Em Defesa da Oração aos Santos

Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Este é o primeiro do que provavelmente será uma série dividida em duas partes. Hoje, vou expor a defesa afirmativa de por que orar aos santos é fundamentado na Bíblia; amanhã, abordarei algumas das objeções comuns. Se você tiver alguma dúvida ou preocupação quanto a isso, entre em contato e farei o possível para responder.

 

A. Os Vivos e os Mortos Permanecem Parte de um Corpo: Uma Lição de Romanos

 

Paulo diz em Romanos 8:38-39 que: “Estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o porvir, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa em toda a criação, pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. E se permanecemos “em Cristo”, permanecemos um só Corpo, pois Romanos 12:4-5 nos declara que “Assim como cada um de nós tem um corpo com muitos membros, e estes membros não têm todos a mesma função, assim também em Cristo nós, que somos muitos, formamos um só Corpo, e cada membro pertence a todos os outros”. Portanto, todos nós, estando aqui e fora, estando vivos e mortos, fazemos parte de um Corpo e todos “pertencemos uns aos outros”. Só pelo fato de estarmos na Igreja militante e eles na Igreja padecente ou na triunfante, isso não significa que não temos a tarefa de cuidar uns dos outros.

 

B. Devemos Interceder Uns pelos Outros: O Verdadeiro Significado de 1 Timóteo 2

 

Alguns protestantes tentam negar a intercessão dos santos com base em 1 Timóteo 2:5: “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. Mas isso me parece o uso mais flagrante de texto de prova, em que se retira um versículo totalmente de seu contexto e separa-o até mesmo da segunda metade da frase. A passagem realmente diz (1 Timóteo 2:1-6):

 

Eu exorto, então, antes de tudo, que pedidos, orações, intercessões e ações de graças sejam feitas por todos – pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos viver vidas pacíficas e tranquilas em toda a piedade e santidade. Isso é bom e agrada a Deus, nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, o qual se deu a si mesmo em resgate por todos os homens, testemunho dado a seu tempo.

 

Então Paulo começa pedindo intercessão!

Claramente, no contexto, é óbvio que o papel único de mediador de Cristo se refere à Sua morte por nossos pecados: Ele sozinho pode pagar a dívida eterna de Seu Pai. Lê-lo como significando que há apenas um “intercessor” entre Deus e os homens torna a passagem sem sentido: particularmente porque o Espírito Santo também é descrito como intercedendo por nós (Romanos 8:26). No entanto, mesmo com o Espírito Santo e Jesus Cristo intercedendo por nós, mesmo nós ainda somos chamados a interceder uns pelos outros: Paulo pede isso em Efésios 6:19-20. E no versículo imediatamente anterior (Efésios 6:18), ele nos instrui a “sempre orar por todos os santos”. Não SOMENTE os Santos ainda presentes na Terra. Mas todos os Santos.

 

C. Os mortos podem nos ver: a “grande multidão de testemunhas” de Hebreus 12

 

Hebreus 11 é um grande capítulo da Bíblia, falando sobre aqueles que viveram pela fé, em ordem cronológica: Abel, o autor fala de Enoque, de Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, os pais de Moisés, Moisés, os judeus que confiaram em Moisés, os marchantes de Jericó e Raabe. Ele então diz, em Hebreus 11:32: “E que mais direi? Não tenho tempo para falar sobre Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os profetas”, e passa a resumir em linhas gerais os feitos inspirados pela fé dessas gerações posteriores de judeus fiéis, enquanto nos lembra que “o mundo não era digno deles” (Hb 11:38). É uma fantástica história de salvação, mostrando como esses judeus pré-cristãos depositaram sua confiança em Cristo, quer soubessem disso ou não. Se tal epístola não fosse ela própria Escritura inspirada, ainda assim valeria a pena incluí-la como uma Introdução ao Antigo Testamento na frente das Bíblias das pessoas. Então, ele diz, em Hebreus 11:39-40, “Todos estes foram elogiados por sua fé, mas nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Pois Deus havia planejado algo melhor para nós, de modo que sem nós não fossem eles aperfeiçoados”. Essa é a ideia da opção A acima – nós estamos todos juntos nisso. Mas ele não para por aí, e a próxima coisa que ele diz é encharcado no Espírito Santo (Hb 12:1-2):

 


Portanto, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, vamos
deixemos de lado tudo o que nos atrapalha e o pecado que tão facilmente nos envolve, e 
corramos com perseverança a carreira que nos é proposta. Fixemos nossos olhos em
Jesus, autor e consumador da nossa fé, o qual para gozo lhe propôs
suportou a cruz, desprezando a sua vergonha, e sentou-se à direita do trono de Deus.


