Um amigo meu protestante reformado, “Pilgrimsarbour” (OPC), fez algumas perguntas, e eu esclareci e fiz outros comentários relevantes. Suas palavras estarão em vermelho vinho.
Protestante:
O catolicismo vê a justificação como um processo contínuo (sinérgico) que não cessa mesmo após a morte do indivíduo (purgatório). O protestantismo vê a justificação como uma declaração única de Deus, que não envolve nosso esforço para alcançá-la (monergística). Os protestantes chamariam todo o processo, incluindo a justificação, de salvação, sendo os seguintes os seguintes componentes:
1) justificação
2) santificação
3) glorificação (consumação)
O catolicismo, pelo que posso perceber, refere-se a todo o processo do que chamamos de salvação como justificação, isto é, um “tornar justo”, o que dificilmente se distingue de sua compreensão de santificação. No entanto, o protestantismo vê a santificação como sinérgica, uma vez que o coração foi renovado em e por Cristo, sem a nossa “ajuda”. Uma vez ressuscitado, a vontade do pecador anteriormente morto é atraída para Cristo e capacitada pelo Seu Espírito Santo a crescer na graça, o que, de fato, requer a nossa cooperação para produzir os melhores resultados. Portanto, há elementos sinérgicos na teologia protestante, mas não naquele primeio passo da justificação.
Para usar (sobretudo) as palavras do Pilgrim [de modo a explicar o posicionamento católico]:
O catolicismo vê sim a justificação inicial como monérgica e a santificação como sinérgica, uma vez que o coração foi renovado em e por Cristo, sem a nossa “ajuda”. Uma vez ressuscitado, a vontade do pecador anteriormente morto é atraída para Cristo e capacitada pelo Seu Espírito Santo a crescer na graça, o que, de fato, requer nossa cooperação para produzir os melhores resultados.
Não há muita diferença, não é mesmo?, quando colocado dessa forma. No entanto, os anticatólicos nos pintam como colocados numa posição em que temos um evangelho falso e não salvífico e uma teologia que nem sequer merece ser chamada pelo nome de cristã. Muitos protestantes (e especialmente os anticatólicos) são prisioneiros em falsas dicotomias e premissas mentirosas do tipo “ou/ou” e, portanto, não conseguem compreender a doutrina católica, que se baseia no paradoxo bíblico/hebraico e na ideia de “ambos/e”. Para eles, isso equivale a “sinergia”, que por sua vez é pelagiana e um falso evangelho da suposta salvação pelas obras. João Calvino fez a mesma coisa.
Eu não sabia que havia algo monergístico no catolicismo. Até onde eu sabia, tudo o que o fiel católico faz deve ser em cooperação com o Pai, incluindo a justificação. Se eu estiver enganado sobre isso, por favor, me indique algo no catecismo que me ajude a entender o que você está dizendo. Minha edição é a publicação Doubleday/Image de 1995, embora eu a tenha comprado nova no ano passado.
Uma posição não pelagiana sobre a graça é necessariamente monergística desde o início. É a pessoa agraciada [com a graça] que tem o poder de cooperar com a graça, trabalhando em conjunto com Deus, inclusive para a salvação (como escrevi recentemente). Tudo é causado por essa graça; sem ela, não poderíamos fazer nada de bom. Católicos e protestantes concordam nisso. Somente no aspecto da cooperação e em como classificamos as coisas que existe discordância. Fiz um gráfico prático dos ensinamentos de Trento sobre a justificação, com resumos. O pelagianismo é estritamente descartado:
CÂNONE I. – Se alguém disser que o homem pode ser justificado diante de Deus por suas próprias obras, sejam elas feitas através do ensino da natureza humana, ou da lei, sem a graça de Deus por meio de Jesus Cristo; seja anátema.
CÂNONE II.-Se alguém disser que a graça de Deus, por meio de Jesus Cristo, é dada somente para isso, para que o homem possa viver mais facilmente de forma justa e merecer a vida eterna, como se, por livre-arbítrio sem graça, ele fosse capaz de fazer ambas as coisas, embora dificilmente e com dificuldade; seja anátema.
