O Papa Silvestre e o Concílio de Niceia

Dave Armstrong

Dave Armstrong

James White, um anticatólico profissional, escreveu em sua própria lista de discussão pública (da qual eu era membro) em 15/07/96 o seguinte:

Eu simplesmente encorajo todos na lista a ler qualquer fonte histórica moderna decente, católica romana ou protestante, sobre o assunto de Niceia e o papel do bispo de Roma. A ideia de que o concílio foi convocado, presidido por ele (através de representantes dele) ou meramente condicional até ser ratificado pelo bispo de Roma como cabeça da igreja é a-histórica, insustentável e, até onde sei, não promovida por qualquer historiador sério de nossa época. Ah, sim, existem de fato muitos católicos romanos que, apenas por razões teológicas, promovem essa ideia, mas é anacronismo em sua forma mais refinada e demonstra até onde as pessoas estão dispostas a ir para manter uma tradição.

 

A minha resposta:

Seguindo o encorajamento do meu detrator acima, que pena, descobriu-se (o que não é surpresa para nós) que existe pelo menos um “historiador sério” que faz a defesa (ligeiramente provisória) da jurisdição papal exercida em Niceia.

 


Fonte: Winkmedia Commons, Domínio Público

 

Esse historiador é Warren H. Carroll, que possui um Ph.D. em História pela Universidade de Columbia, e que fundou o Christendom College em Front Royal, Virginia, em 1977. Atualmente ele está escrevendo uma grande obra de vários volumes, copiosamente documentada e com notas de rodapé chamado History of Christendom (Trad. “A História da Cristandade”). Seu segundo volume é intitulado The Building of Christendom (Trad. “A Formação da Cristandade”: Christendom College Press, 1987). Abrange o período de 324-1100 no espaço de 616 páginas, das quais aproximadamente 148 (cerca de um quarto do livro) consistem em extensas notas de rodapé e bibliografias. Tais considerações, ao meu ver, sugeririam fortemente um historiador “sério” profissionalmente, por qualquer critério razoável, independentemente do que um anticatólico possa pensar dele.

Os anticatólicos e outros não-católicos mais ecumênicos podem querer alegar que a motivação de Carroll é “exclusivamente teológica”, já que ele é um católico ortodoxo, e/ou que sua ortodoxia o desqualifica como um estudioso objetivo e imparcial. Mas isso seria tão tolo quanto dizer que, porque alguém é um calvinista conservador e ortodoxo que defende o protestantismo da Reforma contra o catolicismo, suas conclusões e argumentos são, ipso facto, inerentemente suspeitos; ou, pelo mesmo raciocínio deficiente, que estudiosos bíblicos conservadores como F. F. Bruce não são confiáveis porque negam as teorias críticas mais elevadas e as pressuposições hostis dos estudiosos liberais. Ter uma forte visão teológica de forma alguma desqualifica alguém como um estudioso confiável. Na verdade, muito pelo contrário: é melhor deixar claro o preconceito (que todo mundo tem) do que tentar escondê-lo ou negar sua existência. Dito isso, vamos ver o que Carroll tem a dizer sobre esse assunto:

 

A recomendação de um Concílio geral ou ecumênico… provavelmente já havia sido feita a Constantino por Ossius [aka Hosius], e muito provavelmente ao Papa Silvestre também (9)… Ossius presidia suas deliberações; provavelmente ele, e certamente dois sacerdotes de Roma, vieram como representantes do Papa. (10) (pág. 11)

 

[O restante é o material de duas notas de rodapé relacionadas às observações acima]:

 

Nota 9. Victor C. De Clercq, Ossius de Córdoba (Washington, 1954), pp. 218-226; Charles J. Hefele, A History of the Councils of the Church, ed. William R. Clark (Edimburgo, 1894), I, pp. 269-270.

