No domingo, o Papa Francisco canonizou São João Henry Newman (1801-1890), o padre e teólogo anglicano que se converteu ao catolicismo e que acabou se tornando um cardeal católico. Ele é lembrado principalmente hoje por seus sermões e seus escritos teológicos, inclusive em particular sobre o tema do “Desenvolvimento da doutrina” (um termo que ele cunhou)*. A ideia de “desenvolvimento da doutrina” é grosseiramente mal compreendida por muitos dos críticos da doutrina. Isto é, muitas pessoas acreditam que se trata de uma doutrina sendo trocada de uma coisa para outra, de modo que o que foi afirmado ontem seja negado amanhã, ou o que foi negado ontem seja afirmado depois. Mas, embora existam aqueles que tentariam contrabandear alguma heresia para a teologia católica chamando-a de “desenvolvimento”, não é isso que o termo significa e não é isso o que Newman quis dizer. Como G.K. Chesterton observou,
Em suma, era o que se chama tecnicamente de Desenvolvimento da doutrina. Mas parece haver uma estranha ignorância, não apenas sobre o significado técnico, mas também sobre o significado natural da palavra Desenvolvimento. Os críticos da teologia católica parecem supor que não se trata tanto de uma evolução mas de uma evasão; e que, na melhor das hipóteses, diz respeito a uma adaptação. Eles imaginam que próprio sucesso dela é na verdade o sucesso da rendição. Mas esse não é o significado natural da palavra Desenvolvimento.
Quando falamos de uma criança bem desenvolvida, queremos dizer que ela cresceu e se fortaleceu com suas próprias forças; não que ela esteja acolchoada com travesseiros emprestados de outra parte ou que ande sobre estacas para parecer mais alta. Quando dizemos que um filhote se desenvolve e se torna um cachorro, não queremos dizer que seu crescimento é um compromisso gradual em se tornar um gato; queremos dizer que ele se torna mais canino e não menos. O desenvolvimento é a expansão de todas as possibilidades e implicações de uma doutrina, pois há tempo para distingui-las e extraí-las; e o ponto aqui é que a ampliação da teologia medieval foi simplesmente a compreensão completa dessa teologia. Newman dá alguns exemplos concretos do que ele entende por desenvolvimento doutrinário. Por exemplo, ele aponta para o fato de que não foi de imediato que os cristãos tiveram certeza de quais livros pertenciam à Bíblia:
Em que base, então, recebemos o Cânon [das Escrituras] como ele vem até nós, senão na autoridade da Igreja dos séculos IV e V? A Igreja naquela época decidiu,—não apenas prestou testemunho, mas emitiu um julgamento sobre o testemunho anterior,—decidiu que certos livros eram de autoridade. E com base em que ela decidiu isso? com base no fato de que até então uma decisão havia sido impossível, em uma época de perseguição, por falta de oportunidades para pesquisa, discussão e testemunho, pelo caráter privado ou local de alguns dos livros e pela má compreensão da doutrina contida em outros. Agora, no entanto, finalmente foram concedidas facilidades para decidir de uma vez por todas sobre aquilo que esteve pendente e em dúvida por três séculos.
Este é um exemplo particularmente bom, pois “no que diz respeito ao Novo Testamento, católicos e protestantes recebem os mesmos livros como canônicos e inspirados”, incluindo livros como Tiago e Hebreus e Apocalipse que não eram aceitos universalmente nos primeiros séculos da Igreja. Portanto, devemos aceitar o desenvolvimento da doutrina ou rejeitar a Bíblia. Quer mais sobre o assunto? No Catholic Answers Live explico melhor como entender o desenvolvimento da doutrina.
__________________________________________________________________________________________
*Obs: Mary Catherine Gormally aponta que São Vicente de Lerins usa a frase (ou algo próximo a ela) já no século V. Eu sabia que Newman estava em dívida com São Vincent, mas não sabia da semelhança na linguagem.
__________________________________________________________________________________________
Tradução de Kertelen Ribeiro do texto What Do We Make of “Development of Doctrine”?




