É comum vermos alguns protestantes, especialmente calvinistas, acusando católicos de serem pelagianos. Mas essa acusação faz sentido mesmo? A Igreja Católica condenou tanto o pelagianismo, como sua versão moderada, o semi-pelagianismo. O maior opositor dessas heresias foi Santo Agostinho. Então, de duas uma: ou os acusadores não sabem o que é pelagianismo, ou não conhecem a fé católica e falam de assuntos que desconhecem.
- O pelagianismo, doutrina de Pelágio de Bretania, consistia basicamente em negar o pecado original. Nisso, existiriam apenas os pecados pessoais, que afetariam o homem não por ter uma natureza decaída, mas por imitação de Adão. Ou seja, o ser humano conseguiria escolher pecar ou ir até Deus por meio de sua livre vontade somente, sem o auxílio da Graça de Deus. O pelagianismo foi condenado como herético em 418 pelo Concílio de Cartago.
- O semi-pelagianismo, também chamado de massilianismo, surgiu no século VI, e reconhecia o valor da Graça, porém afirmava que era o ser humano quem dava o primeiro passo no processo de salvação. Na prática, os adeptos dessa heresia adiavam o batismo das pessoas iniciadas na fé, afirmando que elas deveriam se converter, tornando-se puras antes do batismo para serem aceitáveis ao Reino de Deus. Essa heresia foi condenada no II Concílio de Orange (529), esse concílio afirmou, dentre outras coisas que é no batismo que nos tornamos puros e aceitáveis, pois é nele que recebemos a Graça, e, é a partir dele que entramos na Nova Aliança.
Pergunto: qual dessas duas doutrinas é ensinada pela Igreja Católica? Nenhuma! Ora, católicos creem na existência do pecado original, pois São Paulo diz que “todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus” (Romanos 3, 23), pois, “Eis porque, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.” (Romanos 5, 12). E lembremos ainda do Salmo 51, 7 que diz “Eis que eu nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no pecado”. Não pecamos porque aprendemos a pecar, ou por pura imitação, nós pecamos porque já nascemos pecadores. O pecado de Adão trouxe sérias consequências para a criação, e uma delas foi a de que toda a humanidade se tornou radicalmente inclinada para o pecado, de forma que não podemos nos achegar até Deus sem o auxílio da Graça. Veja mais aqui.

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O Catecismo da Igreja Católica (CIC) nos diz que a graça “é favor, o socorro gratuito que Deus nos dá para responder ao seu convite: nos tornarmos filhos de Deus, filhos adotivos, participantes da natureza divina, da vida eterna (CIC, 1996)”. Não é algo que possamos merecer de antemão pelas nossas próprias forças, pois por nós mesmos jamais escolheríamos Deus. Assim, somos necessitados da Graça divina, pois os nossos pecados fizeram separação entre nós e Deus (Cf. Isaías 59, 2). É Jesus quem vem ao nosso encontro para nos dar paz com Deus (Cf. Romanos 5, 1). “Ele nos elegeu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor” (Efésios 1, 4). Pensando nisso, o nosso livre-arbítrio seria anulado? De forma nenhuma! O Catecismo nos diz o seguinte:
“Para Deus, todos os momentos do tempo estão presentes em sua atualidade. Ele estabelece, portanto, seu projeto eterno de “predestinação”, incluindo nele a resposta livre de cada homem à sua graça.” (CIC, 600)
Além disso “A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça” (CIC, 2001). Ou seja, a nossa liberdade é movida pela Graça, é ela que produz os meios necessários para a salvação. Deus dá Graça suficiente a todos, pois Ele “quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (I Timóteo 1, 2-4). A Graça de Deus é quem conduz o processo de salvação do início ao fim. Entretanto, essa Graça, que é suficiente para todos, somente será eficaz naqueles que Deus de antemão conheceu e predestinou (Cf. Romanos 8, 29). Então os católicos creem na predestinação? Sim! A doutrina da predestinação é puramente católica, e encontra base em vários trechos das Escrituras (Atos 22, 14; Romanos 8, 29-30; Efésios 1, 3-14, e muitos outros). Isso significa que Deus tem os seus preferidos? Ou, ainda, significa que Deus predestinou alguns para a salvação e outros para a perdição? De forma alguma! Não cremos na chamada dupla-predestinação, defendida por alguns calvinistas. Acontece que, estes que Deus predestinou de antemão, são aqueles que Ele, por meio de seu conhecimento eterno de todas as coisas, sabe que livremente irão perseverar até o fim, ou seja, “eleitos segundo a presciência”, conforme nos diz São Pedro 1, 1-2, e São Paulo quando nos diz que Deus predestinou aqueles que de antemão conheceu (Cf. Romanos 8, 29). Veja mais aqui.
É verdade que há uma tensão sempre difícil de ser explicada entre a liberdade humana e a soberania divina, o livre-arbítrio e a predestinação. Todavia, cremos que uma coisa não anula a outra. Jesus Cristo morreu para a salvação de todos, e dá a todos os meios necessários para a salvação. Porém, o ser humano pode fazer mau uso de sua liberdade e rejeitar a Deus, e isso não significa que Deus deixe de ser soberano, pois isso já está no conhecimento dEle, entretanto não é isso que Ele deseja, já que não quer que ninguém se perca (II São Pedro 3, 10). Assim, cremos numa predestinação somente ao Céu, que é conduzida em todos os momentos pela Graça. Aqueles, porém, que se condenam, não se condenam porque Deus os predestinou ao inferno, nem porque Deus os ignora, pois Deus não criou ninguém para a perdição eterna, mas sim porque rejeitaram o chamado divino. Ainda assim, até por estes Jesus deu sua vida, uma vez que, “Se pela falta de um só todos morreram, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre todos” (Romanos 5, 15). Deus não determinou a condenação de ninguém, ele simplesmente sabe quem será condenado, e também quem será salvo. Não esqueçamos que a onisciência também é um dos atributos da soberania divina.




