Um dos ataques mais surpreendentes ao papado veio de Eamon Duffy, um professor de história do cristianismo da Universidade de Cambridge. O argumento de Duffy é que não somente o bispo de Roma não era considerado papa nas primeiras eras do cristianismo, mas também que nem sequer houve bispo de Roma por quase um século após a morte dos apóstolos. Claro, muitos apologistas e escritores dizem a mesma coisa. O que torna Duffy único é que ele é um bom historiador e muito respeitado em círculos católicos (principalmente por seu livro The Stripping of the Altars: Traditional Religion in England 1400-1570). Além do mais, ele é um católico de berço e, pelo menos até onde sei, ele não é hostil à Igreja Católica. Ele leva o catolicismo a sério, mas afirma que o papado é um desenvolvimento posterior.
Os Argumentos de Eamon Duffy contra o Papado
Aqui estão os pontos-chave da reivindicação de Duffy contra o papado, retirados do Capítulo Um de seu livro, Saints and Sinners: A History of the Popes. Como este é um post longo que cobre muitos argumentos, eu o formatei de maneira que você possa lê-lo diretamente ou usar links HTML para pular as alegações de Eamon e ir direto para minhas respostas:
A continuidade entre o Papa e o Apóstolo repousa em tradições que remontam quase ao início dos registros escritos do cristianismo. Já estava bem estabelecido no ano de 180 d. C., quando o escritor cristão primitivo Irineu de Lyon o invocou em defesa do cristianismo ortodoxo. [….] Todas as reivindicações essenciais do papado moderno, ao que parece, estão contidas nestas palavras do Evangelho acerca da Rocha, e no relato de Irineu com respeito à linhagem apostólica dos primeiros bispos de Roma. No entanto, as coisas não são tão simples. Os papas traçam sua comissão de Cristo através de Pedro, mas para Irineu a autoridade da Igreja em Roma veio de sua fundação por dois apóstolos, não por um, Pedro e Paulo, não apenas Pedro.
A tradição de que Pedro e Paulo foram mortos pelas mãos de Nero em Roma por volta do ano 64 d.C. foi universalmente aceita no século II, e no final daquele século, os “troféus” dos Apóstolos já eram exibidos aos peregrinos de Roma, assim como seus túmulos ou cenotáfios, o de Pedro na colina do Vaticano e o de Paulo na Via Ostiensis, que ficava fora dos muros na estrada em direção à costa. No entanto, ainda assim, acerca disso tudo o Novo Testamento faz silêncio. A lenda posterior preencheria os detalhes da vida e morte de Pedro em Roma – suas lutas com o mago e pai da heresia, Simão, o Mágico, seus milagres, sua tentativa de fuga da perseguição em Roma, uma fuga da qual ele se arrependeu em razão de um visão de Cristo (a lenda de “Quo Vadis”) e, finalmente, sua crucificação de cabeça para baixo no Circo do Vaticano na época do imperador Nero.
Essas narrativas eram aceitas como história sóbria por algumas das maiores mentes da Igreja primitiva – Orígenes, Ambrósio e Agostinho. Mas não passam de romances piedosos, não história, e o fato é que não temos relatos confiáveis nem da vida posterior de Pedro, nem da maneira ou local de sua morte. Nem Pedro nem Paulo fundaram a Igreja em Roma, pois havia cristãos na cidade antes de qualquer um dos apóstolos pôr os pés ali. Tampouco podemos supor, como fez Irineu, que os apóstolos estabeleceram ali uma sucessão de bispos para

continuar seu trabalho na cidade, pois todas as indicações são de que não havia um único bispo em Roma por quase um século após a morte dos apóstolos. Na verdade, para onde quer que nos voltemos, os contornos sólidos da sucessão petrina em Roma parecem borrar e se dissolver. [….]
Para começar, na verdade, nem havia “papa”, e nenhum bispo como tal, pois a igreja em Roma demorou a desenvolver o cargo de presbítero-chefe, ou de bispo. No final do primeiro século, o padrão frouxo de autoridade cristã da primeira geração de crentes ainda estava dando lugar em muitos lugares ao governo mais organizado de um bispo só para cada cidade, apoiado por um colégio de anciãos. Esse desenvolvimento foi, pelo menos em parte, uma resposta à disseminação de falsos ensinamentos – a heresia. [….]
Uma figura-chave nesse desenvolvimento foi Inácio de Antioquia, um bispo da Ásia Menor preso e levado a Roma para ser executado por volta do ano 107. No caminho, ele escreveu uma série de cartas a outras igrejas, consistindo a maioria em apelos dirigidos a elas com o fim de que se unissem aos seus bispos. Sua carta à igreja romana, no entanto, não diz nada sobre os bispos, uma forte indicação de que o cargo ainda não havia surgido em Roma. Paradoxalmente, esta impressão é corroborada por um documento que por vezes foi considerado a primeira encíclica papal. Cerca de dez anos antes da chegada de Inácio a Roma, a igreja romana escreveu à igreja de Corinto, na tentativa de acalmar as disputas e desordens que haviam eclodido ali. A carta não está assinada, mas sempre foi atribuída ao presbítero romano Clemente, geralmente contado nas antigas listas como o terceiro Papa depois de São Pedro. Mais tarde, as lendas se acumulariam em torno de seu nome, e ele seria venerado como um mártir, exilado na Crimeia e morto ao ser amarrado a uma âncora e jogado no mar. Na verdade, porém, Clemente não reivindicou escrever na prerrogativa de bispo. Sua carta foi enviada em nome de toda a comunidade romana, ele em momento algum se identifica ou escreve em sua própria pessoa, e não sabemos nada sobre ele. A carta em si não faz distinção entre presbíteros e bispos, sobre os quais sempre fala no plural, sugerindo que em Corinto, assim como em Roma, a igreja naquela época era organizada sob a autoridade de um grupo de bispos ou presbíteros, em vez de por um único bispo governante.
