Imagem: Corrado Giaquinto
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Certamente que sim. Muitos fazem esta pergunta pelo simples fato de não encontrarem a palavra “Purgatório” nas Escrituras. Todavia, existem muitas outras terminologias que foram elaboradas por meio de estudos teológicos e filosóficos que não estão na Bíblia, assim como ocorre com a Trindade e a União Hipostática, por exemplo. Ou seja, não é porque a palavra “Purgatório” não está na Bíblia que não exista nela algo que fundamente a doutrina.
Vejamos, por exemplo, que ainda no Antigo Testamento o costume de orar em favor dos falecidos já existia, de forma não muito desenvolvida, é verdade, mas é fato que existia. Os textos de Levítico 26, 40 e Neemias 9, 1-2 apontam para orações feitas por pessoas que pecaram durante a época de Moisés. Outro texto referente à oração pelos falecidos é II Macabeus 12, 39-46, texto esse que é bem explícito. É conhecido, porém, o fato de que os protestantes não aceitam esse livro como canônico, mas não podem negar o seu valor histórico. Se não querem aceitar esse texto como inspirado, ao menos devem entender que ele constitui uma prova cabal de que a oração pelos falecidos era comum entre os judeus. Já no Novo Testamento, também encontramos ao menos uma oração sendo feita por um falecido. Em II Timóteo 1, 16-18, São Paulo faz uma oração por Onesíforo, pedindo que Deus lhe conceda misericórdia no dia do Juízo. No capítulo 4, 19, não saúda Onesíforo, mas somente sua família. A maioria dos exegetas concorda que isso indica que Onesíforo já havia morrido, logo, deve-se concluir que a oração feita por Paulo foi em favor de alguém que já havia morrido.
No Evangelho de São Mateus 5, 25-26, Jesus nos fala de uma prisão de onde não se sai antes que se pague o último centavo. O contexto nos faz perceber que aqui Jesus não está falando de uma prisão comum, mas sim de algo espiritual. Seria o Inferno? De forma alguma! O Inferno é eterno e de lá ninguém sai (São Mateus 25, 41). Mas Jesus afirma que não se sairá dessa prisão antes que se pague o último centavo. Sabendo pelo contexto se tratar de um lugar espiritual, também não pode ser o Céu, pois no Céu não existem mais pecados para serem perdoados, e, como vimos anteriormente, não pode ser o Inferno. Então que prisão é essa? É o que chamamos de Purgatório. Pois a fé católica ensina justamente que há um estado intermediário do qual se pode sair, todavia, somente quando a pessoa já está limpa de toda mancha e pena temporal, assim como Jesus diz que de lá não sairá até que pague o último centavo, e também declarando em outro momento, pelo espírito da profecia, que ninguém entrará no céu antes que esteja totalmente puro [Apocalipse 21:27 e Hebreus 12,14].

Estanislau Samostrzelnik (1485–1541)
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Ainda no Evangelho de Mateus, agora no capítulo 12, 32, temos mais um texto bem interessante que nos traz algumas indagações. Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado nem mesmo no século vindouro. Mas que século vindouro é esse? Ora, se há um pecado que não vai ser perdoado lá, subtende-se que há pecados que serão. Se não for assim, qual a necessidade de falar nesse tipo de perdão? Isso nos leva a outras questões. Esse século vindouro é o Céu? Não! Pois no Céu ninguém possui pecado, então não há o que ser perdoado. Seria o Inferno? De forma alguma, pois no Inferno já não há mais remissão de pecados. Então só pode ser um lugar onde ainda há purificação, ou seja, o Purgatório.
O Apóstolo São Paulo em I Coríntios 3, 11-15 nos traz mais uma prova da existência do Purgatório. O texto diz que no dia do juízo (particular) a obra de cada um será posta em evidência e será provada, e, mesmo que passando pelo fogo, a pessoa será salva. Que tipo fogo é esse? Não é o fogo do inferno, pois esse tem um fogo de condenação eterna, logo, é um fogo diferente, de onde quem sai, estará salvo, posto que tal fogo refina e purifica, ao invés de condenar. Ora, já foi dito que do Inferno ninguém sai, então aqui se encontra mais uma prova do Purgatório, sendo apresentado por São Paulo como uma espécie de fogo purificador. Sim, é verdade que não se trata de um conceito explícito, e foi preciso usar um pouco de lógica para implicar tal ensinamento, mas Deus nos deu a capacidade racional justamente para empregar nossa inteligência também no estudo de sua Palavra. E isso é piedoso de nossa parte!
Acredito, enfim, que esses textos já sejam suficientes para provar que sim, o Purgatório possui base bíblica. É verdade que o termo Purgatório não aparece nas Escrituras, como foi mencionado, mas a base para a doutrina está, sem dúvida, presente.