De Clercq pensa que Ossius já havia recomendado o concílio a Constantino antes do sínodo de Antioquia [março ou abril de 325], que apenas se juntou à recomendação anterior; em vista da estreita relação entre Ossius e Constantino.., isso parece provável… Que o Papa Silvestre I foi informado desde o início sobre os planos para o Concílio de Nicéia, não há boas razões para duvidar, por mais que sua probabilidade possa ser minimizada pelo preconceito sectário ou pela deferência equivocada ao ecumenismo entre a atual geração de historiadores… Sabemos que mais tarde, no 6º Concílio Ecumênico de Constantinopla (680), foi declarado como fato aceito – embora muito contra o interesse dos partidários do episcopado de Constantinopla, onde o Concílio foi realizado, os quais buscavam edificar sua Sé como uma rival de Roma – que ‘Ário surgiu como um adversário da doutrina da Trindade, e Constantino e Silvestre [Papa] imediatamente reuniram o grande Sínodo de Niceia’ (Hefele, loc. cit.)…O papel pessoal de Constantino na convocação do Concílio de Nicéia não parece, a partir das evidências disponíveis, ser maior do que o papel pessoal do imperador Carlos V na convocação das sessões anteriores do Concílio de Trento. . .

Nota 10. De Clercq, Ossius, p. 228-250; Hefele, Conselhos, I, 36-41; Timothy D. Barnes, Constantine and Eusebius (Cambridge, MA, 1981), p. 214-215.

Os argumentos de De Clercq sobre esse ponto frequentemente controverso são poderosamente convincentes; sua conclusão, de que Ossius representando o Papa Silvestre em Niceia é apenas uma ‘possibilidade‘, é muito modesta ou muito cautelosa ou ambas. Toda a história da convocação do Concílio de Niceia e toda a história da Igreja no império na década anterior sugerem que o papa Silvestre teria designado Ossius para esse papel. No Concílio Ecumênico de Éfeso, um século depois, o Bispo Cirilo de Alexandria presidiu e assinou os atos do Concílio primeiro, sem referência ao seu papel como principal representante do Papa, e sua assinatura foi imediatamente seguida pela de dois bispos e um padre, especificamente designados como representantes do Papa – assim como nos atos do Concílio de Niceia, Ossius assinou primeiro como presidente sem referência a si como representante do Papa, seguido por dois padres identificados como legados do Papa. As duas situações são exatamente paralelas; no entanto, no caso do Concílio de Éfeso, sabemos com certeza que Cirilo de Alexandria foi designado representante do Papa. O todo cria uma forte presunção de que o mesmo aconteceu com Ossius em Niceia. (págs. 33-34)

 

Além disso, a Encyclopedia Britannica (ed. de 1985) nos informa (sob o título “Hosius”, v. 6, p. 77):

 

“Avisado por Hosius, Constantino convocou o primeiro Concílio ecumênico de Nicéia (325)…”

 

O Oxford Dictionary of the Christian Church (ed. F. L. Cross, 2ª edição, Oxford Univ. Press, 1983, p. 668), uma referência não católica que é muito respeitável, concorda amplamente:

 

… de 313 até o Concílio de Niceia [Hosius] parece ter atuado como conselheiro eclesiástico do imperador Constantino… foi aparentemente em consequência de seu relatório que o imperador convocou o Concílio Niceno. Existem alguns motivos para acreditar que aqui ele presidiu e que também introduziu o Homoousion.

 

Por fim, o apologista católico David Palm, acrescentou em uma carta de 16/07/97:

 

Aqui está uma citação de Gelásio [de Cízico], o sacerdote-historiador oriental, escrevendo por volta de 475 d.C., afirmando explicitamente que Ósio [Hosius], o bispo de Córdoba, foi de fato um legado papal no Concílio de Niceia. [Significa] muito em razão da ideia de que os papas não presidiram os primeiros concílios. A tradução é minha; é bastante literal, mas funcional, espero:

 

 

O próprio Hosius, o famoso Farol dos espanhóis, ocupou o lugar de Silvestre, bispo da grande Roma, junto com os presbíteros romanos Vito e Vicente, ao se aconselharem com muitos [bispos].

 

Patrologia Graece 85:1229

 

 

Além disso, a revista This Rock (p. 27, junho de 1997) oferece as seguintes informações:

A liturgia greco-russa, no ofício do Papa Silvestre, fala dele como verdadeiro chefe do Concílio de Nicéia:

 

Tu te mostraste o supremo do Concílio Sagrado, ó iniciador nos mistérios sagrados, e ilustraste o Trono do Supremo dos Discípulos.