Uma geração depois, ainda era assim em Roma. O tratado visionário intitulado O Pastor de Hermas, escrito em Roma no início do século II, fala sempre coletivamente dos “governantes da Igreja”, ou dos “anciãos que presidem a Igreja”, e mais uma vez o autor não faz nenhuma tentativa de distinguir entre bispos e anciãos. Clemente é de fato mencionado (se é que o Clemente de Hermas é o mesmo homem que o autor da carta escrita pelo menos uma geração antes, o que não podemos supor), todavia, não é como bispo presidente. Em vez disso, somos informados de que ele era o ancião responsável por escrever “às cidades estrangeiras” – na verdade, o secretário correspondente da igreja romana.
Então, como devemos responder aos argumentos de Duffy? Vamos abordar cada um deles por sua vez.
Pedro e Paulo em Roma
>> Há mesmo Silêncio no Novo Testamento?
Duffy afirma que o Novo Testamento é “silencioso” em relação aos martírios de São Pedro e Paulo em Roma. Isso é em maior parte verdade. Mas o Novo Testamento não faz silêncio com respeito ao fato de que São Pedro estava em Roma (1 Pedro 5:13, referindo-se a Roma como “Babilônia”), assim como São Paulo (Atos 23:11; Atos 28:16). Além disso, Cristo predisse que Pedro seria martirizado (João 21:18-19). Portanto, temos uma dica sobre os últimos dias de Pedro e Paulo no Novo Testamento, e os escritos dos primeiros cristãos preenchem os detalhes que faltam. Como observa Duffy, a Tradição “de que Pedro e Paulo foram mortos pelas mãos de Nero em Roma por volta do ano 64 d.C. foi universalmente aceita no segundo século”. Não há disputa séria sobre este ponto.
>> Lenda ou História?
Embora tenhamos um testemunho do segundo século acerca do martírio de Pedro em Roma, Duffy observa corretamente que muitos dos “detalhes da vida e morte de Pedro em Roma” não são escritos até um pouco mais tarde. Duffy zomba desses eventos tratando-os como “lendas”, “histórias” e “romance piedoso”. Mas esses relatos foram “aceitos como história sóbria por algumas das maiores mentes da Igreja primitiva – Orígenes, Ambrósio, Agostinho”. Qual base Duffy nos dá para favorecer a sua zombaria do testemunho desses Padres da Igreja? Agora, não é como se quaisquer alegações sobre o papado estivessem enraizadas em histórias sobre as “disputas de Pedro contra o mago e pai da heresia, Simão Mágico”. Os católicos são livres para concordar com Duffy que alguns ou todos esses relatos são meramente romances piedosos. Todavia, os leitores devem pelo menos estar cientes de que tudo que ele oferece é um desprezo sarcástico, e não uma argumentação bem fundamentada.
>> A Igreja de Roma foi fundada por Pedro e Paulo?
Muito mais séria é a afirmação de que “nem Pedro nem Paulo fundaram a Igreja em Roma, pois havia cristãos na cidade antes de qualquer um dos apóstolos colocar os pés lá”. Ironicamente, não há controvérsia em torno do fato de que “havia cristãos na cidade antes de qualquer um dos apóstolos colocar os pés lá”. Atos 2:10 nos diz que havia “visitantes de Roma, tanto judeus como prosélitos”, presentes no Pentecostes. Provavelmente, muitos desses visitantes estavam entre os 3.000 convertidos naquele dia (Atos 2:41), e provavelmente formaram a semente da primeira comunidade cristã em Roma. A disputa é se a presença de um punhado de crentes cristãos constitui a “fundação” da Igreja em Roma. Para os primeiros cristãos, isso não era suficiente. Para eles, bem como para os católicos de hoje, um corpo religioso não constituía uma “igreja” sem hierarquia – e uma hierarquia com sucessão apostólica. Por esta razão, autores como Tertuliano e Irineu descrevem os métodos pelos quais as igrejas provam suas origens apostólicas: ou seja, que um “bispo seja capaz de demonstrar por meio de quem o ordenou e de seu antecessor algum dos apóstolos ou um dos homens apostólicos”. Mesmo que todos os 3.000 convertidos no Pentecostes fossem romanos que retornaram a Roma no dia seguinte, eles não formariam uma igreja sem que houvesse um bispo validamente ordenado. Foi estabelecendo uma hierarquia, ordenando presbíteros e futuros bispos, que Pedro e Paulo fundaram a Igreja em Roma. Os primeiros cristãos relatam que Paulo ordenou Lino (o 2º papa) e Pedro ordenou Clemente (o 4º papa).
Leia mais sobre o tema aqui.
Irineu
>> Será mesmo que todas as reivindicações essenciais estão lá?
Duffy escreve que “pode parecer” que todas as “reivindicações essenciais do papado moderno” estão contidas em Mateus 16:17-19 e no “relato de Irineu sobre a linhagem apostólica dos primeiros bispos de Roma”. Se ele quer dizer com isso que essas duas fontes seriam suficientes, mesmo isoladamente, isso provavelmente é verdade. Mas é importante notar que esses textos não existem isoladamente. Eu escrevi anteriormente uma série de seis partes sobre as evidências do papado do Novo Testamento, e apenas uma dessas seis partes focada em Mateus 16. E como você verá ao longo deste post, Irineu está longe de ser uma voz solitária no testemunho da sucessão petrina do papado. Sendo assim, embora pudéssemos confiar nesses dois textos para provar todas as reivindicações essenciais do papado moderno, não precisamos.

