Devemos confessar os pecados ao Sacerdote para nos apresentar diante do Altar

Tacisio Coelho

Tacisio Coelho

No Didaquê, documento de extrema importância na Igreja cristã primitiva, escrito por volta do ano 80-90 d. C., em seu capítulo XIV, é ensinado que ninguém deve tomar parte na comunhão do Corpo de Cristo (o Sacrifício) sem ter se confessado antes, pois isso macularia o Sacrifício. Isso ocorre porque Deus é santo, e é algo tão sério vilipendiar os mistérios sagrados de Deus que o apóstolo Paulo disse certa vez que a falta do temor dos cristãos diante da Eucaristia é a causa de muitos ficarem enfermos e até mesmo morrerem precocemente:

 

Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha. Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação. Essa é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos, e muitos mortos. Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.

1 Coríntios 11, 26-31

 

Há quem questione a necessidade de se confessar com alguém, isto é, com uma pessoa, e não diretamente a Deus. Todavia, em resposta a isso, temos o próprio apóstolo Tiago dizendo que os sacerdotes são chamados tanto para que orem em caso de doenças dos fiéis enfermos e acamados, quanto em situações de pecado pela autoridade da Igreja:

 

Alguém entre vós está triste? Re­ze! Está alegre? Cante. Está alguém enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, lhe serão perdoados. Confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para serdes curados.

Tiago 5, 13-16

 

Muitos, ao lerem essa passagem, podem obstar que o texto apenas ordena vagamente a confissão de pecados, “uns aos outros”. Contudo, o que percebemos é que o contexto não condiz com essa interpretação, de que devemos nos confessar com qualquer um, recebendo assim o perdão de pecados. A própria ordem de São Tiago para chamar o sacerdote já depõe contra essa tese. A delegação dada por Cristo para perdoar pecados constitui um grande problema para aqueles que defendem uma confissão dessa natureza, pois Cristo deu essa autoridade aos apóstolos, o que configura um dom cuja procedência é divina. Os fariseus, inclusive, acusavam Jesus de blasfêmia por perdoar pecados, ao que respondia que recebera toda autoridade do Pai (Marcos 2, 5-11; Lucas 5, 21; João 17,2; 5,21-23; Mateus 28,18). Quando Jesus envia os doze, Ele lhes investe da mesma autoridade, dizendo que “assim como o Pai o enviou, Ele agora os enviaria, e que eles teriam poder para perdoar pecados e para reter os pecados – “Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos'” (João 20, 22-23)Ora, a Igreja não acabaria ali com aqueles homens. Se Cristo, ao ir para o Pai, deu poder para os apóstolos perdoar pecados, aquele dom não se extinguiria após uma geração com a morte dos apóstolos, mas, por uma questão de lógica, os próprios apóstolos deveriam passá-lo adiante, como ocorreu.

 

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As Dificuldades Práticas de Confessar uns com os Outros 

 

Sobre a dificuldade prática da confissão “uns com os outros”, temos de admitir que isso já foi comum na Igreja Católica, sendo modificado o costume com o tempo, sobretudo em razão de São Comumbano (540 615). Sobre esse ponto, podemos apontar para o problema da fofoca. Tal dificuldade, por exemplo, foi alvo de crítica em comunidades protestantes que trouxeram esse hábito com a reforma, em que líderes incentivavam seus fiéis a confessar seus pecados publicamente diante de toda a assembleia. Tal disciplina foi acusada por outro protestante, o anglicano Augustus Toplady, em sua carta dirigida a John Wesley, líder de uma dessas comunidades, as chamadas Band-Societies (Você pode ler as regras criticadas por Toplady aqui):

 

As regras das quais o Sr. Wesley chama de Band-Societies, demonstram a miserável servidão daqueles que são admitidos naquele clube de fofoca. Inserir todas as regras seria muito cansativo. Apresentar uma ou duas delas, como amostras, pode ser aceitável ao leitor: “Falar, cada um de nós em ordem, livre e francamente, o verdadeiro estado de nossas almas; com as falhas que cometemos em pensamento, palavra ou ação; e as tentações que sentimos desde nosso último encontro”. Ou mesmo: “Desejar que alguma pessoa entre nós fale do seu estado anterior, e depois perguntar ao restante em ordem, sejam quais forem as perguntas e quantas possam estar relacionadas à sua condição, aos seus pecados e tentações”. Entre as questões propostas a tais candidatos para a admissão neste pretenso sanctum sanctorum (Santo dos santos), estão as que se seguem: “É seu desejo e projeto estar neste e em todas as outras ocasiões de forma inteiramente honesta, de modo a falar tudo aquilo que está em seu coração sem exceção, sem disfarce e sem reserva?” O relato impresso de onde esses extratos foram tirados literalmente, acrescenta; que as cinco perguntas a seguir são as que serão perguntadas em todas as reuniões:

 

      1. “Quais pecados conhecidos você cometeu desde nosso último encontro?”
      2. “Com que tentações você já encontrou?”
      3. “Como você foi recebido?”
      4. “O que você pensou, disse ou fez, do qual você tem dúvida se é pecado ou não?”
      5. “Você não tem nada que deseje manter em segredo?”

 

O leitor, sem dúvida, neste momento será lembrado da prática papista de confissão auricular. Da minha parte, não tenho nenhuma vergonha em reconhecer que essa confissão, tal como administrada na igreja de Roma, é infinitamente preferível à confissão conduzida sob os auspícios do Sr. Wesley. Nesses países, onde o papado é estabelecido, a confissão é feita apenas para uma pessoa, e ele é um sacerdote: de maneira que, se ele divulgar o que é dado a conhecer a ele sob o caráter de confessor, está sujeito por lei a morrer. Mas nestas Band-Societies, a confissão mais aberta e sem reservas, ao que parece, é feita na presença de uma dúzia, ou mesmo diante de vinte mulheres idosas e meninos, os quais têm a liberdade de falar tudo o que ouvem, sem estar sujeitos a qualquer penalidade. 

 

Nota de Rodapé Nº 103 de Carta de Augustus Toplady a John Wesley,
em ZANCHI, Girolamo, “A Doutrina da Predestinação Absoluta” 

 

Nem todos os membros da Igreja são maduros, e haver uma pessoa específica, que representa tanto Cristo como a Igreja, para perdoar os pecados, segundo o mandamento do Senhor, constitui não somente um cumprimento da prescrição de Cristo nos evangelhos, mas também um caminhar pela via da prudência.

 

Foto de Viktor SOLOMONIK na Unsplash

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Tacisio Coelho

Tacisio Coelho é um leigo católico que ama a arte sacra. Atualmente estuda Estatística na Universidade Federal do Piauí. Sua maior aspiração é amar a Deus com todo o seu ser e contribuir para que os outros possam amá-lo também.

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Tacisio Coelho é um leigo católico que ama a arte sacra. Atualmente estuda Estatística na Universidade Federal do Piauí. Sua maior aspiração é amar a Deus com todo o seu ser e contribuir para que os outros possam amá-lo também.

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