 

De Luke Rivington, The Primitive Church and the See of Peter, Londres: Longmans, Green, 1894, p. 164

 

A seguir temos uma resposta do Dr. Warren Carroll, a uma postagem crítica de um participante ortodoxo em minha lista de discussão, datada de 19/08/97:

 

Também exorto você a revisar os últimos quatro capítulos do Volume I, The Founding of Christendom, que apresenta a evidência muito forte de que o Bispo de Roma teve autoridade sobre toda a Igreja desde o início, sendo o primeiro indicador específico a carta do Papa Clemente I aos Coríntios por volta de 95 d.C., depois uma passagem de Santo Irineu em seu Contra as Heresias, e posteriormente o decreto do Papa Vítor I (cerca de 200) prescrevendo a data para a celebração da Páscoa, em oposição à data então usada na Ásia Menor ( agora Turquia). Tanto a carta do Papa Clemente aos Coríntios quanto o decreto do Papa Vítor rejeitando o uso do 14º dia do mês de Nisan para celebrar a Páscoa na Ásia Menor, são exercícios da jurisdição universal do Papa na Igreja, em um lugar bem longe da Itália. A situação no Concílio de Niceia deve ser julgada tendo em mente esses fatos como pano de fundo.

É verdade, e afirmo, que não há nenhuma prova específica de que Ossius tenha sido especialmente designado como representante papal em Niceia. Mas sustento que é altamente provável que tenha sido, pelas razões apresentadas. É possível que Ossius tenha sido – na verdade, e eu diria que provavelmente foi – sugerido ou mesmo “nomeado” como presidente do Concílio pelo imperador Constantino, que obviamente tinha total confiança nele. Mas pelo fato de o Papa ter enviado dois homens para representá-lo no Concílio, não me parece razoável que ele não tivesse confirmado o presidente [do concílio] se não tivesse designado um de seus representantes para esse cargo.

Os registros do Concílio deixam claro que foi Ossius, e não Constantino, quem presidiu (a vaga referência de Eusébio a “vários presidentes” não pode se opor aos registros do próprio Concílio). Constantino estava presente e interveio; ele prometeu ao Concílio de Nicéia seu apoio e proteção, que ele deu; poderia muito bem ter sido realizado por ele. Mas a presença de representantes papais, especificamente designados como tal, significa que pelo menos deve ter contado com a aprovação do Papa, caso contrário, ele não os teria enviado. Todos os concílios ecumênicos bem-sucedidos dos primeiros seis séculos da Igreja exigiram a cooperação tanto do Papa quanto do Imperador, e sabemos que todos os outros a tiveram. Apenas com relação a Niceia, e isso devido à nossa escassez de informações acerca do Papa Silvestre, há espaço para dúvidas quanto ao papel do Papa.

 

 

Foto Principal Niceia da Winkimedia Commons

 

Tradução de Kertelen Ribeiro do Texto Pope Silvester & the Council of Nicaea (vs. James White)

 

 

REFERÊNCIAS

 

BIBLICAL EVIDENCE FOR CATHOLICISM

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Dave Armstrong é um apologista católico americano e escritor de inúmeros livros, cujo site "Biblical Evidence for Catholicism" (www.biblicalcatholic.com) inclui material robusto e de grande valor para aqueles que desejam conhecer mais profundamente a doutrina da Igreja Católica. Com mais de 2.500 artigos defendendo o catolicismo, foi premiado pela Revista Envoy em 1998 e conta com mais de dois milhões de visitantes regularmente. Dave Armstrong tem proclamado e defendido ativamente o cristianismo desde 1981 e foi recebido na Igreja Católica em 1991.

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Dave Armstrong é um apologista católico americano e escritor de inúmeros livros, cujo site "Biblical Evidence for Catholicism" (www.biblicalcatholic.com) inclui material robusto e de grande valor para aqueles que desejam conhecer mais profundamente a doutrina da Igreja Católica. Com mais de 2.500 artigos defendendo o catolicismo, foi premiado pela Revista Envoy em 1998 e conta com mais de dois milhões de visitantes regularmente. Dave Armstrong tem proclamado e defendido ativamente o cristianismo desde 1981 e foi recebido na Igreja Católica em 1991.

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