Adamo Tadolini, Estátua de São Paulo, ano 1838 (localizado na Praça de São Pedro, Vaticano)
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>> Pedro ou Pedro e Paulo?
Duffy afirma que “para Irineu, a autoridade da Igreja em Roma veio de sua fundação por meio de dois apóstolos, não por um só, mas sim de Pedro e Paulo, não apenas de Pedro”. Em nenhum lugar Irineu afirma (ou mesmo sugere) que a autoridade petrina não seria suficiente, por si só, sem a autoridade adicional de São Paulo.
Em vez disso, Irineu faz três afirmações relevantes:
- Que todas as outras igrejas devem concordar com a Igreja de Roma (“é uma questão de necessidade que cada Igreja deve concordar com esta Igreja, por causa de sua autoridade preeminente”);
- Que esta Igreja foi fundada por Pedro e Paulo (Irineu a chama de “a grande, muito antiga e universalmente conhecida Igreja fundada e organizada em Roma pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo”); e
- Que os “apóstolos abençoados, então, tendo fundado e edificado a Igreja, entregaram nas mãos de Lino o ofício do episcopado”, uma linhagem que continua ao longo da história.
Estas são afirmações que a Igreja Católica prontamente sustenta, e até proclama. É por uma boa razão que a Igreja celebra a Festa de S. Pedro e S. Paulo juntos, em vez de a Festa de São Pedro sozinho. A Igreja Romana (e a Igreja Católica Romana) gloria-se com razão em seu fundamento Paulino, bem como também em seu fundamento Petrino. É belo o fato de que São Paulo, o apóstolo dos gentios, e São Pedro, o principal apóstolo dos judeus (cf. Gálatas 2:8), tenham estado unidos de tal forma eterna em seus martírios em Roma. Mas nada dito aqui sugere que a autoridade petrina teria sido insuficiente por si só. Duffy está lendo no texto algo que simplesmente não existe.
>> Quem está presumindo aqui?
Duffy diz que Irineu simplesmente “presume” a existência de um episcopado romano que remonta aos Apóstolos. Se alguém aqui está “presumindo” alguma coisa, é Duffy. Em outra parte, de fato, ele reconhece que Irineu fornece uma lista detalhando de forma específica quem eram esses bispos: “Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo, Alexandre, Sisto e assim por diante até o contemporâneo e amigo de Irineu Eleutério, bispo de Roma de 174 d.C. até 189.” Esta lista de papas, explica Irineu, é “a prova mais abundante de que existe uma mesma fé vivificante, que foi preservada na Igreja desde os apóstolos até agora e transmitida em verdade”. Portanto, Irineu não apenas “supõe” que deve ter havido alguns bispos em Roma entre Pedro e Eleutério. Ele nos diz especificamente quem eles eram e em que ordem serviram. E sua lista corrobora com as demais evidências antigas.
>> Sério? “Todas as Indicações”?
Em um exagero particularmente grosseiro, Duffy afirma que “todas as indicações são de que não houve um único bispo em Roma por quase um século após a morte dos apóstolos”. Isso é totalmente falso. Como o resto deste post mostra, nenhuma das evidências de que Duffy apresenta apoia sua afirmação de que “não houve um único bispo em Roma por quase um século após a morte dos apóstolos”, vários escritores do segundo século dizem exatamente o oposto (que havia um bispo único em Roma em continuidade desde a época de São Pedro), e Duffy ignora ou interpreta mal um monte de evidências antigas. Como essa afirmação está no cerne da tese que ele apresenta, abordo-a mais detalhadamente na seção final abaixo.
>> Cadê as Linhas borradas?
A afirmação de que “para onde quer que nos voltemos, os contornos sólidos da sucessão petrina em Roma parecem borrar e se dissolver” não tem sustentação e é falsa. A sucessão petrina em Roma é atestada diretamente por numerosas autoridades cristãs antigas. Por exemplo, é descrita em detalhes por Santo Irineu, Santo Optato de Milevis, Santo Agostinho (veja item 2 do Capítulo 1), pelo Catálogo Liberiano de 354, por Eusébio e assim por diante. Tampouco há fortes evidências em algum lugar que se oponham a essas listas. Na medida em que alguns dos primeiros cristãos nos falam sobre a estrutura da Igreja em Roma, eles concordam com a ideia da sucessão petrina naquela Igreja.
Inácio de Antioquia
>> Presbíteros são Bispos?
O argumento de Duffy é baseado em três afirmações, cada uma das quais parece ter sido levantada diretamente do Pe. Raymond Brown e do Pe. John P. Meier:
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- Todas as igrejas primitivas eram governadas por “presbíteros”, em vez de por um único bispo;
- Santo Inácio de Antioquia ajudou a modificar isso; e
- Roma demorou a mudar do governo presbiteral para o episcopal.
Cada uma dessas alegações é falsa e mal apoiada pelas evidências. Tim Troutman, da Called to Communion, já respondeu ao primeiro argumento:
Mencionamos acima que as primeiras referências aos ofícios clericais, particularmente no que diz respeito ao presbítero e ao bispo, pareciam ambíguas. Desde o início, sempre que os termos “bispo”, “presbítero” e “diácono” eram usados em qualquer poder de autoridade, o uso era consistente com o governo episcopal. No governo da Igreja mon0-episcopal, todos os bispos são presbíteros, mas nem todos os presbíteros são bispos. Ou seja, o ofício de bispo inclui todas as funções do presbitério, mas os presbíteros não podem desempenhar todas as funções dos bispos. Este fato por si só já explica muito da aparente intercambialidade dos termos nos primeiros textos. Por outro lado, a maneira pela qual a Igreja imediatamente começou a falar de tais ofícios era incompatível com governos eclesiais que não sejam episcopais (ou seja, TODOS OS MODELOS DE GOVERNO com exceção das estruturas católicas, ortodoxas ou anglicanas). Esse tratamento técnico da terminologia clerical corrobora com a explicação eclesiástica da Divina Liturgia em desenvolvimento como um culto sacrificial, o que discutiremos na próxima seção. Assim como o sacrifício sempre esteve presente no culto litúrgico, embora sua terminologia nem sempre correspondesse de forma explícita à maneira como ela agora fala de si mesma, da mesma forma, os ofícios de presbítero e bispo sempre estiveram separados, e a distinção terminológica só mais tarde se solidificou. Uma vez que o fez, continuou sem a existência de ambiguidade até ser rejeitada por (alguns dos) primeiros protestantes.
