um autor e palestrante conhecido internacionalmente. Como apologista sênior da Catholic Answers, ele tem mais de vinte e cinco anos de experiência defendendo e explicando a fé da Santa Igreja. Jimmy é um convertido à fé católica e tem uma extensa experiência em Bíblia, teologia, na doutrina dos Pais da Igreja, em filosofia, direito canônico e liturgia. Seu site pessoal é JimmyAkin.com.

Compartilhe:

Mais postagens deste autor