O homem não pode fazer absolutamente nada para obter a justificação inicial (posição que também é contrária ao semipelagianismo); portanto, neste ponto ela é monérgica:
CÂNONE III.-Se alguém disser que, sem a inspiração preventiva do Espírito Santo e sem sua ajuda, o homem pode crer, esperar, amar ou ser penitente como deveria, de modo que a graça da Justificação possa ser concedida a ele; seja anátema.
[ver também Decreto sobre a Justificação: capítulo 5]
CÂNONE IV – Se alguém disser que o livre-arbítrio do homem, movido e estimulado por Deus, ao consentir que Deus o anime e o chame, de modo algum coopera para dispor e preparar-se para obter a graça da Justificação; que não pode recusar seu consentimento, mesmo que quisesse, mas que, como algo inanimado, não faz absolutamente nada e é meramente passivo; seja anátema.
A justificação é somente pela graça ( sola gratia ): Decreto sobre a Justificação: capítulo 8; Cânon 10:
CÂNONE X.-Se alguém disser que os homens são justos sem a justiça de Cristo, pela qual Ele mereceu que fôssemos justificados; ou que é por essa justiça em si que eles são formalmente justos; seja anátema.
Boas obras e méritos procedem inteiramente da graça de Deus por meio da obra de Jesus Cristo em nosso favor (não de nós mesmos). São necessários, mas não garantem a salvação, que é somente pela graça: Decreto sobre a Justificação: capítulo 16; Cânones 18, 19, 20, 24, 26, 32, 33. O Vaticano I expressou nossa doutrina de uma maneira bela:
Por isso, a própria fé, mesmo quando não opera pela caridade [Gl 5,6], é em si mesma um dom de Deus, e o ato de fé é uma obra pertencente à salvação, pela qual o homem presta obediência voluntária ao próprio Deus, consentindo e cooperando com a sua graça, à qual ele é capaz de resistir (cân. V). ( Constituição Dogmática sobre a Fé Católica , cap. III, “Da Fé”)
Catecismo da Igreja Católica:
1987 A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, de nos purificar dos nossos pecados e de nos comunicar “a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo” e pelo Batismo: [. . .]
Como a maioria dos católicos é batizada ainda criança, no que diz respeito à criança, essa justificação e regeneração são completamente monergísticas: uma ação unicamente de Deus. Pode-se dizer que outros estão substituindo a criança — acredito que os reformados concordariam —, mas isso não é muito diferente de um protestante orar para que alguém seja “salvo/justificado” — Deus usa seres humanos em algum ponto do processo.
1989 A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão, que opera a justificação de acordo com a proclamação de Jesus no início do Evangelho: “Arrependei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”. Movido pela graça, o homem se volta para Deus e se afasta do pecado, aceitando assim o perdão e a justiça do Alto. . . .
A graça vem primeiro, causando a conversão. O homem é “movido pela graça”. Nesse ponto, é monergístico.
1992 A justificação nos foi merecida pela Paixão de Cristo, que se ofereceu na cruz como vítima viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou o instrumento de expiação pelos pecados de todos os homens. A justificação é conferida no Batismo, o sacramento da fé.
1996 Nossa justificação vem da graça de Deus. Graça é favor, a ajuda gratuita e imerecida que Deus nos dá para responder ao seu chamado de nos tornarmos filhos de Deus, filhos adotivos, participantes da natureza divina e da vida eterna.
1998 Esta vocação à vida eterna é sobrenatural. Depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus, pois só Ele pode revelar-se e doar-se. Ela ultrapassa a capacidade do intelecto e da vontade humana, como a de qualquer outra criatura.
Novamente, monergístico em seu estágio inicial…
1999 A graça de Cristo é o dom gratuito que Deus nos faz da sua própria vida, infundida pelo Espírito Santo na nossa alma para curá-la do pecado e santificá-la. . . .