Tampouco foi isso simplesmente um acidente da história. Em vez disso, trata-se do cumprimento do que foi estabelecido no judaísmo do Antigo Testamento:
A hierarquia judaica do primeiro século, que tinha à frente o Sinédrio, um conselho de anciãos, foi uma referência contextual óbvia e imediata para o clero cristão. No entanto, esse corpo colegiado não era inteiramente igualitário; os anciãos estavam unidos e governavam sob a autoridade do sumo sacerdote. Essa estrutura se reflete no único bispo cercado por presbíteros na Igreja primitiva. Voltando ainda mais no tempo, vemos Moisés, que foi ordenado por Deus para nomear setenta anciãos e subir para comparecer diante do Senhor junto com Arão e seus filhos. Mas somente Moisés deveria se aproximar do Senhor. Essa ordem hierárquica foi deliberadamente reproduzida quando Jesus, o verdadeiro Sumo Sacerdote, selecionou Seus Apóstolos e outros setenta discípulos. Ou seja, a hierarquia da Igreja foi construída sobre o paradigma judaico existente.
Abordo esse argumento com mais detalhes abaixo.
Tendo dito tudo isso, é verdade que Às vezes as Escrituras parecem referir-se aos bispos como “presbíteros”. Mas isso não sugere que não haja distinção entre as categorias. Até onde eu sei, ninguém nega que os Apóstolos constituem uma ordem distinta dos diáconos, mas São Paulo descreve a si mesmo como um “diácono” (diakonos; veja 2 Coríntios 3:6, 6:4, 11:23; Ef. 3:7). Da mesma forma, São Pedro descreve a si mesmo como um “colega presbítero” ou como “presbítero” (1 Pedro 5:1), apesar de ser um apóstolo (e papa).
Há provavelmente três razões para isso:
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O maior abarca o menor, a fortiori (no ditado português, “quem pode o mais pode o menos”): Assim, podemos descrever os bispos como sacerdotes, e (como os papas Bento XVI e Paulo VI notaram), o papa, junto com todos os bispos e sacerdotes, continua sendo um diácono.
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Humildade: para lembrar aos bispos que eles são chamados a ser padres, lembrar aos padres que eles são chamados a servir como diáconos e (como fez São Pedro) identificar-se com os subordinados.
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Terminologia: As palavras “bispo”, “presbítero” e “diácono” carregam significados não técnicos (“superintendente”, “presbítero” e “servo/ministro”). Sendo assim, quando São Paulo se refere a si mesmo como um “diakensis”, ele pode estar enfatizando sua identidade diaconal, ou pode estar apenas apontando o modo como ele é um servo do Evangelho. Eventualmente, como observa Troutman, as palavras “bispo”, “presbítero” e “diácono” começam a ser usadas de maneira mais técnica, mas particularmente nos primeiros dias, não é muito surpreendente ouvir sobre um presbítero ajudando a supervisionar a Igreja.
>> Será que foi Inácio quem primeiro introduziu o monoepiscopado?
Fiquei surpreso ao ver Duffy propor a ideia de que Santo Inácio de Antioquia foi a “figura-chave” na introdução do mono-episcopado (em que há um bispo por cidade/diocese). Tanto quanto sei, este argumento foi apresentado pela primeira vez em 1983, pelo Pe. Raymond Brown e pelo Pe. John P. Meier, na obra Antioch and Rome: New Testament Cradles of Catholic Christianity, e ele é construído quase que completamente baseando-se numa argumentação circular e em argumentos pelo silêncio. Inácio escreveu sete cartas a caminho de seu martírio em Roma: uma para São Policarpo, bispo de Esmirna; cinco para igrejas na Ásia Menor, instruindo-as a obedecer seus bispos; e um para a igreja de Roma, agradecendo-lhe por seu apoio e pedindo-lhe que não tentasse interferir em seu martírio.

Uma vez que Inácio disse às igrejas da Ásia Menor que obedecessem ao seu bispo, Brown e Meier agarraram-se a isso como uma “prova” de que o monoepiscopado deve ter sido uma novidade:
Como Meier mostrou (p. 77 acima) para explicar a insistência e defesa de Inácio da ordem tríplice, deve-se postular que o modelo de bispo único apareceu em Antioquia e Ásia Menor por volta do ano 100.
E como Inácio não ordena aos romanos que obedeçam ao seu bispo, Brown e Meier citam tal fato como prova de que o monoepiscopado deve ser uma novidade que ainda não havia chegado a Roma:
De fato, a falha notável de Inácio (por volta do ano 110) em mencionar o bispo único em sua carta aos romanos (um tema muito proeminente em suas outras cartas) e a postura de Hermas, ao falar de presbíteros plurais (Vis. 2.4. 2) e bispos (Sim. 9.27.2), torna provável que a estrutura de um bispo único não tenha chegado a Roma até por volta de 140-150.