 

Lindas palavras e dignas de reflexão em oração por uma variedade de motivos. Por ora, basta observar que toda a Litania dos Santos mencionada em Hebreus 11 é considerada como sendo uma “grande multidão de testemunhas” assistindo a uma corrida: isto é, a nossa corrida. Leia AS “TESTEMUNHAS” DE HEBREUS 12:1 (A COMUNHÃO DOS SANTOS)

 


Antigo Teatro em Filipos, construído por Filipe II no século IV aC. Fotografia de Carol Raddato (4-7-12)
Wikimedia Commons /  Creative Commons Attribution-Share Alike 2.0 Generic

 

GotQuestions, em uma tentativa de refutar essa noção de orar aos santos, diz: “A Bíblia não dá absolutamente nenhuma indicação de que Maria ou os santos podem ouvir nossas orações. Maria e os santos não são oniscientes. Mesmo glorificados no Céu, eles ainda são seres finitos com limitações. Como eles poderiam ouvir as orações de milhões de pessoas?” Isso está claramente errado. Se eles não podem nos observar, eles não são testemunhas. Sendo assim, ou Hebreus está certo, ou GotQuestions está. E, considerando seus respectivos históricos, eu fico com o primeiro. Para ser justo, o erro que o autor está cometendo é básico: ele assume que o tempo no Céu funciona da mesma maneira que o tempo na Terra. Essa é uma visão da vida após a morte do tipo “o céu é um lugar nas nuvens onde as pessoas tocam harpas” , que parece difícil de mudar. Portanto, o problema está de fato na visão da vida após a morte, nas suposições sutis quanto às limitações que restringem aqueles que estão no céu. Acho que é seguro dizer que a “grande multidão de testemunhas” não está lá em cima tentando aprender Português para então poder descobrir o que estão testemunhando.

 

D. Os Mortos Continuam a Rezar pelos Vivos: Lázaro e Dives

 

Em Lc 16,27-28, uma parte da parábola de Lázaro e Dives, o homem rico (“Dives”), que agoniza no Inferno, reza ao “pai Abraão” (cf. Lc 16,24), que se encontra no Limbo dos Patriarcas: “Rogo-te, ó pai, que mandes Lázaro à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que ele os avise, de modo que não venham também para este lugar de tormento”. Abraão recusa o pedido, porque “eles têm Moisés e os Profetas”, mas não, curiosamente, porque ele é incapaz de ressuscitar Lázaro dentre os mortos (Lucas 16:29). Contudo, mesmo que, argumentássems que Abraão seja incapaz de realizar esse milagre, ainda assim vemos o Rico ciente do estado de seus irmãos e desejando interceder por eles. Se isso é verdade para Lázaro no Inferno, quanto mais para os Santos que estão no Céu?

 

E. Anjos Intercedem por Nós

 

Vale a pena notar brevemente que em Mateus 18:10, Jesus deixa claro que temos anjos da guarda cuidando de nós, quando Ele diz: “Cuidado, não menospreze nenhum destes pequeninos. Pois eu lhes digo que seus anjos no céu sempre veem a face de meu Pai que está nos céus”. Seus anjos. Isso significa que você tem anjos no céu olhando para o Pai e intercedendo por você, especificamente. Esses anjos (que são seres finitos) são capazes de estar sempre na presença de Deus enquanto ainda estão cientes do que está acontecendo em sua vida: o céu claramente não segue as mesmas regras que a terra. E mais, esta intercessão angélica não ofende em nada a dignidade ou a soberania de Cristo. Ele é quem nos conta sobre isso!

 

F. Um vislumbre do processo de intercessão

 

Finalmente, há duas partes do Livro do Apocalipse que merecem menção. Apocalipse 5 menciona o Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, recebendo as orações dos santos dos anciãos (Ap 5:6-8):

 


 

6. Eu vi no meio do trono, dos quatro Animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha ele sete chifres e sete olhos (que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda a terra).

7.Veio e recebeu o livro da mão direita do que se assentava no trono.

8.Quando recebeu o livro, os quatro Animais e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfume (que são as orações dos santos).