2001 A preparação do homem para o recebimento da graça já é uma obra da graça. Esta é necessária para suscitar e sustentar a nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação pela caridade. Deus completa em nós o que começou,…
2008 O mérito do homem diante de Deus na vida cristã advém do fato de Deus ter livremente escolhido associar o homem à obra de sua graça. A ação paterna de Deus se dá primeiramente por sua própria iniciativa, e depois segue-se a livre atuação do homem por sua colaboração, de modo que o mérito das boas obras deve ser atribuído em primeiro lugar à graça de Deus e, depois, aos fiéis. O mérito do homem, além disso, é devido a Deus, pois suas boas ações procedem em Cristo, das predisposições e da assistência concedida pelo Espírito Santo.
2009 A adoção filial, ao nos tornar participantes pela graça da natureza divina, pode nos conferir verdadeiro mérito como resultado da justiça gratuita de Deus. . . .
2011 A caridade de Cristo é a fonte em nós de todos os nossos méritos diante de Deus. A graça, ao nos unir a Cristo em amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural de nossos atos e, consequentemente, seu mérito diante de Deus e dos homens. Os santos sempre tiveram uma consciência viva de que seus méritos eram pura graça.
2017 A graça do Espírito Santo nos confere a justiça de Deus. Unindo-nos pela fé e pelo Batismo à Paixão e Ressurreição de Cristo, o Espírito nos torna participantes de sua vida.
2020 A justificação nos foi merecida pela Paixão de Cristo. Ela nos é concedida pelo Batismo. Ela nos conforma à justiça de Deus, que nos justifica. Ela tem por objetivo a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna. É a obra mais excelente da misericórdia de Deus.
2022 A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça responde aos anseios mais profundos da liberdade humana, convoca a liberdade a cooperar com ela e a aperfeiçoa.
2023 A graça santificante é o dom gratuito da sua vida que Deus nos faz; é infundida pelo Espírito Santo na alma para curá-la do pecado e santificá-la.
2027 Ninguém pode merecer a graça inicial que está na origem da conversão. . . .
1266 A Santíssima Trindade concede aos batizados a graça santificante, a graça da justificação:
– capacitando-os a crer em Deus, a esperar nele e a amá-lo através das virtudes teologais; . . .
1250 . . . A pura gratuidade da graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo infantil. . . .
1727 A bem-aventurança da vida eterna é um dom gratuito de Deus. É sobrenatural, assim como a graça que nos conduz até lá.
A terminologia de que os homens “conquistam a salvação” é falsa se por ela nos referimos ao Pelagianismo ou à salvação pelas obras. É verdadeira em termos de mérito cooperativo. Deus nos dá a graça de participar e trabalhar junto com Ele. Mérito é Deus coroando Seus próprios dons, como diz Agostinho. Ele quer que participemos daquilo, mas tudo pela graça e nunca sem ela. É inteiramente bíblico… mas muitos protestantes não conseguem compreender porque estão presos ao pensamento antibíblico do tipo “ou é isto ou aquilo” e são incapazes de perceber o paradoxo bíblico. O protestantismo (mas especificamente o calvinismo) está repleto dessa deficiência irritante.
Eu estou cansado disso, e cheguei a esse estágio faz muito tempo, porque ficou claro para mim o que estava causando os problemas na discussão com respeito a toda esse tópico: suposições falsas e antibíblicas de “ou isto ou aquilo”, e a incapacidade de aceitar paradoxos e sinergias bíblicas patentemente evidentes. Se o homem de fato faz alguma coisa, de acordo com a mentalidade do “ou isto ou aquilo”, Deus não faz nada, e a salvação é pelas obras. É tudo ou nada. Deus então deve fazer tudo. O problema é que a Bíblia diz muitas vezes que nós fazemos coisas, na graça de Deus e debaixo de Sua graça. Ela não dicotomiza as ações dos homens e a graça de Deus, como os homens fazem, seguindo tradições de homens. A Bíblia apoia as posições católicas repetidas vezes, e sistematicamente.
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