Introdução:
Em um artigo anterior, estabeleci as bases para introduzir uma breve citação da Primeira Homilia de Marcos de Éfeso (falecido em 1444): Refutação dos Capítulos Latinos referentes ao Fogo Purgatorial. Também foram fornecidas algumas breves informações biográficas sobre o Metropolita de Éfeso, e um contexto geral do texto que será analisado no presente post. Como indicado anteriormente, Marcos está respondendo a uma investida latina sobre o entendimento grego do “estado intermediário” durante as discussões preliminares acerca do assunto no Concílio de Florença (1438 d.C.). Além disso, a apresentação inicial da concepção latina foi quase inteiramente baseada na Profissão de Fé de Miguel Paleólogo, do Segundo Concílio de Lyon (1272-74 d.C.).[1]
A Primeira Homilia de Marcos:
A obra parece estruturar-se em resposta a uma série de proposições que apresentam positivamente a doutrina latina[2]. No primeiro capítulo, Marcos está respondendo à ideia de que:
“Se aqueles que se arrependem verdadeiramente partirem desta vida em amor (em direção a Deus) antes de poderem satisfazer por meio de frutos dignos a justiça, em razão de suas transgressões ou ofensas, suas almas são purificadas após a morte por meio de sofrimentos do purgatório; mas para o alívio (ou ‘libertação’) deles quanto a esses sofrimentos, eles são auxiliados pela assistência ou ajuda que lhes é proporcionada pelos fiéis que estão vivos, como por exemplo: orações, liturgias, esmolas e outras obras de piedade”.
Em sua resposta, Marcos afirma que aqueles que partiram na amizade com Deus são realmente ajudados pelas mencionadas “obras de piedade”. Isso é consistente com o antigo costume e os escritos dos Pais da Igreja Primitiva em sua opinião. “Mas que as almas são libertadas graças a um certo sofrimento purgatorial e fogo temporal possuidor de tal poder (purgatorial) e que tem o caráter de uma [certa] ajuda -”, ele discorda. “Isso não encontramos nem nas Escrituras nem nas orações e hinos em favor dos mortos, ou nas palavras dos Mestres”. Ele prossegue afirmando sua crença de que as mencionadas “obras de piedade” são eficazes em trazer alívio temporário para as almas no Inferno, citando uma anedota de Macário do Egito (ano 391 d.C.) e uma oração de Basílio, o Grande (ano 379 d.C.). Ele então afirma o seguinte:
“Mas, se as almas partirem desta vida com fé e amor, embora levando em si certas faltas, sejam as pequenas das quais não se arrependeram, ou as grandes das quais — embora tenham se arrependido — não se comprometeram a apresentar frutos de arrependimento: tais almas, nós cremos, deverão ser purificadas deste tipo de pecados, mas não por meio de algum fogo do purgatório ou com uma punição definida em algum lugar…. Mas alguns deverão ser purificados na própria saída do corpo (no momento da morte), graças apenas ao temor, como literalmente demonstra São Gregório, o Dialogista; enquanto outros devem ser purificados após a partida do corpo (após a morte), permanecendo no mesmo lugar terreno, antes de virem adorar a Deus e serem honrados com a herança dos bem-aventurados, ou — se seus pecados forem mais sérios, ficarão presos por uma mais longa duração — mantidos no inferno, mas não para permanecerem para sempre no fogo e em tormento, mas como se estivessem na prisão e em confinamento sob uma vigilância[3]”.
Aqui podemos fazer uma pausa e destacar algumas das semelhanças e diferenças entre as respectivas concepções latinas e gregas da vida após a morte nesta época (cerca de 1438 d.C.). Primeiro, Marcos parece aceitar o conceito de “faltas” veniais remanescentes que podem fazer com que os indivíduos permaneçam culpados após a morte post-mortem, e/ou “faltas” remanescentes devido à produção insuficiente de “frutos de arrependimento” com relação a pecados mais graves. Na concepção latina, faz-se uma distinção entre a culpa devida ao pecado e as penas temporais que permanecem uma vez perdoados os pecados graves (pós-batismais), ou que se devem a pecados veniais não confessados. Essas punições temporais e a remoção do apego [desordenado] aos pecados fazem parte da visão ocidental da purificação final, conhecida como Purgatório.
