A visão ortodoxa do purgatório é surpreendentemente católica

Michael Lofton

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Muitos ortodoxos acreditam que sua tradição rejeita o purgatório, mas isso é verdade? Dê uma olhada no que a Igreja Católica realmente ensina.

Assisti recentemente a um debate que ocorreu entre um católico e um ortodoxo sobre o tema do purgatório. Observei os ortodoxos fazendo caricaturas da visão católica do purgatório, apenas para depois descrever a visão ortodoxa da vida após a morte em termos que eram praticamente idênticos à visão católica autêntica. Muitos ortodoxos têm a impressão de que sua tradição rejeita o purgatório, mas seria isso verdade? Para responder a esta pergunta, é importante considerar o que a Igreja Católica realmente definiu sobre o purgatório.

Pode ser uma surpresa para alguns católicos, mas a Igreja não definiu o purgatório como um lugar temporal com fogo literal. Na verdade, o dogma católico do purgatório é mais vago do que isso – simplesmente referindo-se a um conceito de purificação pós-morte. É por isso que Ludwig Ott, autor de Fundamentos da Doutrina Cristã, pode dizer:

 

Por consideração aos gregos separados, que rejeitam a noção de um fogo purificador, as declarações oficiais dos concílios falam apenas de punições purificadoras (poena purgatoriae), não de fogo purificador.

 

Garantido, algumas revelações privadas bem respeitadas não retratam o purgatório como nenhum piquenique. Mas se estamos falando de doutrina oficial, a Igreja Católica não ensina que o purgatório é um local físico vivenciado no tempo com um fogo literal. Como o Papa Bento XVI  bem coloca, o purgatório, para os católicos, é melhor visto como um encontro com Cristo – não com um fogo literal experimentado no tempo:

 

Foto de Peter Nguyen via Winkipedia Commons

 

47. Alguns teólogos recentes são de parecer que o fogo que simultaneamente queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador. O encontro com Ele é o ato decisivo do Juízo. Ante o seu olhar, funde-se toda a falsidade. É o encontro com Ele que, queimando-nos, nos transforma e liberta para nos tornar verdadeiramente nós mesmos (Bento XVI, Spe Salvi).

 

Compare isso com o conceito de “purgatório católico” do padre ortodoxo oriental e apologista Pe Andrew Damick:

 

A Ortodoxia concorda que há uma certa purgação necessária para as almas dos que partiram destinados ao céu, mas essa experiência nunca foi codificada com o modelo temporal de anos de sofrimento empregado por Roma na doutrina do purgatório.

 

Mas por acaso os ortodoxos orientais possuem em sua tradição um conceito similar ao verdadeiro ensinamento católico sobre o purgatório? Curiosamente, os ortodoxos têm afirmado de forma sinodal o conceito do purgatório em sua integralidade! A Confissão de Dositeus, adotada pelo Sínodo Ortodoxo de Jerusalém (1672), declara em termos inequívocos:

 

E as almas daqueles envolvidos em pecados mortais, que não partiram em desespero, mas enquanto ainda viviam no corpo, embora não tivessem produzido nenhum fruto de arrependimento, se arrependeram – derramando lágrimas, ajoelhando-se enquanto vigiavam em orações, afligindo si mesmos, aliviando os pobres e, finalmente, manifestando com suas obras o amor a Deus e ao próximo, e que a Igreja Católica desde o início chamou com razão de satisfação. [Suas almas] partem para o Hades, e lá suportam o castigo devido aos pecados que cometeram. Mas eles estão cientes de sua futura libertação de lá e são libertados pela Suprema Bondade, por meio das orações dos sacerdotes e das boas obras que os parentes de cada um realizarem em favor de seus falecidos.

 

Uma vez que os ortodoxos carecem de uma autoridade de ensino identificável de maneira objetiva, alguns ortodoxos hoje rejeitam esse ensinamento sinodal acerca do purgatório como autoridade na ortodoxia. No entanto, estudiosos ortodoxos, como o Pe. Dumitru Staniloae, afirmam (embora não intencionalmente) a visão católica do purgatório, mesmo sem apelar para o Sínodo de Jerusalém. Depois de negar o que ele percebe ser a visão católica, Staniloae apresenta a visão ortodoxa da vida após a morte.

 

Isso permite que aqueles que estão no inferno, os quais não são radicalmente diferentes daqueles que estão nos níveis mais baixos do paraíso, passem para o paraíso antes do Juízo Final, por meio das orações dos santos e dos que estão na terra… Até o Juízo Final, aqueles que estão no inferno e não carecem totalmente da fé em Cristo também podem ser levados ao paraíso da comunhão com Cristo… São pessoas que, por sua bondade e fé reduzida, não cometeram atos que prejudicassem a vida e a salvação de outros — atos como homicídio; abortos; sexualidade imprópria fora do casamento; que não privaram os outros de suas necessidades… ou aqueles que se arrependeram dessas coisas antes da morte, mas não em um grau correspondente às suas más ações.

 

Em outras palavras, há alguns que morrem com fé em Cristo, mas são penitentes imperfeitos. Essas almas podem ser ajudadas pelas orações dos fiéis, o que resultará na transição delas do inferno para o céu antes do Juízo Final. Esta é exatamente a visão católica do purgatório, pois o inferno pode se referir ao purgatório na teologia católica, entre seus outros usos. A visão católica também diz que não há arrependimento pós-morte para aqueles que morrem impenitentes, mas Staniloae tem o cuidado de observar que esta transição é feita SOMENTE por aqueles que se arrependeram de pecados graves antes da morte, embora imperfeitamente. O grupo que Staniloae descreve não se refere àqueles que morrem sem arrependimento (os condenados), nem àqueles que morrem perfeitamente penitentes (os abençoados) — mas a um terceiro grupo, que morre em estado de imperfeição. Simplificando, isso é exatamente o que o catolicismo identifica como as almas no purgatório. Em resumo, muitos ortodoxos diversas vezes se esforçam para negar a doutrina católica do purgatório, chegando ao ponto de negar seus próprios concílios mas o conceito de purgação ainda encontra seu caminho na teologia ortodoxa. Isso significa que os ortodoxos podem pensar que têm uma visão significativamente diferente da vida após a morte em comparação com os católicos, mas, na realidade, eles sustentam uma doutrina que é essencialmente a mesma da posição católica acerca do purgatório. E assim o caminho para a unidade católica pode ser mais curto do que o ortodoxo médio imagina.

 

Foto de Olga Kononenko na Unsplash

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do texto The Orthodox View of Purgatory Is Surprisingly Catholic

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