Fiquei, e continuo, completamente impressionado com esta linha de argumentação circular, “cara eu ganho, coroa você perde”:

Então quer dizer que, se Inácio menciona uma estrutura de três camadas, isso deve significar que ninguém acreditava nela, e ele tem que “defendê-la”, e caso ele não mencione uma estrutura de três camadas, isso significa que ela não existia naquela cidade. Portanto, não importa o que ele diga ou não diga, nós podemos concluir que havia presbíteros-bispos. Isso é um péssimo raciocínio. Afinal, se Inácio apenas escrevesse sobre a estrutura de três camadas para defender a noção de tal novidade, esperaríamos vê-lo escrever sobre ela somente a Roma, já que aparentemente apenas Roma não a empregava. Por que então ele estaria convencendo os cristãos que já concordam com ele (das demais igrejas), sem mencionar nada para os cristãos que não concordam (da igreja de Roma)?
Aqui está uma maneira melhor de explicar esses mesmos fatos, sem recorrer a ginástica mental ou a argumentos circulares:
- INÁCIO ESTÁ MENCIONANDO, E NÃO DEFENDENDO, o monoepiscopado em suas cartas às igrejas da Ásia Menor:
Em nenhum lugar ele tenta defender a ideia de que existem três camadas, ele simplesmente assume que seus leitores sabem que é verdade. Ele não diz que “há três níveis de governo na Igreja”, mas apenas que “você precisa obedecer ao seu bispo”.
- INÁCIO ESTÁ MENCIONANDO, E NÃO DEFENDENDO, o monoepiscopado em suas cartas à Igreja de Roma:
Brown e Meier afirmam que Inácio não “mencionou o bispo único em sua carta aos romanos”. Duffy também escreve que “a carta de Inácio à Igreja Romana, contudo, não diz nada sobre os bispos”. Ambas as alegações são falsas, e comprovadamente.
No capítulo 2 da carta de Inácio aos Romanos, ele se refere a si mesmo como o bispo (singular) da Síria: “Não procurem me favorecer mais do deixando com que eu seja sacrificado para Deus, enquanto o altar ainda está preparado, para que reunidos no amor possais cantar louvores ao Pai por Jesus Cristo, pois Deus se dignou a me considerar, o bispo da Síria, digno de ser enviado do Oriente ao Ocidente”. E porque ele é o único pastor da Igreja na Síria, ele suplica aos romanos no capítulo 9: “Lembrem-se em suas orações da Igreja na Síria, que agora tem Deus como seu pastor, em vez de mim”. Portanto, não é verdade que Inácio deixou de mencionar o único bispo em sua carta aos romanos. Ele mencionou, duas vezes.
- HÁ TRÊS RAZÕES prováveis pelas quais Inácio não exorta a igreja romana:
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- Os cristãos romanos já são obedientes: ele os descreve como “aqueles que estão unidos, tanto segundo a carne como segundo o Espírito, a cada um dos seus mandamentos; que estão inseparavelmente cheios da graça de Deus e são purificados de toda mancha estranha”. Então ele não precisa dizer para eles serem obedientes, já que eles já são.
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- Ao contrário de suas outras cartas (que estão encorajando as igrejas da Ásia Menor a obedecer seus bispos), esta carta destina-se a agradecer-lhes por seu apoio e pedir-lhes que não interfiram em seu martírio iminente. Não se parece em quase nada com as outras cartas, porque o tema e o tom são totalmente diferentes. Assim como o Evangelho de João, suas Epístolas e seu Apocalipse soam diferentes (já que possuem temáticas diferentes), vemos a mesma coisa nos escritos de Inácio.
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- Finalmente, o fato de esta ser a diocese do próprio PAPA pode ter impedido Inácio de emitir exortações ou instruções. Ao longo da história cristã primitiva, vemos muitos exemplos do bispo de Roma intervindo para resolver disputas em outras igrejas; você teria dificuldade em encontrar exemplos disso na outra direção. Então, se há alguma coisa, para a qual o silêncio de Inácio aqui aponta é em direção ao papado (e não para longe dele).
I Clemente
>> Papa Clemente ou a Igreja Romana?
É interessante para mim que Duffy admita que Clemente está falando em nome de toda a Igreja Romana, mas depois usa isso como um argumento contra O FATO DE ELE SER O BISPO. Para mim, essa evidência aponta em outra direção: se Clemente pode falar por todo o grupo, isso sugere uma posição de autoridade. Da mesma forma, o fato de São Pedro falar em nome de todos os Doze Apóstolos em Mateus 16:15-16, tem sido tradicionalmente visto como um exercício de sua autoridade papal. Não posso dar instruções como a Igreja Católica Romana, porque não tenho autoridade para fazê-lo. O papa, ao contrário, sim.
>> Nós não sabemos Nada?
É revelador que Duffy afirme que “não sabemos nada sobre” o Papa Clemente, porque isso demonstra sua ignorância ou sua rejeição de uma riqueza de testemunhos antigos. Vamos rever apenas o que sabemos sobre Clemente, dos escritos de outros cristãos primitivos. Primeiro, Tertuliano, escrevendo em 200 d. C., lança este desafio às seitas heréticas:
Que elas exibam as origens de suas igrejas!
Que exibam elas as origens de suas igrejas, que desenrolem a lista de seus bispos, descendendo desde o início por sucessão, de tal maneira que seu primeiro bispo teve como originador e predecessor um dos apóstolos ou homens apostólicos; ao menos um, quero dizer, que deu continuidade aos apóstolos. Pois é assim que as igrejas apostólicas registram suas origens. A igreja de Esmirna, por exemplo, relata que Policarpo foi colocado ali por João, a igreja de Roma que Clemente foi ordenado por Pedro. Da mesma forma, as outras igrejas produziram homens que foram nomeados para o cargo de bispo pelos apóstolos e assim transmitiram a semente apostólica a eles.