Apocalipse 5:6-8

 


 

A propósito, é daí que vem aquela imagem de “sentado nas nuvens tocando harpa”. Exceto pelo fato de que eles não estão sentados nas nuvens, é claro – eles estão adorando o Cordeiro Pascal. Não estou certo de quem são os “anciãos”: se são santos no céu ou se são seres celestiais. Também não é declarado se as “orações dos Santos” são as dos Santos na Terra, no Céu ou de ambos. Apocalipse 8:3-4 pode lançar alguma luz sobre ambas as questões, uma vez que “outro anjo, que tinha um incensário de ouro, veio e ficou de pé junto ao altar. Foi-lhe dado muito incenso para oferecer, com as orações de todos os santos, no altar de ouro diante do trono. A fumaça do incenso, junto com as orações dos santos, subiu da mão do anjo até Deus”. Portanto, os anjos estão (pelo menos) envolvidos no processo de intercessão de alguma forma, e as orações são de “todos os santos”, não apenas dos vivos ou dos mortos.

O que também está claro é que algum tipo de intercessão está acontecendo. Cristo, que “vive para interceder” por nós ao Pai (Hebreus 7:25), Ele mesmo recebe orações de outros intercessores, esses anciãos. E observe: os anciãos e os anjos também são seres finitos (independentemente de os anciãos serem humanos ou angelicais). Eles não são deuses, mas ainda assim são capazes de levar todas as orações de todos os lugares, em todas as línguas, sejam expressas mentalmente ou verbalmente, e reuni-las. Elas são colocados diante do Filho e oferecidos como sacrifícios ao Pai (daí o incenso). 1 Coríntios 6:3 deixa claro que em nosso estado glorificado, seremos superiores aos anjos. Então, se os anjos são capazes de receber nossas orações e interceder por nós junto ao Pai, como podemos concluir o contrário com respeito aos humanos? No mínimo, seria preciso concluir que os anjos mensageiros que entregam nossa carta de oração a Deus também podem entregá-la aos santos para quem pedimos intercessão.

 

G. Conclusão

 

Acho que pelas evidências bíblicas fica claro que, como membros do Corpo de Cristo, nós temos a obrigação, estando vivos ou mortos, de orar uns pelos outros e interceder por todos os santos, bem como por vários outros súditos de nossa orações (aqueles em autoridade, por exemplo). Temos a obrigação de rezar pelos mortos; e eles, como membros do Corpo de Cristo, têm a obrigação de orar por nós. Não há problema em pedir que orem por coisas específicas, assim como Paulo nos pediu para orar por coisas específicas em Efésios 6:19-20. Não é muito diferente de um jogador de esportes que tenta “animar” a multidão, ou levá-la a torcer por uma determinada coisa: esta é a nossa “grande nuvem de testemunhas” e estão nos firmando em Deus. Também está claro (como sugere a Parte F) que o processo de oração é muito mais complexo do que parece à primeira vista. Em vez de a oração simplesmente ficar entre mim e Deus, há claramente uma hoste de seres celestiais que estão envolvidos em oferecer essa oração, em algum brilhante plano divino. Supor que santos ou anjos não podem nos ajudar porque são finitos demonstra a falta de compreensão da natureza da oração, a qual é muito maior do que nós.


Felizmente, isso estabelece as bases de por que orar pelos santos e aos santos é bíblico. Obviamente, isso não se estende ao ato de adoração dos santos, mas não acho que alguém lendo este blog esteja em risco particular desse (hipotético) pecado. Sinta-se à vontade para fazer qualquer pergunta com a qual você esteja lutando, e, na parte 2, tentarei responder aos problemas comuns que as pessoas têm com esse conceito, bem como a qualquer outra coisa que você possa mencionar.

 

 

Foto: Arquivo Pessoal da Tradutora
Basílica de Nossa Senhora do Carmo 

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do texto Laying Out the Case for Praying to Saints

 

REFERÊNCIAS

SHAMELESS POPERY

BÍBLIA AVE MARIA

Picture of Joe Heschmeyer

Joe Heschmeyer

Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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Nativo de Kansas City, Joe Heschmeyer é um apologista da equipe do Catholic Answers. Sendo autor, palestrante, blogueiro e podcaster popular, ele ingressou no apostolado em março de 2021, após três anos como instrutor na Holy Family School of Faith em Overland Park, Kan. Atuou como advogado em Washington, D.C., recebeu seu título de Juris Doctor pela Georgetown University em 2010, depois de se formar em história pela Topeka's Washburn University. Mantém parceria agora como colaborador regular do site Catholic Answers, mas também teve uma atuação ampla na apologética antes disso, com um blog em seu próprio site chamado “Shameless Popery”. Até o momento, ele é autor de quatro livros, incluindo Pope Peter e The Early Church Was the Catholic Church.

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