Embora o Metropolita de Éfeso admita que as almas em tal estado devem ser purificadas depois de deixar o corpo (ou no próprio ato de deixá-lo, de acordo com São Gregório, o Dialogista), ele discorda do processo conforme estabelecido pelos latinos, ou seja, se opõe à ideia de “algum fogo do purgatório ou de uma punição definida em algum lugar[4]”. Além disso, como indica Joseph Gill, Marcos “não admite a dívida da pena temporal devida também aos pecados perdoados que os latinos consideram ser uma das principais razões de um Purgatório[5]”. Ainda assim, o Metropolita de Éfeso expressa a necessidade de uma purificação post mortem em certos casos. Além da ideia de um fogo literal, Marcos também se preocupou com a ideia de uma purificação final ocorrendo “em algum lugar”.
Embora a ideia do Purgatório como um “lugar” seja comum, na verdade NÃO faz parte do dogma católico. Além disso, no Concílio de Florença, não houve nenhuma imposição da ideia de um fogo purificador literal aos gregos, embora tal entendimento existisse no Ocidente[6]. Como tal, a Bula da Unidade com os Gregos (Laetentur caeli), proclamada em Florença em 6 de julho de 1439, diz o seguinte sobre o assunto do Purgatório:
“Da mesma forma, 〈definimos〉que se aqueles que são verdadeiramente penitentes morrem no amor de Deus antes de terem realizado satisfação com frutos dignos de penitência em razão de seus pecados de comissão e omissão, suas almas são purificadas após a morte por punições purgatoriais. Para que sejam dispensados de tais penas, os atos de intercessão dos fiéis vivos os beneficiam, a saber, os sacrifícios da missa, as orações, as esmolas e outras obras de piedade que os fiéis costumam realizar pelos outros fiéis de acordo com a prática da Igreja” (Denzinger 1304[7]).
Não há menção à palavra “fogo” na formulação acima do Purgatório. Em vez disso, é feita uma referência a uma purificação final (post-mortem) por meio de “punições purgatoriais”. O mesmo pode ser dito do ensino sobre o Purgatório expresso na Profissão de Fé de Miguel Paleólogo, do Segundo Concílio de Lyon (1272-74 d.C.)[8] [É o que parece ao autor desse post, pelo menos. Leia a NOTA 8]. Além disso, o Concílio de Trento também não diz nada sobre uma chama literal (1563 d.C.).[9] Isso parece ter permitido aos teólogos latinos contemporâneos especular um pouco. Referindo-se a 1 Coríntios 3:12-15, o Papa Emérito Bento XVI escreveu em sua encíclica Spe Salvi o seguinte: “Alguns teólogos recentes mantêm a opinião de que o fogo que queima e salva é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador[10].”
Será que essa opinião teria sido recebida com mais complacência pelo Metropolita de Éfeso?
Tradução de Kertelen Ribeiro
Texto Original: Mark of Ephesus and Purgatory (Part II).
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Foto de Elimende Inagella na Unsplash
[1] Joseph Gill, The Council of Florence (Cambridge: Cambridge University Press, 1959), 118-120. Cf. Pe. Seraphim Rose, The Soul After Death: Contemporary “After-Death” Experiences in the Light of the Orthodox Teaching on the Afterlife (Platina: St. Herman of Alaska Brotherhood, 2020), 197.
[2] Cf. GILL, The Council of Florence, 119; ROSA, The Soul After Death, 196.
[3] Trechos retirados da Primeira Homilia de Marcos de Éfeso em The Soul After Death, 199-201, de Serafim Rosa.
[4] Cf. GILL, Council of Florence, 121, 123.
[5] GILL, Council of Florence, 125.
[6] Edward Hanna, “O Purgatório”. A Enciclopédia Católica Vol. 12. (Nova York: Robert Appleton Company, 1911).
[7] Heinrich Denzinger, Compêndio de Credos, Definições e Declarações sobre Assuntos de Fé e Moral, ed. Peter Hunermann (San Francisco: Ignatius Press, 2012), 335-336.
[8] Contrário a tal declaração, Ludwig Ott afirma que “os Consílios da Unidade de Lyon e de Florença apoiaram a ideia do fogo purificador e do caráter expiatório dos sofrimentos penais”. Isso consta em “Fundamentos do Dogma Católico” de Ludwig Ott, ed. James C. Bastible, trad. Patrick Lynch (Rockford: Tan Books and Publishers, 1974), p. 483.
[9] Veja: Decreto sobre o Purgatório (Vigésima Quinta Sessão). Em Os Cânones e Decretos do Concílio de Trento, trans. HJ Schroeder (Charlotte: Tan Books, 1978), 217-218.
[10] Papa Emérito Bento XVI, Spe salvi, cap. 47.