Tertuliano, Prescrição contra os Hereges, ano 200 d. C.
Portanto, estamos cientes de que não somente a igreja de Roma alegou que Clemente havia sido bispo, mas também que ele foi ordenado por São Pedro, e eles parecem ter algum tipo de registro escrito apoiando tal afirmação. É um bom lembrete de por que razão não devemos simplesmente descartar o testemunho dos Pais da Igreja. Essas autoridades antigas geralmente têm acesso a evidências, como testemunhos orais e registros atualmente perdidos, que hoje simplesmente não temos mais. À parte, Tertuliano diz que São Pedro foi o “originador e antecessor” do Papa Clemente. Isso é verdade, todavia, ambíguo. Pedro aparentemente ordenou Clemente como sacerdote, e Clemente finalmente o sucedeu como Bispo de Roma (depois de Lino, que foi ordenado por São Paulo, e Cleto, também conhecido como Anacleto). Essa é a ordem pintada por Irineu, o historiador Eusébio e outros, e a ordem preservada nas orações da Missa. Todavia, talvez como resultado da ambiguidade de Tertuliano, Jerônimo escreveria mais tarde que “a maioria dos latinos pensa que Clemente foi o segundo [bispo] depois do apóstolo” (uma visão que Jerônimo não endossou).
Martírio de São Clemente de Giovanni Battista Tiepolo [Domínio Público]

Um pouco mais de um século depois de Tertuliano, Eusébio escreve que: “Também Clemente, que foi nomeado terceiro bispo da igreja em Roma, foi, como Paulo testemunha, seu colaborador e companheiro de batalha”. Isso nos mostra que Clemente foi o terceiro bispo de Roma (não apenas algum “correspondente estrangeiro” romano, como Duffy imagina), e que este é o mesmo Clemente que São Paulo menciona em Filipenses 4:3. São Jerônimo concorda com esta identificação entre o Papa Clemente e o “Clemente” de Filipenses 4:3, e registra isso em seu livro chamado De Viris Illustribus (Sobre Homens Ilustres). Ele também nos diz que Clemente foi “bispo da igreja em Roma”, foi um dos homens suspeitos de autoria da Epístola aos Hebreus, e foi aquele “que, segundo dizem, organizou e adornou as ideias de Paulo em sua própria Língua”. Sobre a encíclica de Clemente aos Coríntios, Jerônimo diz:
Ele [Clemente] escreveu, por parte da igreja de Roma, uma carta especialmente valiosa à igreja dos Coríntios, que em alguns lugares é lida publicamente, e que me parece concordar em estilo com a epístola aos hebreus que é repassada sob o nome de Paulo, mas difere desta mesma epístola, não apenas em muitas de suas ideias, mas também em relação à ordem das palavras, e sua semelhança em ambos os aspectos não é muito grande.
Jerônimo, Viris Illustribus, ano 393 d. C
Isso confirma que foi na qualidade de bispo de Roma que Clemente pôde falar “da parte da igreja de Roma”. Também é digno de nota que a encíclica papal aparentemente ainda estava sendo usada como uma leitura na liturgia, como menciona, “em alguns lugares é lida” mesmo em 393 d. C., quando o livro De Viris Illustribus foi escrito. Então, de fato, sabemos bastante sobre Clemente de Roma: que ele era um estimado companheiro de São Paulo, foi ordenado por São Pedro, tornou-se bispo de Roma, foi listado no rol de bispos da igreja romana do século II , escreveu em nome de Roma aos Coríntios (uma epístola tão valorizada que foi incorporada à Liturgia por séculos), etc.
>> Clemente “sempre” fala de bispos no plural?
É um exagero dizer que a carta “sempre” fala de “bispos” no plural, já que os bispos são mencionados apenas três vezes. E quando eles são mencionados (em 42:4-5 da encíclica), envolve o Papa Clemente alegando que tanto o episcopado quanto o diaconato são de origem divina. Seria irônico tentar usar este capítulo contra a reivindicação católica em favor do papado, já que Francis A. Sullivan, S.J., observa que:
Os estudiosos protestantes rejeitam esse relato como uma ficção, inventada para dar uma autoridade apostólica e, em última instância, divina, a um desenvolvimento que, na opinião deles, foi simplesmente natural e histórico, seguindo as leis sociológicas as quais se aplicam a qualquer sociedade em desenvolvimento.
Em outras palavras, a eclesiologia de Clemente indica justamente o oposto daquilo que os estudiosos protestantes (e outros estudiosos como Duffy) estão defendendo. Aqui reside um ponto importante CONTRA a teoria de Duffy de que “a igreja neste momento era organizada sob a chefia de um grupo de bispos ou presbíteros, em vez de um único bispo governante”. Se a Igreja primitiva considerasse sua estrutura eclesial de origem divina, qual seria a probabilidade de ela querer modificá-la? Michael C. McGuckian, S.J. mostra uma falha relacionada a esta teoria, em sua resposta a Sullivan. Em contraste com outros desenvolvimentos (como por exemplo o cânon das Escrituras), simplesmente não vemos nenhuma evidência apontando para a existência de qualquer desenvolvimento na estrutura de governo da Igreja primitiva:
Um primeiro problema com este cenário é sua falta de plausibilidade histórica. O processo de canonização das Escrituras está documentado. Diferentes listas de livros circulavam durante o século IV, e uma lista definitiva foi elaborada nos concílios africanos no final daquele século e pelo Papa Inocêncio I em 405. Esta lista estava em posse pacífica da Igreja Ocidental até a Reforma, e foi necessário reafirmá-la no Concílio de Trento (DS 1502-03) e no Vaticano I (DS 3029). O fato de que a Igreja teve uma decisão a tomar em relação às Escrituras é documentado e claro. Do correspondente processo de canonização do episcopado, não há, por outro lado, qualquer vestígio. A noção de uma igreja escolhendo sua ordem eclesiástica é inédita na tradição cristã até o século XVI com a Reforma na Suíça, e a escolha entre o governo presbiteral e episcopal divide a igreja até hoje. Por acaso seria plausível sugerir que [tal noção] não teria sido igualmente divisiva nas primeiras décadas da vida da Igreja, e que teria sido possível ela ocorrer sem deixar qualquer vestígio?
Então nos resta acreditar que a Igreja primitiva – a qual, de acordo com a carta de Clemente, acreditava que sua estrutura de governança eclesiástica vinha diretamente do Senhor – simplesmente modificou sua estrutura de governança eclesial, sem que ninguém falasse sobre isso? E que esse processo aconteceu em todas as igrejas locais simultaneamente em todo o mundo, sem nenhum escrito contemporâneo para se opor (ou apoiar) tal mudança?
O Pastor de Hermas
>> Bispos no Plural?
O Pastor de Hermas fala de “bispos”, NO PLURAL, mas é no contexto de uma revelação da Igreja global, não do governo de uma única cidade. Em certo ponto da visão, Hermas diz:
Aquelas pedras quadradas brancas que se encaixavam exatamente umas nas outras são apóstolos, bispos, mestres e diáconos, que viveram em pureza piedosa e agiram como bispos, mestres e diáconos castamente e reverentemente aos eleitos de Deus. Alguns deles adormeceram, e alguns ainda permanecem vivos.
Isso parece sugerir uma distinção tripla entre “bispos, mestres e diáconos” que existem como as três fileiras de clérigos dentro da Igreja após a morte dos apóstolos. Mas o texto é uma revelação mística, e não uma descrição das práticas da Igreja, e é vago neste ponto.
>> Clemente, um correspondente estrangeiro?
Duffy argumenta de forma exagerada, alegando que nos foi dito que Clemente era “o ancião responsável por escrever ‘para as cidades estrangeiras’ – sendo na verdade, o secretário correspondente da igreja romana”, coisa que o texto nunca diz. E mais importante ainda, como observa Duffy, “não podemos presumir” que “o Clemente de Hermas seja o mesmo homem que o autor da carta escrita pelo menos uma geração antes”. De fato, temos evidências claras do contrário. O Pastor de Hermas foi escrito cerca de meio século após a morte do Papa Clemente I.
Pio I, Bispo de Roma entre 142 to 157 d. C. [Pietro Perugino – Domínio público]
E o fragmento Muratoriano, que data do ano 170 d. C. diz o seguinte:
Mas Hermas escreveu o Pastor muito recentemente, nos nossos tempos, e na cidade de Roma, enquanto o bispo Pio, seu irmão, ocupava a cadeira [episcopal] da igreja da cidade de Roma.
Fragmento Muratoriano
Obviamente, isso mostra que Hermas não está se referindo ao Papa Clemente, que estava morto há décadas na época (ano 140-154 d. C.) em que o Papa São Pio I era Bispo de Roma. Mais importante ainda, o fragmento Muratoriano refuta a afirmação de Duffy de que não havia um único Bispo de Roma na época em que O Pastor de Hermas foi escrito. O fragmento Muratoriano (assim como fontes posteriores, como o Catálogo Liberiano de 354) nos dizem explicitamente que o próprio irmão de Hermas, o Papa Pio I, ocupava o episcopado romano naquela época. O fato de o texto se referir ao Papa Pio ocupando “a cátedra” é importante. Dizer que um determinado homem se senta na “Cadeira” (cathedra) é o equivalente a dizer que ele está no comando: na linguagem moderna, esse homem está na cadeira de autoridade. A sede papal, a Cátedra de Pedro, é prefigurada pela “Cadeira de Moisés” em Mateus 23:1-3. É por isso que dizemos que as declarações papais infalíveis são feitas ex cathedra (“da cadeira), e por esse motivo chamamos a igreja de um bisposó de “catedral”. Em outras palavras, o cânone muratoriano fornece ainda mais suporte para a ideia de que havia um único bispo administrando Roma naquele momento.
Uma Conspiração de silêncio?
Todo o argumento de Duffy é construído em torno da ideia de que as primeiras igrejas eram presbiterianas quanto ao governo (isto é, eram governadas por um corpo de anciãos, e não por um único bispo), e que “não houve um único bispo em Roma por quase um século após a morte dos Apóstolos”. Então, qual é a evidência dele? Ele não fornece nenhuma prova. Em vez disso, a sua alegação se baseia inteiramente em um argumento do silêncio. Nos primeiros escritos cristãos, não nos é dito qual (se houver) distinção existe entre os bispos e os presbíteros. Com base nesse silêncio, Duffy conclui que não havia distinção, e que os títulos de “bispo” e “presbítero” devem ser redundantes. É isso: essa é toda a “prova” que Duffy nos oferece; e até onde eu sei, é toda a prova que qualquer um dos defensores dessa visão fornece. Mas esse argumento do silêncio tem algumas falhas gritantes. Como McGuckian explicou (veja acima), se houvesse uma transição de um sistema de governo presbiteral para um episcopal, era esperado ao menos que fosse possível ver algum traço de evidência disso: que alguém tivesse escrito algo sobre isso. Mas não vemos absolutamente nada do tipo durante este período de tempo.
Foto de Mark Rasmuson na Unsplash

Em outras palavras, resta-nos acreditar que a Igreja primitiva – que, de acordo com a carta de Clemente, acreditava que sua estrutura de governo da igreja vinha diretamente do Senhor – simplesmente mudou sua estrutura de governo, sem que ninguém falasse sobre isso? E que esse processo aconteceu em todas as igrejas locais em todo o mundo? E durante todo esse tempo, ninguém protestou contra tal mudança? Ninguém a defendeu? Ninguém sequer a reconheceu? Pense especificamente nos presbíteros. De acordo com a teoria de Duffy, em cada cidade, um grupo de homens estava encarregado de administrar as igrejas locais. E em algum momento, eles são destituídos desse poder, pois um membro do conselho presbiteral se declara a única autoridade. E nós devemos acreditar que eles [os demais presbíteros] simplesmente não dizem nada? Eles silenciosamente deixaram isso acontecer? Portanto, todo o argumento de Duffy a partir do silêncio exige que assumamos que o sistema de governo da Igreja divinamente constituído foi alterado, sem que ninguém aparentemente levantasse um pio.
Portanto, mesmo considerando apenas as evidências negativas – as quais não temos – a teoria de Duffy é implausível. Mas agora considere a evidência positiva que temos.
Primeiroamente, há escritos da Igreja primitiva referindo-se às igrejas individuais como sendo chefiadas por um único bispo. Já mencionei Inácio de Antioquia, que escreveu no ano 107 d. C., a caminho do martírio. Seus escritos (discutidos com mais detalhes acima) dão como certo o governo episcopal das igrejas locais. Assim como vários outros escritos cristãos primitivos: por exemplo, o cânone Muratoriano, que remonta a 170 d. C. (também discutido acima), que menciona de passagem quem era o Bispo de Roma várias décadas antes, numa época em que Duffy afirma que não havia um único Bispo de Roma. E esses textos não tratam a estrutura episcopal como uma coisa nova ou controversa, mas sim como uma parte da estrutura da Igreja aceita.
>> A segunda categoria de escritos talvez seja ainda mais importante: estes são os documentos que nos dizem especificamente que a estrutura de um único bispo remonta aos Apóstolos. Santo Irineu, Santo Optatus de Milevis, Santo Agostinho (veja 2 do capítulo 1), o Catálogo Liberiano de 354, e Eusébio realmente vão além disso, listando especificamente cada papa de São Pedro em diante. E Irineu faz isso em c. 180 d.C., o que é importante, porque destrói a história de Duffy. Basta considerar a linha do tempo:
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- Ano 115-130: Santo Irineu nasce em uma família cristã. De acordo com Duffy, não há episcopado em Roma neste momento. Em vez disso, a igreja em Roma é liderada por um conselho presbiteral. Esta continua a ser a situação na idade adulta de Irineu. De alguma forma, Irineu não sabe disso.
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- Ano 150: É quando Duffy parece pensar que a Igreja de Roma passa de uma forma de governo presbiteral para uma forma de governo episcopal, embora não forneça uma data específica. Aparentemente, nenhum dos presbíteros reclama e, de fato, ninguém parece falar sobre a mudança, ou mesmo reconhecer que ela ocorreu. Isso é tão mais surpreendente quanto o fato de Roma já ser o coração da Igreja. Não apenas Irineu já é adulto nessa época, mas também muitos dos futuros leitores de seu livro Contra as Heresias, incluindo os cristãos que vivem em Roma, e vários dos hereges contra os quais ele está escrevendo.
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- Ano 170: O cânone muratoriano menciona de passagem que O Pastor de Hermas foi escrito “muito recentemente, em nossos tempos, na cidade de Roma, enquanto o bispo Pio, seu irmão, ocupava a cadeira da igreja da cidade de Roma”, referindo-se ao pontificado do Papa Pio I (c. 140-154). O cânone fala como se os leitores soubessem quem é o “bispo Pio” e trata seu pontificado como história recente e indiscutível. No entanto, isso contradiz a teoria de Duffy, de que não havia cadeira episcopal durante a década de 140.
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- Ano 180: Irineu escreve Contra as Heresias, no qual explica que o episcopado romano é de origem apostólica. Irineu fornece uma lista de todos os papas, como uma “prova mais abundante de que existe uma e a mesma fé vivificante, que foi preservada na Igreja desde os apóstolos até agora e transmitida em verdade”. A lista de Irineu corresponde ao cânone Muratoriano, pois inclui o Papa Pio I como o nono papa.
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- Ano 200: Tertuliano discute como cada igreja tem seu próprio registro de cada bispo que já teve, e a Igreja em Roma traça o seu caminho até Pedro.
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Então, o que fazemos com essa evidência histórica real? Devemos apenas concluir que a Igreja Romana está fazendo seus registros de bispos, ou que o autor do cânone Muratoriano simplesmente não percebeu que o Papa Pio não era Bispo de Roma, ou que Irineu está simplesmente “presumindo” que deve ter havido bispos de Roma que eram camados pelos nomes de “Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo, Alexander, Sixto, e assim por diante”? E se for esse o caso, como é que ninguém percebeu o erro gritante de Irineu em “presumir” que um episcopado de 30 anos tinha na verdade 180 anos? Por que os cristãos de Roma não perceberam isso, os quais teriam idade suficiente para se lembrar da introdução do papado? Por que então os hereges não o fizeram, os quais Irineu estava refutando, e que já tinham motivos para refutar sua “prova mais abundante” da verdade da Igreja Católica? Teriam todos esses homens do ano 180 d.C. sofrido de algum terrível ataque de amnésia, de modo que os tornou incapazes de lembrar até mesmo de 30 anos de história cristã? Porque se não for o caso, então a linha do tempo necessária para comprovar a teoria de Duffy é simplesmente incapaz de sustentar seu argumento.
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